14.11.12

Dia XXXIV

Os alunos de Literatura Portuguesa não chegaram a entrar na sala de aula, apesar de dois se encontrarem no recinto escolar. (Não se pode dizer que tivessem feito greve, mas que a ausência foi geral não há dúvida!) Esperemos que o tempo tenha sido aproveitado para realizar o projeto individual de leitura.

13.11.12

Ouvir e apagar logo-logo

«Ouvir e perceber enquanto ouvia mas apagar prontamente, era o traçado em que ele se movia. Ouvir e apagar logo-logo.» José Cardoso Pires, DE PROFUNDIS, Valsa Lenta

Capaz de ouvir, perceber e argumentar com acutilância, vive, no entanto, no limiar da afasia. Diante de si, o pânico da deterioração da linguagem, da expressão desconexa, do registo errado do termo, da hesitação. A cada passo, a hesitação! E o circunlóquio, traiçoeiro, capaz de arruinar a comunicação...

Enquanto o acidente vascular cerebral está a decorrer, sob a forma de lentíssima isquemia, ele corre para a página em branco na esperança de ainda chegar a tempo de registar aquele lampejo de felicidade que lhe sorri nas palavras encantadas do leitor do dia, antes que tudo se apague irremediavelmente.

Ao contrário de José Cardoso Pires, ele não espera pela consumação do AVC, pois sabe, de antemão, que não lhe será concedido tempo para qualquer reconstituição feliz da memória...

Para ele, o acidente vascular cerebral está em curso, mesmo que, um dia, de forma brusca, se torne oficial e sem regresso. Por agora, o mais difícil está em chegar a tempo e em disfarçar a hesitação.   

Dia XXXIII

Por vezes, os dias são enfadonhos! Hoje, no entanto, há acontecimento. Três alunos apresentaram oralmente obras de épocas distintas, mas significativas: O Auto da Alma (1518), de Gil Vicente; A Birra do Morto (1973), de Vicente Sanches; De Profundis Valsa Lenta (1997), de José Cardoso Pires . As duas primeiras no âmbito do contrato de leitura; a última no âmbito do projeto individual de leitura.
Sem qualquer ajuste prévio, as três tratam da vida e da morte, cada uma à sua maneira. Para a primeira, alegórica, a morte feliz é um lugar que deve ser metodicamente  preparado, apoiando-se na Igreja e nos seus Doutores ( os pilares da  estalagem); para a segunda, burlesca, a morte deve ser evitada a todo o custo mesmo que os regulamentos sejam taxativos quanto ao destino de quem, por erro, seja oficialmente declarado morto; para a terceira, é possível regressar da morte e, sobretudo, através da escrita parece possível reconstruir a memória de um tempo sem retorno... e esse renascimento é de lenta aprendizagem...
(Os leitores - Eduardo, João e Diana - estão de parabéns porque deram conta do prazer que a leitura lhes despertou e porque conseguiram cativar os respetivos auditórios.)
    

12.11.12

Dia XXXII

I - A referência deítica. Volta a ser necessário clarificar o significado de deítico como apontador, indicador para o exterior da linguagem ( do signo linguístico: significado+ significante) - o referente. Também este último termo oferece resistência, embora o princípio esteja no objeto, na coisa (res). Afinal, na família de palavra, encontramos: referir, referir-se a, referente, referência, referencial... O jogo de palavra acabou por  gerar uma comparação com docência, docente / ensino, professor, ensinar... Falta, no entanto, o verbo docere
II - Novo problema terminológico: distinguir o valor deítico do valor anafórico de certos termos. E abstive-me de problematizar o significado do vocábulo valor. E a dificuldade começa com a necessidade de recapitular o significado de anáfora (retórica, tropologia, estilística) - figura de repetição de palavra ou expressão no início de verso ou de frase...

III - Na Literatura, a dificuldade resulta da falta de atenção, (alheamento quase involuntário, estado de alma intermitente). Mas lá caminhámos lentamente do neoclassicismo das duas arcádias (Arcádia Lusitana e Nova Arcádia) que apostavam no lema inutilia truncat (objeto: barroco) para Almeida Garrett que, embora formado como árcade, vai rompendo com o rigor da mimesis clássica para um terreno mais popular, mais intuitivo e mais sensorial. Claro que foi necessário regressar à educação de Garrett, mas também voltar a explicar a importância ideológica e literária de um projeto como o Romanceiro. Esta mistura do arcadismo com a oratura torna-se explosiva!
E por isso nos ficámos no poema "Sine nomine corpus" / Corpo Despido. E também a interpretação se torna penosa, fundamentalmente porque, em termos de composição, Garrett apostou numa comparação, e o intérprete continua sem perceber que a comparação supõe dois termos e que, neste caso, o primeiro termo serve o segundo. O romântico fala da sua tristeza, da sua desilusão e para melhor explicar como chegou a esse ponto recorre à comparação com a árvore abrasada pelo fogo do estio, como se a intensidade da paixão acabasse por ser a causa do seu apagamento... e por isso o poema começa por "Qual tronco despido (...) Assim ao prazer, /À dor indif'rente, /Vão-me horas de vida..."
Talvez amanhã enxerguemos o árcade que habita nas Flores sem Fruto!

11.11.12

Duas ideias a propósito do futuro

«Quando o passado foi um pesadelo escuro / quem é fiel ao passado atraiçoa o futuro.» Os versos são de Tomás Ribeiro Colaço (1899-1965), citado por Maria Archer (1899-1982) num artigo intitulado A Gente Nova e a Emigração, Cadernos Coloniais, nº 32.

A - O atual partido socialista necessita de, uma vez por todas, romper com o passado recente, mesmo que pressinta / saiba que a situação que vivemos não resulta apenas de cegueira ou excessivo optimismo de anteriores governantes. O PS não pode continuar a viver na ambiguidade! Se este partido não separar as águas arrisca-se a ter o destino do partido socialista grego... e o país ficará à deriva.

B - Quanto ao futuro da gente nova, nas palavras esclarecidas de Maria Archer, só fará sentido emigrar se levar consigo «mais do que braços obreiros e boca faminta». Pelo menos, esta gente nova necessita de conhecimento e de técnica. « Quem emigrar confiando apenas no arrimo dos braços procura o coval das suas esperanças.»




Interlúdio X

I - De modo a preparar a leitura do texto " 1 de Fevereiro de 1908", de Raul Brandão (Manual 32-33), clica nos seguintes links:
http://histeblog.blogspot.pt/2010/11/o-regicidio.html
http://www.youtube.com/watch?v=GCcCEC8YGPg

8.11.12

Do trabalho

Por razões que para o caso pouco interessam, em 1998, interrompi uma linha de investigação que, agora, retomo. Seguia à época um caminho de leitura centrado no continente africano e, sobretudo, nas imagens construídas pelos africanos e pelos europeus. Exercitava, então, um tipo de leitura que considerei imagológica.
Nos Cadernos Coloniais, editorial Cosmos, Lisboa, 1936, é possível identificar muitas dessas imagens que ajudaram a desenhar o imaginário do colonizador, mas também o daqueles que, desde cedo, combateram o colonialismo.
O Caderno nº 31 é constituído por um conjunto de artigos da responsabilidade do Padre Alves Correia (1886-1951). Vale a pena, creio, indicar aqui os títulos: a) Processos educativos, antigos e modernos, nas Missões religiosas portuguesas; b) Na evangelização da África; c) Na Índia  Japão e China; d) Processos peculiares em Solor e Timor; e) Brasil coroa do nosso apostolado; f) Nas missões ressuscitadas / Processos Novos.
Fácil é perceber que os agentes da missionação não aplicaram o mesmo modelo de educação /evangelização no terreno e que a doutrina era condicionado pela imagem que as ordens religiosas tinham do outro e, consequentemente, do lugar que poderiam ocupar no futuro dos territórios.
E quanto à visão do outro (do mundo) do Padre Alves Correia basta ler o seguinte excerto:

«Hoje está assente, entre todos os missionários do mundo, que a civilização cristã deve basear-se na organização do trabalho total do homem evangelizado; que a catequese doutrinal é pouco menos que inútil, se não se tiverem formado hábitos de trabalho nos catequizados; elevação do nível da vida, necessidades morais provenientes desta elevação, meios de satisfazer tais necessidades promovidos pelo exercício da actividade física e desejo crescente de instrução, que leva o homem à educação da inteligência, do coração, como do próprio corpo.»

