13.11.13

Camões, a nossa escola

A Grande Gala no Coliseu correu bem!
Os convidados, os professores e os alunos que participaram nos vários números foram inexcedíveis, a começar pelo apresentador Júlio Isidro que deixou claro que o objetivo é angariar 13 milhões de euros para recuperar o edifício da Escola, símbolo da arquitetura escolar do início do século XX.
No geral, o espectáculo foi sóbrio, sobretudo na primeira parte. A segunda parte acabou por se alongar desnecessariamente, gerando alguma ambiguidade e alusões, na minha opinião, desnecessárias. 
O momento menos conseguido terá sido o da entrevista simulada por dois conhecidos apresentadores de televisão, em que, na verdade, terá faltado o entrevistador.
O diretor, os professores, os alunos e os funcionários que com ele colaboraram estão de parabéns.
Quanto a António Costa, gostaria de conhecer o motivo que o impediu de dirigir duas palavras ao público. Afinal, o arquiteto responsável pelo projeto de construção do Liceu Camões, Ventura Terra, foi vereador da Câmara Municipal de Lisboa... 

12.11.13

O Eleito

O eleito, mesmo que não acredite em si, tem sempre quem acredite nele, quem o empurre ou quem espere que ele seja capaz de resolver qualquer problema por muito grande que seja.
Em tempos, Camões, descoroçoado, ungiu o Príncipe, já Rei, e prometeu-lhe: 

«Só me falece ser a vós aceito, 
De quem virtude deve ser prezada.
Se me isto o Céu concede, e o vosso peito
Dina empresa tomar de ser cantada,
Como a pressaga mente vaticina
Olhando a vossa inclinação divina,
Ou fazendo que, mais que a de Medusa,
A vista vossa tema o monte Atlante,
Ou rompendo nos campos de Ampelusa
Os muros de Marrocos e Trudante,
A minha já estimada e leda Musa
Fico que em todo o mundo de vós cante,
De sorte que Alexandro em vós se veja,
Sem à dita de Aquiles ter enveja.» 

Assim termina a EPOPEIA, incentivando o Rei a partir para o norte de África, e contrariando todos aqueles velhos do Restelo que, mais do que a Fama, a Glória, a Vaidade, a Cobiça, estimavam a vida humana...
E o Poeta acabou desempregado, embora por pouco tempo...
Este desejado e ungido Rei era, ainda, o guerreiro que sonhava apagar o nome de todos os Alexandros e que esperava ser o herói de NOVA EPOPEIA. E foi esse sonho que o matou, apesar do Super Poeta, séculos mais tarde, lhe profetizar o regresso, depois do Nevoeiro, pois acreditava que o Mito era suficiente para despertar a Alma de um Povo, não percebendo que este Povo deixara de acreditar no Senhor e que, por mais que Ele quisesse, o sonho se desvanecera num fim de tarde...

PS. Dentro de momentos, também eu partirei para o COLISEU! Mas não levo armadura nem cavalgadura...

11.11.13

Até quando?

Mais de dez mil pessoas pessoas podem ter morrido nas Filipinas, mais de quatro milhões de crianças podem correr risco de vida, de violação, de colheita de órgãos que, aqui, na Terra, o importante é o resultado de um jogo de futebol, o novo gadget, a cor dos olhos, a conversa safada...
Aqui, na Terra, pouco interessa a fome, a violência doméstica, o despotismo dos credores e seus apaniguados, a quotidiana lavagem ao cérebro, desde que possamos regressar a casa em segurança, dormir na caminha sem pesadelos, e acordar, de preferência, na 1ª página de um diário nacional ou na página central de um semanário, sem falar na abertura do telejornal e no alinhamento contínuo do face... 
Aqui, na Terra, é dia de festa! Não há tufão, nem terramoto, muito menos maremoto! Há quem diga que o degelo ameaça a Cidade, mas que interessa! Enquanto ele não chega, as Filipinas ficam longe, o Congo ninguém quer saber o que lá se passa, a Síria já não existe, no Iraque a morte já não é surpresa... e no bairro vizinho alguém deixou de lá morar... Mas que importa!
... E claro que há sempre alguém que pergunta se eu ando a ler um livro de ficção! Porque, na verdade, tudo passou a ser ficção! Tudo se passa antes ou depois e bem longe daqui. Aqui, na Terra, é dia de festa...
Até quando?