Ora, parece que, atualmente, os nossos governantes têm fraca imagem do trabalho! E insistem em destruí-lo, sem perceber que é muito mais fácil destruir do que construir.


XXXI

I
a) Nós, hoje, estamos desconfiados dos deíticos!
b) Eles desconfiam dos deíticos.

Em a) considerando que a ação verbal decorre na sala de aula, o locutor envolve o interlocutor numa atitude de desconfiança em relação ao objeto. A situação de comunicação é partilhada devido à novidade e à utilidade do conceito.
Uma observação atenta do enunciado a) cria nos interlocutores uma relação de cumplicidade muito diferente     da que é exposta em b) O facto só nos interessa em termos de informação, não nos envolve.

Em termos esquemáticos, o enunciado a) é constituído por dois deíticos temporais: "hoje" /"estamos" advérbio - presente do indicativo, e por dois deíticos pessoais "nós" e -mos" - pronome pessoal e morfema verbal.

II - Na aula de Literatura (apoio), não houve qualquer cumplicidade: sem interlocutor.

III - A análise do discurso da sala aula, se rigorosa, acaba por mostrar que em simultâneo com o discurso institucional se desenvolvem discursos privados, sujeitos às mesmas regras que, no entanto, mais não são que formas de "ruído".

7.11.12

Dia XXX

I - No teste de Literatura, para além da pouca leitura, surge o problema do incumprimento das instruções. Não se trata de incompreensão, mas de desleixe.
 
II - Com metade da turma em visita de estudo, os restantes foram confrontados com a biografia do autor, de modo a procurar a presença da vida na obra. No caso, a presença da mulher no poema " A Minha Rosa".
Na nota biográfica do autor, é dito que, em 1846, Garrett conhece Rosa Montufar, Viscondessa da Luz... (Será o poema A Minha Rosa anterior ao conhecimento de Rosa Montufar?)
Por outro lado, a nota biográfica regista a vida, a obra e faz alguma referência ao romantismo (introdução)... o que permitiu atentar nos títulos, como, por exemplo, Dona Branca (1826) e Romanceiro (1843/1851)... 
E ao fazê-lo, abriu-se a porta à particularidade do Romanceiro corresponder a um projeto ideológico de fixação da oratura e da traditio, mas que teve forte influência na técnica compositiva do autor. ( Não sei por que motivo se insiste em literatura oral ou tradicional em vez de oratura!)  
O século XIX, romântico, acaba por simultaneamente valorizar os romanceiros e redescobrir os cancioneiros, tudo em nome do génio popular!
A leitura, fragmentada, da nota biográfica levou a que, sumariamente, fosse chamada a atenção para outra mulher na vida do autor - Adelaide Pastor (1837 - 1841). Dessa relação nasceu Maria Adelaide, que acabará por assombrar, por exemplo, Frei Luís de Sousa (1843) - a infeliz Maria... Tudo porque, afinal, Garrett, embora separado, ainda estaria casado com Luísa Midosi (1822)... 

6.11.12

Dia XXIX

I - Perceber que através do discurso também se sai do pátio para a sala de aula - do registo informal ao registo formal. Identificar "os ruídos" verbais (e não só) que perturbam a eficácia comunicativa. A sala de aula exige formalidade no tratamento e na interação comunictiva, tal como acontece num tribunal, no parlamento ou numa igreja... E por isso os deíticos pessoais, temporais ou espaciais devem ser utilizados com moderação, pois eles espelham o lugar em que os interlocutores se situam na comunicação ( no Manual, viajámos da página 29 à página à página 242).
 
II - Entretanto, na Literatura, confirmada a pouca leitura e a desmazelada escrita, passámos à poesia de Almeida Garrett ( A Minha Rosa, Não te Amo, Este Inferno de Amar, Barca Bela).
A musicalidade dos poemas. A tradição poética (Romanceiro). E a novíssima abordagem do amor.
Basta atentar nos três círculos de A Minha Rosa que se combinam e se sobrepõem não platonicamente, como a convenção impunha:
 
- A Rosa ( a flor;  hástia mimosa; folha; cor; coroar; desabrochar)
- A Mulher (face tão bela / face linda; lábios; sorriso)
- O Paraíso / Céu ( estrela; rainha; luz; singeleza; beleza)
 
O Poeta, embora consiga ascender ao céu, não deixa de ter uma ponta de ciúme, pois a sua rosa não é muito diferente das outras flores...
 

5.11.12

O fascínio do abismo

(Não me apetece contribuir para a queda no abismo.)
 
Forças sindicais, políticos do centro esquerda e da esquerda ortodoxa e heterodoxa desfilam palavras de ordem contra o memorando, mas não se sentam em torno de uma mesa e redigem um programa alternativo que permita ao Presidente destituir o governo e convocar novas eleições legislativas...
 
Sem eleições devidamente preparadas, resta a ditadura ou, simplesmente, a diluição da nação.

Dia XXVIII

I - Formas de tratamento. Cortesia. Registo formal e informal. Deíticos. Um percurso que, em comum, tem a situação de enunciação e respetivos atores (locutor, interlocutor, espaço e tempo).
Nada de extraordinário, a não ser essa dificuldade em perceber que só podemos viver no presente e que o discurso é uma forma de o capturar, de construir narrativas de maior ou menor saudade ou de sonho. Ficamos, assim, entre o passado e o futuro, categorias do discurso... Quanto ao presente..., esse lugar onde registamos a proximidade e a distância, quer em termos espaciais quer hierárquicos ou, simplesmente, nada..., sem âncoras, ficamos à deriva... O que acabou por conduzir à necessidade de explicar as perífrases e as metáforas que se vão instalando num discurso, ora feito de adiamentos ora de intuições fulgurantes, as últimas porque o raciocínio se torna intuitivo sempre que o que há a dizer é novidade... Mas esta imaginação verbal só singra se ancorada na experiência...
 
II - Teste de Literatura ou de pouca leitura...    

3.11.12

O Gebo e a Sombra (filme)

Gostei da reconstituição em espaço fechado, gostei da representação, embora não entenda tanta fungação. Já bastava que Doroteia passasse o tempo a cismar e a chorar...
Não gostei nada da opção pelo francês, embora perceba que os protagonistas pudessem ter dificuldade em exprimir-se na língua de Raul Brandão.
E sobretudo não compreendo a razão da supressão do Quarto Ato!Vê-se que o desfecho não agradaria a Manuel de Oliveira. E porquê?
 
Talvez porque:
 
a) Sofia se tivesse visto obrigada a trabalhar / a ser explorada numa fábrica,
b) «Odeio todos esses ricos que me fazem bem e que me dão de comer. Eles dão-me de jantar mas é por vaidade» (Candidinha)
c) «Eu sacrificara-me, para que os outros se rissem de mim.» (Gebo)
d) «A gente só se não arrepende do mal que faz neste mundo.» (Gebo)
e) «Foi tudo inútil! Foi tudo inútil!» (Sofia)
 
A opção de Manuel de Oliveira não se abre ao exterior, encontra solução na moral católica do cumprimento do dever, da obediência à lei... Na verdade, trai a solução muito mais angustiada de Raul Brandão que, atento às leis da política, da finança e da economia, se revolta...
 
C'est dommage!

2.11.12

Interlúdio IX

«Não há rigor que não dissimule angústia.» Hermann Broch
Eis o ponto de partida para a rememoração ou criação de uma pequena história. O resultado é perturbador.
As histórias põem em cena a família e a escola. Previsível! Só não esperava encontrar tanta psicologia de algibeira: as mães e os professores (as) rigorosos (as) não passam de gente bem intencionada, mas traumatizada.
E esses traumas escondidos, mas que os rebentos antecipam facilmente, só servem para provocar angústia nos infantes.
O esquema é elementar: a angústia é filha do rigor; a autoconfiança dá-se bem com a orfandade... 
Ao contrário de outras gerações, esta parece caracterizar-se por uma certa precocidade que se revela na procura de um palco que lhes estimule o vedetismo...
( Estes pensamentos são necessariamente bem educados!)
 
 

1.11.12

Inevitavelmente...

Tentando não assombrar quem por aqui passe, deixei de falar de políticos, pois sinto-os desenraízados, vendidos a interesses ou a doutrinas mal assimiladas. Incapazes de pensar por si, vivem cercados de técnicos nacionais e estrangeiros que, ignorantes do território e das gentes, cortam a direito como já no século XIX as potências europeias tinham feito com África...
De qualquer modo, esta cegueira não afeta apenas os governantes. No geral, voltámos as costas ao território e ao seus recursos, preferindo as soluções urbanas, em regra importadas... Cidadãos do mundo, consumimos desenfreadamente e perdemo-nos facilmente nas redes sociais e na delinquência, umas vezes gratuita outras sanguinolenta... Temos as nossas próprias festas e, não satisfeitos, adaptamos todas as alheias.
O espírito dionisíaco esmaga o apolíneo, conduzindo inevitavelmente à decadência, sob o guloso olhar calvinista.
Resta-me a consolação de um território que entregue a si próprio vai impondo as suas próprias regras como se há muito tivessemos partido!

Dia XXVII

O Dia chega atrasado. A escrita procura recuperar um tempo irremediavelmente perdido, tal como o comprova aquele aluno que tem dúvidas sobre a matéria do teste, pois, desesperadamente, foge da leitura de Um Auto de Gil Vicente e de Amor de Perdição, como o diabo da Cruz, o que me dá o mote para, aqui, relembrar a composição da personagem João da Cruz.
Apesar do manual (Projectos de leitura I, páginas 221-222) convidar a um exercício de caraterização do herói romântico, ontem armei-me de um Dicionário de Língua Portuguesa, e todo o trabalho se centrou na leitura do excerto do capítulo VI. Após leitura acompanhada da simples tarefa de identificar as palavras que oferecessem resistência à compreensão (três!), o retorno à leitura dirigiu a atenção para o significado literal e figurado das palavras, para o recurso a processos de equivalência semântica (sinonímia), para a origem do léxico de João da Cruz, para os registos de língua do narrador, de João da Cruz e de Simão Botelho, como expressões da multiplicidade de recursos presentes na escrita camiliana.
Vale a pena atentar na quantidade de nomes comuns e de verbos transitivos ativos no diálogo (e consequente significado literal e figurado):  Este desalmado deixou fugir o melro (...) mas o meu lá está a pernear (...) Sempre lhe quero ver as trombas ( ...) o ferrador desceu três socalcos da vinha (...) Alma de cântaro (...) ou no discurso do narrador: João da Cruz, como galgo de fino olfacto, fitou a orelha e resmungou. A comparação como processo de caraterização, em que a bestialiazação, agora positiva, é posta em evidência.
A bestialização com recurso a nomes comuns: melro, trombas, galgo, porco do monte, javali, furão. Fácil é perceber a simpatia do autor por esse universo campestre e efetivo conhecimento do léxico adequado, chegando ao ponto de, para construir o espaço que se torna de caça (ao homem), usar uma rica sinonímia que acaba por confundir o leitor urbano: matagal, mato, rostilhada, moita, bouça...
 
De pouco servirá este registo, mas este foi o caminho seguido na aula de ontem! Pobre herói romântico! A atenção de Camilo estava toda centrada na força e na inteligência do caçador e não na irrefletida mansidão de Simâo... ( Ao fim da tarde, recebi um e-mail de quem esteve na sala de aula a perguntar qual era a matéria...)
 

30.10.12

Dia XXVI

(A modéstia parece estar em extinção!)
I - Comentário (teste 1b): falta de rigor na utilização da palavra escrita; dificuldade em distinguir vivência de memória literária; excessiva paráfrase; alguma qualidade na composição; visão circular e narcísica; expetativa exagerada...
II - Distinguir: facto, sentimento,  opinião. Dêixis.
Exemplos: a) Estou aborrecido; b) Ontem, estive aborrecido; c) Ontem, estava aborrecido; Hoje, estou aborrecido! 
A História da língua e da cultura, se perspetivadas, ensinam-nos que os processos de construção da opinião (Grécia antiga - doxa; Enciclopedistas do séc. XVIII ) visavam libertar o ser das cadeias da autocracia... Hoje, a banalização da opinião ( redundantemente, pública) tornou-se numa forma de empobrecimento da democracia...
 
II - O herói romântico
O melhor exemplo é Lord Byron, com a incompatibilidade entre as reivindicações morais do individuo e as convenções da sociedade. O herói está fadada a ser um vagabundo eterno, sem pátria, em revolta aberta como o seu tempo.
Esta angústia, a verdadeira doença do século, produz inquietação/ desorientação/ sentimento de isolamento/ culto ressentido da solidão/ a perda de fé nos antigos ideais/ individualismo anárquico/ namoro com a morte. O herói romantico ama ser um maldito, é masoquista, faz alarde de suas feridas, flageladores de si proprios.
Em relação à humanidade, é um misantropo, solitário, anjo caído, feição demoníaca e narcisista. Por vezes, apresenta-se como um homem misterioso, cujo passado é um segredo (um pecado terrível, um erro desastroso ou a falta irreparável). É rude e indomável. Herói demoníaco que tende a si e aos outros à destruição.
 
 
III - Uma linha de construção do romance Amor de Perdição é consciente (ou inconscientemente) o papel da Justiça na sociedade da primeira metade do século XIX.

29.10.12

Dia XXV

I - Em Interlúdio VIII, o apelo à descrição do aparelho de pesca visa desenvolver a objetividade e o espírito crítico, e, simultaneamente, alargar o léxico, no caso das "artes de pesca", e a construção de texto. Hoje, para além dos dicionários e glossários, há outras ferramentas, em particular, de imagem que podem ser bons auxiliares de trabalho.
 
II - No que refere à correção do teste (1a), foram detalhados os seguintes itens: 
a) o retrato como meio de imortalizar os que se distinguiram por ações em favor da humanidade, ou mais comummente, de algum grupo (Agustina) ou, desde o romantismo, como forma de subversão da referida ideia... até que a fotografia chegou...
b) o pretérito perfeito, semanticamente esprime ações concluídas, sem impacto no momento da enunciação (anterioridade);
c) o recurso à 3ª pessoa na construção de um autorretrato (Manoel Bandeira) como forma de distanciamento do sujeito de enunciação - o poeta desajeitado, provinciano e sem espiritualidade terá ficado para trás...
d) a necessidade de valorizar o vocabulário escolhido pelo autor, de modo a não cair em erros de interpretação - «tísico profissional» ...
 
III - Excertos dos capítulos IV e XIV de Amor de Perdição. O narrador caracteriza Teresa, distanciando-se da heroína, pois esta era um produto de sociedade manhosa e hipócrita, dominada pelas convenções... e neste caso, Teresa obedece ao padrão literário da época - pronta a tudo sacrificar por amor (ou será por desafio à autoridade paterna?). Por outro lado, no capítulo IV, o narrador instala-se na 1ª pessoa, conduzindo um diálogo irónico com "os finos entendedores" e chegando ao ponto de brincar com o leitor, embora espere a sua cumplicidade: «Diz boa gente que não, e eu abundo sempre no voto da gente boa.»  
No XIV capítulo, a narrativa recria um diálogo dramático entre pai e filha, em que a tensão dramática vai crescendo... com vitória de Teresa, apesar de não devermos esquecer as palavras do narrador: «os melhores fins se atingem por atalhos onde não cabem a franqueza e a sinceridade.»  
Em pano de fundo, continua o diálogo inaugurado por Rousseau entre Natureza e Sociedade ( o mito do bom selvagem).

28.10.12

E o mar ali tão perto!

Às 15h50, deixei o parque de Campismo FORTE DO CAVALO, em Sesimbra. Fui o último campista a sair! E fiquei a pensar que há  Câmaras Municipais que não têm jeito para o negócio. Talvez, o presidente da Câmara de Sesimbra pudesse solicitar uma ajuda ao de Mafra ou, pelo menos, talvez pudesse fazer uma visita ao parque de MIL REGOS, Ericeira...  


Interlúdio VIII

Forte do Cavalo, Sesimbra.
O Sol brilha e o céu continua azul. Lá em baixo, o porto de abrigo. À esquerda, o castelo alcandorado.
O professor classifica testes, com a preocupação de diagnosticar os níveis de compreensão e de expressão. Tudo o resto se torna secundário.
Esgotada a primeira turma, concluo que apenas dois alunos revelam compreensão e expressão insuficientes, em 28.
Em síntese, a maioria dos alunos surge preparada para as novas tarefas.
Para o caso de algum aluno estar atento a este blogue, aqui lhe deixo uma proposta de escrita: DESCREVER e COMENTAR a ferramenta visível no convés...
 
 

27.10.12

Em Sesimbra



No último sábado de outubro, o sol reapareceu e o calor tornou-se incandescente, matando a descida ao porto de abrigo.

No Parque de Campismo Forte do Cavalo, três autocaravanas, uma roulotte e uma tenda. No máximo, 10 pessoas!

Não é possível comprar pão, tomar uma refeição, beber um café… A poupança, aqui, é total!

25.10.12

Formas de explicar

Não sei bem como explicar as situações que vou testemunhando. Da senhora idosa que mostra despreocupadamente o passe ao fiscal quando já não o carrega desde Março, ao académico que acredita que na biografia das amigas de leite há uma mariana à espera que uma qualquer teresa definhe definitivamente, sem esquecer os ataques à troupe que eliminou os clássicos dos programas de português, como se, à época, os virtuosos académicos tivessem sido todos silenciados na cadeia da relação do Porto...
Há, na verdade, situações que me exigem contenção verbal e não só, pois há sempre um virtuoso militante à escuta (vigilante). Só recentemente me foi dado entender que as minha preocupação com os efeitos morais da crise, com a necessidade de educar para a superação da miséria em que vamos mergulhando, só fará sentido se a gritar bem alto e, de preferência, de punho fechado...
O que me leva de regresso a Camilo Castelo Branco e ao narrador de Amor de Perdição que, não conseguindo identificar-se com nenhuma das suas personagens, ora se distancia da nobreza provinciana ora se distancia dos interesses da capital, caindo numa aparente neutralidade que a violência do léxico, a ironia e a caricatura desmentem a cada instante.
Um Camilo romântico, maldito epíteto!    

Dia XXIV

«Carlos deu com ela pela manhã, no convés, por baixo da mezena. Leonor andava por ali, de braço dado com a mãe, a passarinhar pela popa.»Tiago Rebelo, Tempo dos Amores Perfeitos.
Poderá o contrato de leitura ser virtuoso? A tendência é para fugir ao "corpus" definido no Programa. Hoje, as virtudes não foram muitas à exceção do domínio do equipamento informático. Em menos de um minuto saiu um power point, embora pobre! A leitura das notas (pobres) sobrepôs-se à exigida exposição oral. A história de amor impossível em contexto colonial mais não foi do que anunciada. E talvez tenha sido melhor assim, porque isto de ver mãe e filha a passarinhar pela popa arrepia. Andariam as pobres damas à caça? A turma revela, apesar de tudo, algum conhecimento dos efeitos da Conferência de Berlim...
Texto diarístico. Da forma privada, secreta do Diário à forma pública e partilhada do Blogue. Dos perigos da exposição na blogoesfera ( a postagem logo que partilhada deixa de ser recuperada...)
Sob a máxima de AMIEL " Chaque jour nous laissons une partie de nous-mêmes en chemin.» (A cada dia que passa, um pouco de nós fica pelo caminho) a explicação de que o Diário nos pode confortar da perda e, talvez por isso, a aula decorreu sob o signo da leitura de excertos do Diário XV de Miguel Torga e um dos textos ficou registado no caderno diário para poder ser analisado com mais detalhe:
S. Martinho de Anta, 17 de Setembro de 1987
 
IDENTIFICAÇÃO
 
Desta terra sou feito.
Fragas são os meus ossos,
Húmus a minha carne.
Tenho rugas na alma
E correm-me nas veias
Rios impetuosos.
Dou poemas agrestes,
E fico também longe
No mapa da nação.
Longe e fora de mão...
 
Quanto ao Sermão da Sexagésima hoje só teve um ouvinte. «Começou ele a semear (diz Cristo), mas com pouca ventura.» 

24.10.12

XXIII

Ler Amor de Perdição e escrever sobre o narrador. Selecionar 1, 2, 3 textos, e analisá-los de acordo com a seguinte estratégia: o narrador identifica-se com alguma personagem ou espaço simbólico (capital / corte vs província )? o narrador distancia-se (através da ironia e do léxico) de uma das partes ou de ambas? o narrador assume uma atitude de neutralidade?
A análise e a resposta detalhada a estas questões permitem compreender o olhar mordaz do autor sobre os excessos da proposta revolucionária importada  ( revolução francesa) e simultaneamente perceber que o conservadorismo do antigo regime se caracterizava por um atávico atraso provinciano e por uma cabeça reinante (e respetiva corte) piegas, perdulária e postiça...
Claro, sobrava a paixão incompreendida!
A primeira tentativa de escrita é, no geral, frustrante... a segunda será certamente melhor!

Fora da sala de aula,  sob a coordenação do prof. Daniel Sampaio e em associação com a Faculdade de Letras e o Plano Nacional de Leitura, decorreu a celebração dos 150 anos de Amor de Perdição. Hoje foi dia de apresentação das cartas de amor (e não só!) escritas pelos alunos do Secundário no CCB, de Vasco Graça Moura. A participação da Escola Secundária de Camões revelou qualidade acima da média. A articulação da Escola com a Faculdade de Letras é da responsabilidade da professora Cristina Duarte. O 11º J (Literatura), embora não tenha estado presente, contribuiu com duas cartas ( de Ana C. Guerra e Diana Francês). Nesta iniciativa colaboraram também as professoras Alice Xavier,  Maria Lurdes Fernandes e Maria Teresa Saborida.   

23.10.12

Dia XXII

I -Teste. Uma memória espacial temperada por uma memória literária, pessoana. POEMA PESSOAL, de Agustina Bessa-Luís. Tema: A CASA. O enunciado da prova foi várias vezes questionado, sobretudo no que respeita ao recurso à citação ou à resposta por palavras próprias. O léxico não levantou grandes dúvidas, à exceção do verbo "dissimular". O tempo revelou-se suficiente.
( A percepção de que o texto podia oferecer alguma dificuldade desencadeou uma aproximação faseada: a) leitura do texto pelo professor; b) nova leitura individualizada, agora de cada aluno; c) entrega do questionário; d) leitura do questionário pelo professor; e) início da resolução...
 
II - Apesar do fervor ministerial (e não só!) pelo Amor de Perdição, a sala de aula revela dificuldades que exigem uma leitura atenta ao conteúdo linguístico (léxico), ao conteúdo literário (metáforas de cunho telúrico) e ao conteúdo cultural (História da 2ª metade do séc. XVIII e primeira década do séc. XX). 
A narração da chegada de Dona Rita a Vila Real revela bem a qualidade do escritor. No entanto, o aluno urbano não consegue apreciar esse estilo, pois o léxico torna-se obstáculo:  légua, conterrâneo, liteira, librés, surradas, préstito, chiste, apear, rabicho, avoengo, asseverar, machos... exemplos de meia página...
O problema é que o jovem estudante não vê qualquer vantagem em aprender o significado destas palavras!
Na composição de Simão, cap. II, Camilo refina o retrato do académico em Coimbra. E regressam as dificuldades: "demagogo", "analogia de bossas"... ou, por exemplo, « O discurso ia no mais acrisolado da ideia regicida quando uma escolta de verdeais lhe aguou a escandecência.» É todo um tratado de imaginação verbal! Passar do registo literário ao registo corrente torna-se uma aventura! A defesa  acalorada do assasinato do rei é interrompida violentamente pela chegada da guarda da academia. Uma academia que tinha polícia própria e cárcere... A ideia regicida de Simão que já levara Fernão Botelho  à cadeia... (estava-lhe no sangue / hereditariedade)... Tudo consubstanciado no jacobino - outra dificuldade que revela a falta de formação histórica e política! De qualquer modo, a escola portuguesa vai toda ler Camilo (Prós e Contras). Será?

22.10.12

Dia XXI

I - Teste. Um autorretrato de Manoel Bandeira. Na 3ª pessoa. Uma forma de distanciamento interessante: afinal, o poeta parece ter deixado de ser ruim - "poeta ruim que na arte da prosa / envelheceu na infância da arte"... Apesar de tudo, no II grupo, surgiu uma dificuldade quando Agustina refere: «Fazer um retrato é viajar no reino da solicitude.» O termo "solicitude", apesar de confirmado em «com solícita e maternal maneira» pareceu estranho à maioria, senão à totalidade dos alunos.
 
II - Na leitura de Amor de Perdição, o problema do conhecimento do léxico torna-se uma questão central. A forma preguiçosa de evitar a dificuldade passa pela assimilação de resumos da "história", deixando o texto imaculado. Neste caso, não posso deixar de diferenciar a intriga (o argumento) da História. Basta tentar ler o primeiro capítulo, para perceber que o enredo tem os pés bem assentes na História - reinados de D. José  e D. Maria I: desde a participação de Fernão Botelho na tentativa regicida de 1758 até ao desempenho artístico do "Brocas" (Domingos Botelho) na corte de D. Maria I.
A leitura deste capítulo exige curiosidade por um importante período da História de Portugal! Mas nem a História nem a Língua despertam atenção. Basta analisar atentamente o retrato de Domingos Botelho para dar conta do modo como Camilo manipula os registos de língua... enfim, lá tive de explicar a composiçaõ da broa (Brocas) e o seu significado socio-económico, pois parece que todo o pão está reduzido a um elemento indiferenciado chamado "cereal". Aveia, centeio, trigo, milho... 

21.10.12

Interlúdio VII

Sintomas

Ao disponibilizar uma ficha de verificação de leitura (32 perguntas) de uma obra como Um Auto de Gil Vicente, de Almeida Garrett, o professor quer garantir a leitura da obra. Mas, a que preço?
O tempo de leitura (e de revisão é lento) e, frequentemente, frustrante. Apesar do aluno poder gerir o tempo de leitura, de pesquisa e de resposta, em demasiados casos:
a)  não aproveita a oportunidade para identificar problemas e procurar soluções nas múltiplas fontes que o cercam - falta um mínimo de curiosidade;
b) dá respostas completamente descabidas - falta de rigor;
c) recorre facilmente ao colega que supostamente já leu a obra - falta de brio;
d) entrega a folha de resposta sem ter tido a preocupação de responder a todas as perguntas - laxismo;
e) não cumpre o prazo e não entrega - desinteresse;
f) espera que o trabalho entregue fora de prazo não seja penalizado - oportunismo.
 
Poder-se-á pensar que o tempo tudo curará, mas o que já está a caminho é um futuro sombrio.

20.10.12

Interlúdio VI

O tempo é de elaboração de testes.
Para que serve o teste quando aplicado a uma disciplina como a de Português, língua materna? E a ideia de disciplina persegue-me, sobretudo, quando recebo e-mails a perguntar o que venho tentando explicar. Afinal, qual é a matéria? A matéria da língua em que nos realizamos! Haverá fronteiras, tabiques? Parece-me que se tem reduzido a língua a quase nada... isto é a discursos jornalísticos que se sobrepuseram à multiplicidade de géneros, considerados na genologia. A língua está cada vez mais pobre com a morte da História, da Religião, da Geografia, da Filosofia e até com a sobrevalorização da estatística nas outras fileiras...
De qualquer modo, nos e-mais, tudo parece querer dizer que uma disciplina é constituída por um conjunto de matéria? Ou será de madeira? Com a madeira constroem-se casas, barcos... e com a matéria não sei muito bem! No primeiro caso, surge um produto; no segundo, apenas destroços... quase sempre náufragos!
Claro que bem poderia disciplinadamente regressar ao étimo, ao acusativo, à apócope do m final, à   via erudita e à via popular, ao classicismo e ao romantismo .. mas pra quê? E já poderia deliciar-me a distinguir o código oral do escrito, tudo isto, indisciplinadamente...

Elas andam aí, as formigas...


Elas andam aí, as formigas! As folhas de oliveira não lhes escapam, por muito distante que a árvore pareça…
Consta que carregam  agências de comunicação, jornais,  rádios e que, mais cedo ou mais tarde, a televisão não lhes escapará. E nós, as cigarras, estamos, em grande algazarra, a cair no desemprego.
Nada dista nos deveria espantar, pois as formigas têm um rumo e conhecem bem o chão que calcam.
/MCG

18.10.12

40.000 sob ameaça...

São 40.000 os funcionários públicos que ficaram a saber pela comunicação social que vão pedir a aposentação até 2014. Ou será 2015?
A maioria desconfia que mais vale fazer o pedido até 31 de Dezembro deste ano, pois ninguém explica corretamente qual será o valor do vencimento a partir de 1 de Janeiro de 2013. Mas, também, ninguém garante que as pensões não venham a sofrer cortes que tornem a vida insustentável.
Uma decisão desta natureza deve ser bem fundamentada. Mas em quê?
 
Falta uma estratégia nacional que (re) defina as funções essenciais do Estado e que o liberte de um extraordinário volume de despesas sumptuárias ou que visam servir clientelas de toda a espécie.
Por exemplo, não há qualquer motivo para que o orçamento alimente canais de televisão e de rádio, subsidie fundações, isente de IMI milhares de instituições religiosas, edifícios governmentais, autárquicos, sindicais, todo o tipo de associações... Se há uma receita a obter através da taxação do património, então nenhum edifício deve ser excluído!
O poder central e autárquico não pode continuar a ser proprietário de centenas de milhar de edifícios que só trazem prejuízo. Há custos que nunca são calculados! Há rendas vitalícias que continuam a ser pagas mesmo que os serviços tenham sido desativados.
Voltando às fundações, estas só devem ter esse estatuto se dispuserem de capitais próprios que lhes assegurem o funcionamento e o cumprimento de objetivos em benefício da comunidade. Caso contrário, devem ser liminarmente encerradas.
 
Como não há estratégia nem de redução de despesa nem de investimento, assistimos, sem esperança, à degradação  física, moral e psíquica dos jovens adultos e de todos aqueles que, mais velhos, trabalharam toda uma vida, cumprindo as suas obrigações, para, agora, serem deixados à deriva... 
 
Creio, no entanto, que com tanto desempregado sem futuro e tanto reformado deprimido, o melhor seria criar equipas mistas que passassem a pente fino o país de modo a identificar o que há a INCENTIVAR, PRESERVAR e DEMOLIR.

Dia XX

I - Por uma questão de rigor, continuo a explicar que a disciplina de língua materna não é apenas constituída por «matéria» que se decompõe em fatias, se mastiga e deita fora. Tudo é objeto, pois o falante expõe-se nela, isto é, todo o tipo de conhecimento se constrói e se fixa na língua...
A questão do conhecimento gramatical, quanto o teste se aproxima, torna-se dramática, embora não se saiba que uma gramática é um conjunto de regras, e, consequentemente, que as gramáticas são inúmeras! Tal como se ignora que a língua tem uma história, mais importante do que as próprias regras, porque frequentemente ignora ou despreza as regras, como forma de sobrevivência...
... e porque vivemos em crise, a chuva se tornou tema, ainda antes que o autorretrato de Bocage assentasse arraiais para nos dizer que, para além dos traços físicos e dos psícológicos, existe a ação que pode resultar do modo como o Eu interroga os grandes TEMAS:  a guerra (furor) e a paz (a ternura); a pureza e o pecado (a bebida); a distância (o platonismo e o angelismo) e a proximidade (a o erotismo); a religião -  era chegada a hora de confinar o clero ao templo!
Pelo caminho, fomos estando atentos aos modos de composição da caricatura física: o todo (magro, altura, figura) e as partes ( os olhos azuis, ao centro do carão moreno, esmagados pelo nariz...), sem esquecer que a magreza escondeu o ventre, deixando a descoberto a desmedida dos pés...
(O retrato como arte de insubordinação!) Afinal, não foi a insubordinação que o levou à cadeia!?
Quanto à chuva, fica por contar, ou melhor, fica a cargo de algum aluno intrometer-se no discurso e narrar o que aconteceu na sala de aula porque hoje, finalmente, choveu! Dentro e fora...
 
II - O tempo literário, às quintas, é opcional e visa recuperar o tempo perdido. Para o sermão da Sexagésima, só apareceu uma ouvinte que correspondeu, tendo ficado a perceber como se constrói um texto alegórico e simultaneamente se desanca nos pregadores que não saíam do paço (casa, nação) ou que saíam para rapidamente voltar ao aconchego da corte («porque sair para tornar melhor é não sair.» - Exiit seminare!         

17.10.12

Dia XIX

I - Quando a História e a ideologia são a seiva da intriga... «Foi para a Índia em 17 de Março de 1807.» Simão António Botelho partiu no início da Primavera de 1807, quando no Outono do mesmo ano, Napoleão ordenava a invasão do país e a corte se mudava (fugia) para o Brasil.
O primeiro capítulo de Amor de Perdição  faz nos recuar a 1779, para definitivamente nos traçar o retrato de uma época que se situa entre 1767 e 1807.
Cá dentro, D. Maria I governa entre 1777 e 1816. Lá fora,  a Revolução Francesa, entre 5 de Maio de 1789 e 9 de novembro de 1799. Os ecos da Revolução chegavam inevitavelmente a Portugal e, em particular, à academia de Coimbra.  E é em Coimbra que Camilo coloca, em 1801, os irmãos Botelho:
« Manuel (...) frequenta o segundo ano jurídico. Simão (...) estuda humanidades.»
Por esse tempo, Simão Botelho « defendia que Portugal devia regenerar-se num baptismo de sangue, para que a hidra dos tiranos não erguesse mais uma das mil cabeças sob a clávula do Hércules popular.»
Considerando a inserção na História, o leitor deverá procurar os sinais que ajudam à construção do retrato de um narrador conservador e reacionário. A 21/01/1793, Luís XVI foi executado pela guilhotina:
«Os apóstolos da revolução francesa não tinham podido fazer reboar o trovão dos seus clamores neste canto do mundo; mas os livros dos enciclopedistas, as fontes onde a geração bebera a peçonha que saiu do sangue de noventa e três, não eram de todo ignorados. As doutrinas da regeneração social pela guilhotina tinham alguns tímidos sectários em Portugal, e esses de ver é que deviam pertencer à geração nova


 

16.10.12

Dia XVIII

I -
a) Bocage deixou de fazer parte da cultura juvenil. A turma ignora o homem, a obra e, sobretudo, ignora a lenda. Apenas uma voz aventou a hipótese de se tratar de alguém um pouco «marginal». Este dado permite lançar-nos no universo dos botequins do século XVIII (cafés) como espaços de socialização. Corte / Salon vs botequim. Bocage, de fácil trato, anima as novas tertúlias, criando amigos e inimigos. (Ver história do café Nicola, no Rossio, Lisboa.)
b) Clarificação do léxico utilizado, designadamente de termos como conceito (definição) e noção. Nesta disciplina, mais do que os conceitos interessam-nos as noções.
c) Leitura do soneto "Magro, de olhos azuis, carão moreno" - ver Dia XVII.
 
II - No que à Literatura concerne, a passagem do primeiro para o segundo romantismo permite viajar entre Garrett e Camilo, reforçando a percepção das personagens principais, em que a idealização acaba derrotada pelo realismo. Beatriz vs Paula Vicente / Teresa vs Mariana. As segundas são de carne e osso e sofrem na pele os efeitos da condição de subalternidade...embora não se deixem submeter.
Em termos de PIL, foi estabelecido um itinerário de leitura que inclui Júlio Dinis e Carlos de Oliveira.
A biografia de Camilo é toda ela um belo argumento cinematográfico em que o herói romântico se transforma em trágico.

15.10.12

Gaspar vive no círculo virtuoso

Gaspar, doutrinado na Universidade Católica do cardeal Policarpo, vive no círculo virtuoso. Ainda não se vê a auréola, mas por este andar lá chegará. É um homem suficientemente paciente, que não se importa de repetir a receita, apenas com uma ligeira alteração de tom.
No círculo virtuoso de Gaspar só a credibilidade acrescida no seu Deus conta, mesmo que isso signifique a eliminação do contribuinte.
Não se entende, todavia, como é que o virtuoso Gaspar poderá sobreviver sem o contribuinte.
 

Dia XVII

I - a) A leitura e a aquisição de conhecimento. A obra organiza-se em torno de temas que, depois de identificados, devem ser arrumados em categorias que possam ajudar a responder a perguntas prévias ou despertadas pelo ato de ler.
     b) Noção de auto-referência aplicada ao texto biográfico e autobiográfico. O sujeito expõe-se, torna-se objeto textual. E esse ato pode ser revolucionário se questionar a ordem estabelecida ou apenas narcísico.
     c) Bocage no soneto " magro, de olhos azuis, carão moreno" rompe com o retrato do «antigo regime», hagiogáfico do rei, do nobre, do papa, do santo... para se colocar no olho do texto, reivindicando o privilégio de ser visto não como ídolo mas como cidadão disforme, contraditório, humano, capaz de criar, subvertendo os modelos e impondo uma diferente visão do mundo... Para atingir tal desiderato, Bocage não teme recorrer à ironia e à caricatura... e ao fazê-lo mistura magistralmente o registo lexical e sintático alatinado com o registo familiar e corrente, ocupando, deste modo, esse espaço novo que anunciava Herculano e Garrett...
 
II - Ato III de Um Auto de Gil Vicente. Agora no galeão de Santa Catarina, o que se passa entre pai e filha, entre rei e infanta / duquesa continua escondido, mas resolve o problema do rei. Ao contrário de Afonso IV (tragédia Castro, de António Ferreira), o rei D. Manuel I não necessita de mandar executar Bernardim: bastam-lhe a obediência da filha e a distância cavada pela viagem entre Lisboa e a Sabóia! O palco acaba ocupado não pelo dilema, mas pela controvérsia causada por Garcia de Resende que teima em desvalorizar o papel de D. Manuel se comparado com D. João II. Este planificou e aquele colheu os frutos que aplicou na construção de monumentos que acolhessem os seus restos e eternizassem a sua glória. O povo fica esquecido e mais pobre. Dele não se fala mais, embora não saia do pensamento do autor...   
(Em rodapé, ficou a bailar uma dúvida sobre o grau de absolutismo de D.João II.)

14.10.12

Cardeal dá a mão...

Pensando melhor: os cardeais não ficam senis! Quando falam é porque querem lançar a semente à terra.
No caso do cardeal Policarpo, ao condenar a governação a partir da rua (as manifestações organizadas e inorgânicas), ele estava a dar a mão aos discípulos que determinam a política do governo.
Bastaria analisar o currículo de governantes e respetivos assessores para perceber a ordem em que foram educados. A maioria saiu da Universidade Católica e muitos lá esperam voltar.
Esta universidade é um porto seguro! Tem uma doutrina sólida, forjada, entre outros, pelo cardeal Policarpo.
No essencial, apesar de frequentemente debater a decisão democrática, a doutrina desta universividade assenta na formação de um escol que conduza o povo ao redil, mesmo que seja necessário sacrificar a turba.
A turba é o inimigo natural e assim se explica que, à semelhança do que aconteceu quase há 100 anos, o cardeal tenha sentido necessidade de condenar as manifestações e, simultaneamente, incentivar os discípulos a muscular a decisão política. 
 

13.10.12

O cardeal

(Exiit seminare.)
Indiferentes às pouco evangélicas palavras do cardeal Policarpo, procissões sindicais,  tampas, panelas e garrafões, empresários de farmácia (graúdos e minguados), compositores, músicos, bailarinos, actores com e cem c, poetas e declamadores, imitadores e palhaços (...) todos saem à rua.
E eu também saio, sem nada querer semear, apenas observo. E o que vejo?
 
Duas largatixas, por entre pedras e espinhos, a lutar. A maior capturara uma minhoca, a mais pequena tentava roubá-la sem êxito. Findo o combate, a primeira estende-se a deglutir a presa; a segunda escondeu-se sob as pedras. 
 
E o cardeal Policarpo também saiu. O que é que terá ido fazer a Fátima?

Garrett e Vieira, os valores

Da Sexagésima (Padre António Vieira) a Um Auto de Gil Vicente ( Almeida Garrett), o que mais me chama a atenção é a denúncia da ausência de valores nobres - os pregadores preferem a comodidade do paço; o paço vive da adulação dos grandes e da opressão dos pequenos. 
O romântico Garrett coloca nas vozes de Bernardim (Ribeiro) e de  Paula Vicente a seguinte questão:
« - Que mais é preciso para ser nobre e grande - maior do que ninguém na tua terra?»
« - Adular os grandes e oprimir os pequenos
Para Almeida Garrett (tal como para o Padre António Vieira), o poder e a glória só podem ser resultado do trabalho, do sacrifício, transformados em mérito. Estes valores não podem ser herdados. (E nem vale a pena aqui registar o pensamento de Camões sobre esta matéria!)
 
«Eu sou Bernardim Ribeiro, o trovador, o poeta, que tenho maior coroa que a sua. O ceptro com que reino aqui, ganhei-o, não o herdei como eles - Beatriz é minha.»
 
O romantismo é afirmação de homens que rejeitam a herança ( a linhagem ) como caminho. Homens que querem construir o próprio caminho.
 
E o mesmo se deve passar na escola... na sala de aula! É preciso dizer basta às linhagens!

12.10.12

Desagregação

É extraordinário como a governação (ou será governança?) se faz hoje na rua: nos diretos televisivos, nas redes sociais, nas edições online, nas primeiras páginas dos jornais, nas manifestações sindicais e inorgânicas... tudo no imediato! Avança-se e recua-se conforme os ventos estão ou não de feição.
Esta nova arte de governar decompõe, desagrega, deprime, furta, arruína até à morte. À morte de cada cidadão e da coletividade.  Há quem pense que esconde um programa, mas não.
É a arte da preguiça, da falta de conhecimento, da soberba e da indiferença. Nenhum valor nobre determina a decisão.
E os maus exemplos surgem de toda a parte...
 

11.10.12

Dia XVI

I - (Bem poderia começar com um exercício respiratório!)
Explicar o uso e a especificidade do código oral e do código escrito traz de volta  o enunciado e a enunciação em todo o seu esplendor:
- O céu está azul.
- O céu está azul!
- O céu está azul?
- O céu está azul? - Não, está negro!
Olho ( não oiço!) e vejo sinais que marcam não apenas o que é dito, mas a presença do locutor, a distância do interlocutor e a recriação do momento de enunciação.  E os sinais gráficos surgem para apontar os caminhos da interpretação (diferida, agendada, refletida).
Mas quando falo tudo é diferente, os sinais gráficos ainda não chegaram. Falo sem rede! Agora é a entoação, são as pausas, as interrupções que do ouvinte (interlocutor) exigem atenção permanente. O locutor não pode apagar o que é dito, pode reformular, lateralizar, mas não pode recuar, pois não tem qualquer poder sobre o tempo. O discurso oral, porque feito de enunciados e não de frases, necessita de ser um acontecimento. Se tal não acontecer, tudo definha...
Pelos exemplos, se vê que se pode informar, exprimir uma emoção, solicitar uma confirmação ou agitar as consciências. Na enunciação não há tréguas!
De regresso à sebenta, torna-se necessário voltar ao erro e ao desvio, para  logo explicar que estes conceitos só fazem sentido se estiverem indexados à norma-padrão escrita, tornando a oralidade serva da escrita. E esta subordinação é nefasta, porque mata a autenticidade e a dinâmica comunicacionais.
Essa dinâmica que nos permite elidir, suprimir, omitir, ocultar, furtar, roubar, sempre com o olho no desvio sintático que alguém designou como elipse.
 
II- E como o discurso oral necessita de ser acontecimento, volto agora (há umas horas!) ao Sermão da Sexagésima. E só por instantes houve epifania! Ir ouvir um sermão para de lá sair com um peso na consciência não deixa de ser um indicador de masoquismo. Mas era esse o objetivo do Pregador evangélico: levar os pregadores do paço a meter as mãos na consciência, procurando as razões que impediam que a palavra de deus frutificasse. A crítica de Vieira revela-se herdeira de Gil Vicente ( Frei Paço) e não irá escapar nem a Garrett nem a Eça...
O pregador dos passos quer agitar as consciências dos pregadores da corte. No fim, o número de inimigos terá certamente aumentado!
 

10.10.12

Dia XV

De Paula Vicente a Mariana, um passo apenas!  Ambas parecem desempenhar um papel secundário em relação a Beatriz e a Teresa ( as heroínas românticas). No entanto, é nelas que os autores apostam, ao torná-las mais humanas, mais próximas do leitor, embora o leitor urbano de hoje revele dificuldade em compreender os universos a que cada uma pertence - o teatro (estatuto do dramaturgo e do ator) e os ofícios (ferreiro). Na leitura, essa dificuldade revela-se na incompreensão do vocabulário específico de cada domínio...
Como já foi referido (Dia XIV), Mariana ganha relevo pela sua presença nos momentos de maior dificuldade de Simão, sujeitando-se voluntariamente a papéis de mensageira, de enfermeira, de confidente e de acompanhante, para ser vista por Simão como simples irmã. Irmã no presente e no eventual pós-degredo.
Em síntese, o desenho das personagens é mais ou menos rmântico / realista de acordo com o grau de idealização.

9.10.12

Partir?

(Partir? Quantos milhões já o fizeram!? Ficar à espera?)
O sebastianismo coloca-nos num estado de ansiedade que nos impede de agir. De vez em quando, saímos à rua, agitamos cartazes e gritamos slogans contra o governo seja ele qual for, e voltamos para casa, à espera que o dia seguinte nos traga o emprego, o salário que nos tire do aperto em que nos encontramos.
Já escolhemos o cordeiro, mas hesitamos em imolá-lo, pois tudo pode não passar de uma prova a que estamos a ser submetidos para experimentar a nossa lealdade.
Bons alunos, esperamos que o professor seja magnânimo!
Convém, por outro lado, esclarecer que o sebastianismo não é uma entidade exterior… ele cimenta a nossa cultura e determina a educação. Bastaria analisar com algum cuidado o cânone literário português para compreender tudo isto.
Fatalismo, imobilismo, cansaço, pessimismo, evasão, saudade, riso alarve, tristeza, caricatura, depressão, suicídio … o léxico da crise!

Dia XIV

I - Inquérito sobre o namoro, devidamente autorizado pelos pais (30 minutos). A experiência dos 15 anos! Resta saber se o instituto Nacional de Estatística autorizou. Os jovens esforçaram-se!
II - No tempo que sobrou, o valor semântico do sufixo -al, em palavras, como oral e moral, com uma incursão pela etimologia (os, oris / boca; mos, moris /costume). Do conteúdo linguístico ao conteúdo cultural: a moral como expressão de cultura; cada cultura a sua moral - o que obrigou a introduzir a ética, como fator de harmonização da diversidade de cultural. O exemplo saído de Montaigne terá sido um pouco insólito, pois a prática do canibalismo é inaceitável para muitas culturas e aceitável para outras, e em casos excecionais tolerada(!!!)
III - E em termos de conteúdos linguístico e cultural, proporcionou-se a explicação da formação da palavra maçonaria assim como dos objetivos da instituição, pois o texto biográfico sobre Mozart o apresenta como tendo integrado uma loja maçónica, facto que aparentemente lhe trouxe muitas inimizades e não o impediu de, para sempre, repousar na vala comum, não se respeitando o princípio da fraternidade - com mais uma incursão pela etimologia (frater /frade - irmão)   e pela sinonímia (irmandade)...
IV - Mais uma vez veio à baila a leitura e o conhecimento, o alargamento linguístico, discursivo e cultural das estrutura cognitiva de cada leitor...)
 
I - Na Literatura, os fios conversacionais continuam a entrecruzar-se. Apesar de tudo, a Paula Vicente revela-se, no seu egotismo, uma personagem romântica que perde o galanteador, pois o seu próprio preconceito lhe provoca reserva mental ( filha de bobo não pode casar com cavaleiro). A sua aparente subalternidade ( em relação a Beatriz) acaba por introduzir o Amor de Perdição, em que a subalterna Mariana (em relação a Teresa) não pode aspirar ao amor de Simão.
II - Aqui chegados, tornou-se necessário distinguir a visão do mundo trágica da visão do mundo dramática (religiosa, romântica)... Mariana subverte a solução previsível de um reencontro de Simão e Teresa na outra vida, ao colar-se ao corpo de Simão na morte ( o génio de Camilo!)... Deste modo escrever uma carta em nome de Mariana obriga a que a declaração de amor seja substituída pela enunciação da sua presença nos momentos de dor de Simão. Mariana esteve sempre presente e Teresa sempre distante...

8.10.12

Dia XIII

I - Foi necessário explicar uma vez mais que a leitura contratualizada é uma opção do aluno condicionada pelo «corpus» programático e que o professor prefere: a) que a escolha recaia em autores lusófanos; b) que, em caso de escolha de autores estrangeiros, o melhor é lê-los no original, e fazer a apresentação oral em português; c) maldita exceção!: a primeira escolha fica ao critério do aluno, embora este deva informar-se sobre a qualidade da tradução... (Será que me faço entender?) 
II - A expressão da anterioridade, na alternãncia do pretérito perfeito com o pretérito mais-que-perfeito; os efeitos da opção pela forma simples ou composta dos referidos tempos... Veja-se a diferença entre: «Cheguei atrasado» e «Tenho chegado atrasado».
III - Destaco hoje uma pergunta aparentemente inócua: - Qual é a diferença entre utilizar "ontem" ou "véspera"? O que nos permite clarificar o que se entende por momento da enunciação: Ontem fui ao Oceanário, porque na véspera lera que devia visitar uma determinada exposição. (Em causa a noção de enunciado e de anterioridade.)
IV - O texto biográfico "Mozart"...
 
V - De regresso à Literatura, uma boa parte do tempo é gasto a mudar os meninos de lugar, a verificar se têm manual, se o abrem na página certa, se a mente se concentra no guião de leitura, se leem duas ou três réplicas, se produzem um enunciado que vá além do monossílabo...
VI - Em causa estava perceber a passagem da tragédia ao drama por influência da nova mundividência romântica, nomeadamente pela conjugação do medievalismo e do cristianismo, em que último não aceitava a morte, em palco ou nos bastidores, como solução (catástrofe). Pelos cabelos, lá fui retomando a "lei das três unidades", transgredida quando a ação se transfere de Sintra para Lisboa... (espaço) ou quando o enredo admite no seu interior excertos das Cortes de Júpiter e, em particular, fios narrativos simultâneos: D. Manuel quer casar a filha Beatriz sem ter que sacrificar Bernardim; Bernardim quer Beatriz; Beatriz quer Bernardim; Paula Vicente quer Bernardim; Pedro Sáfio quer Paula Vicente (ação)... e quanto ao tempo?
VII - Em causa estava perceber o pensamento de Garrett sobre o estatuto do «comediante» e do «dramaturgo», isto é, compreender que a corte  desprezava o seu esforço para refundar o teatro nacional ( réplicas de Paula Vicente no II Ato) ... e em causa estava identificar a intencionalidade da repetição de frases de tipo exclamativo, de anáforas, de polissíndetos e de contrastes, depois de detetar os recursos...  
(Mas de que serve tudo isto!?)

Aquilino Ribeiro Machado, a mágoa

Do Aquilino Ribeiro Machado fica-me a imagem de um filho que não conseguia compreender o esquecimento a que seu pai foi lentamente condenado nas últimas décadas.
Por mais do que uma vez, o engenheiro deslocou-se à Escola Secundária de Camões , onde seu pai fora professor de Liceu, sempre com o objetivo de fomentar a leitura da obra de Aquilino Ribeiro.
Nada mais o movia! Percebia-se a mágoa, porque se um país esquece os seus filhos mais ilustres é porque navega sem rumo. 

7.10.12

Interlúdio IV

Os valores dos tempos no passado.
Escrever uma pequena narrativa pressupõe a capacidade de distinguir a história /narração do discurso (momentos de descrição e de comentário). Se o discurso do narrador se expõe no pretérito imperfeito, a narração desenvolve-se na clara diferenciação dos estados de anterioridade, simultaneidade e posterioridade.
Ora, uma das dificuldades presentes nos textos que acabo de ler situa-se no registo da anterioridade: a ordem temporal das ações no passado surge de forma aleatória, porque ao escrevente falta distanciamento / profundidade. Ontem é ainda hoje, nada existe para trás! O mais-que-perfeito ainda surge na forma composta, mas raramente na forma simples.  
Mais do que uma aprendizagem assente na repetição dos mecanismos linguísticos, o que importa é desencadear estratégias que imponham distanciamento e principalmente profundidade.

Lixo no Oceanário...

No Oceanário, o lixo ganha forma e cor enquanto a noite não chega. Com um nada mais de atenção, perceberemos que já falta pouco.

Entretanto, o Governo, em sessão extraordinária, procura a melhor maneira de nos enterrar definitivamente.

- E nós o que fazemos?

- Lixo. 

6.10.12

Os heróis e os símbolos



Olha-se à volta, e os homens são agora estátuas que sorriem conforme a moeda cai ou não.

Os que se movem são estrangeiros surpreendidos pelo clima e pelos sinais de outro tempo. Sobem as ruas, sentam-se nas esplanadas, tiram fotografias, mas não se sabe o que pensam. São milhares que circulam, uns lentos outros apressados, todos com hora marcada, mas não se sabe se irão voltar.

Os interlocutores estendem a mão à espera que a moeda caia, mas não parece que saibam ir além do murmurado obrigado se houver gorjeta. 

Dos heróis e dos símbolos sobram as praças quase vazias enquanto a noite as não cobre…

5.10.12

Ao ministro da educação falta-lhe a ciência...

Não queria, mas lá vai... acordei a pensar que, sendo este o dia em que se celebra pela última vez a instauração da república, deveria haver uma razão mais profunda... e aí percebi que a decisão de suspender o feriado nada tem a ver com o aumento da produtividade mas, sim, com o reconhecimento de que não passamos de um protetorado da popular TROIKA e deste modo não podemos continuar uma soberania virtual. E é, também, por esse motivo que o presidente da Junta Governativa decidiu estar ausente, sem falar do recato que as cerimónias irão ter! Tudo, aparentemente, em nome da austeridade.
E como, matinalmente, as palavras "crise" "austeridade", "insolvência" "cortes"... não me saem  da cabeça, dou comigo a pensar que a Junta Governativa, em vez de saquear o cidadão cumpridor, bem podia gizar um programa educativo que ajudasse os jovens e adultos a lidar com o problema que nos assola. Mas não, prefere dar bicadas no povo, na oposição e até nos membros da coligação sem descurar quem ainda mantém a torneira aberta.
Por exemplo, ao ministro da educação falta-lhe a ciência para perceber que dele se espera muito mais do que a manipulação de números e de vidas, enganando simultaneamente as finanças e as pessoas. Ainda não me apercebi que da parte do senhor Crato (este apelido lembra-me outra triste crise com o desfecho que  alguns ainda conhecerão!) tenha surgido uma recomendação clara no que respeita à educação das crianças, jovens e restantes funcionários nesta circunstância. Tudo decorre como se a crise estivesse a acontecer lá longe, quando um desafio desta natureza exige um agudo processo de consciencialização (doutrinário?) e, sobretudo, obriga à implementação de medidas que envolvam cada um na diminuição da despesa pública e privada.

4.10.12

Dia XII

I - Na verdade, a biografia é incipiente... passa da frequência do curso de Direito em Coimbra à crise académica não se sabe de que época, para repentinamente ser preso pela polícia política em Angola. De regresso (forçado?) à Europa, sem passar por Paris, aterra em Argel (essa terra de todos celebrada!), onde luta pela liberdade da Pátria... para no pós-25 de abril ocupar o tempo como deputado...
Esta pressa de retratar «o político e o escritor» talvez esconda uma  produtiva atividade de reconstituição das lacunas que, de qualquer modo, na minha metodologia poderá ser solucionada pela aposta na leitura de múltiplos textos do autor e dos autores da sua geração, ou daqueles com quem adivinhamos relações preferenciais - de Manuel Alegre (de quem falamos) a Aquilino Ribeiro, passando por Miguel Torga e Pepetela, já sem falar de Afonso Duarte, Henrique Galvão, Zeca Afonso, José Gomes Ferreira, Assis Pacheco, Altino Tojal, Mário Carvalho, Dinis Machado, Alexandre O'Neill, Sophia e Mário Zambujal... 
A lista é extensa para contrariar todos aqueles que, no âmbito do contrato de leitura, insistem na leitura de traduções de escritores anglo-saxónicos, geralmente mal traduzidos e, sobretudo, que pouco contribuem para o reforço da identidade portuguesa... (todos os dias me é perguntado se eu aceito a leitura de autores estrangeiros... e acabo por responder, contrariado, que sim... Claro que Aquilino, Torga ou Alegre podiam escrever sobre os «bichos» porque os conheciam, porque palmilhavam o território...
(No entanto, o interlocutor urbano também tem as suas razões!)
 
O resto, sempre fragmentado, pôs em destaque a capa e a contracapa de Cão Como Nós e, sobretudo, a badana - esse lugar oculto amado por alguns editores - mas que, no caso, passara totalmente despercebida. O cão que vira leão, sob o nome de Kurika, leitura dos filhos do autor.
E chegado aqui, voltamos a Henrique Galvão, ao paquete Santa Maria no Sul, tomado de assalto, em protesto contra o sacrifício de gerações numa guerra longínqua... e a incipiente biografia começava a ganhar corpo quando a campainha interrompeu o esforço do domesticado leão, forçado a fazer pela vida...
E já no intervalo, dois ou três alunos voltaram à carga, pois o que lhes apetecia era ler autores americanos, australianos... e eu fiquei a pensar que estaria na hora de partir.

II - Depois, só, li a primeira parte do Sermão da Sexagésima, do Padre António Vieira. A parábola do Semeador. E percebi que ela não se me aplicava, pois não conseguia ver-me sob a capa nem do Pregador Evangélico nem do Pregador do Paço. Fora definitivamente esquecido por aqueles que supostamente precisavam do minha palavra.