PS. Acabaram de me oferecer 3€ por cada resposta de 250 a 350 palavras, com a garantia de classificar 100 respostas. Não dizem qual é a parte do fisco! Sei, também, que o autor da resposta irá pagar 20€ pela prova a que é obrigado... Tudo devidamente supervisionado, não se sabe a que preço!  
Aqui, na Terra, é dia de festa! Lá longe morreram mais de 10.000 pessoas...
    

10.11.13

Folha em branco...

Este texto é dedicado a um ministro que foi a Paris declarar que em Portugal ainda há muito por fazer na área do ensino. Espero que ele não estivesse a pensar na Educação!

Folha em branco... porque um deus desconhecido (ignoto deo) se instalou no ecrã, impedindo-me de qualquer gesto que não fosse autorizar a instalação do internet explorer 11.
Consciente do erro, o deus desconhecido passou mais de 20 horas em processo de reversão, proibindo-me de encerrar a atividade que, afinal, não podia iniciar.
O update automático é tão voluntarioso que, apesar de o forçar, ele não desiste da instalação e mesmo agora espreita no rodapé. Já tentei controlar-lhe o automatismo, mas ele acusa-me de pôr em perigo a segurança da máquina...
A sorte deste windows update é que eu passei o dia em manobras que me levaram a Porto Alto. Lugar que conheci há oito anos como início de um ciclo a que um deus desconhecido (ignoto deo) insiste em pôr termo.
Bem! Neste último caso, não se trata de um deus totalmemente desconhecido, trata-se de um avatar diabólico com pouca cabeça, mil patas e uma cauda serpenteada...
Pelo meio, ainda tive tempo para registar uma oportuna reflexão de Harold Pinter sobre a recepção da poesia: « O problema  com este tipo de pessoas é que quando lêem um poema nunca abrem a porta e entram. Contentam-se em inclinar-se e espreitar pela fechadura. Não fazem mais nada.» Os Anões, 1952-1956.

Esta ideia de só espreitar pela fechadura traz-me, também, à lembrança os resultados dos exames nacionais de uma certa escola secundária: Português - 10.43; Matemática A: 10.46; Biologia e Geologia: 8.41; Física e Química A: 8.45; Todas as 8 disciplinas: 10.13. Público, sábado 9 novembro 2013.Uma comunidade

8.11.13

Um funcionário público qualquer

Este texto é dedicado ao ministro que, na Assembleia da República, me tratou como «um funcionário público qualquer». A partir desta data, sempre que vir um agente da autoridade irei lembrar-me que o meu corpo não tem nada de especial e que a minha profissão, na atual república, é desprezível. 
(...)
Deveria poder aceder por uma de três portas. Mas não, só por uma, e de lado. O automobilista é assim mesmo, não respeita a lei da boa vizinhança. Não o faz por má vontade, porque esta não chega a ter tempo de se pronunciar: o automobilista espreita o lugar, arruma o carro e vira as costas sem olhar à esquerda ou à direita.
 
A porteira chega a horas: abre a porta que dá para o pátio das traseiras, enche de água um balde, mergulha o esfregão, e desaparece, deixando a vassoura apoiada na ombreira... Talvez me tivesse emprestado o comando que abre o portão que dá acesso à garagem! Só às 16h30 lhe vejo os olhos de quem por nunca os despegar do trabalho parece numa infindável viagem.  
 
Neste dia em que decidi libertar a autocaravana do recheio, percebi que a crise pode ser libertadora: liberta-nos de tudo o que fomos acumulando, deixando-nos as pernas mais pesadas e as expectativas goradas... 
 
(No início da frase, cheguei a escrever "minha autocaravana", mas desisti. Neste país, nada é nosso, sobretudo se a posse resultar de demorado e honesto trabalho.)
 
Quantos países ficam por visitar e, sobretudo, os lagos cimeiros, os campos de alfazema, as estepes russas e as chanas africanas...
Esta ideia do caminho que fica por percorrer deixa-me, hoje, uma dor difusa, mas aguda. E, principalmente, fica a certeza de que o esforço despendido é inútil. Ou talvez mais não seja do que a expressão do meu tempo, pois, neste caso, o único tempo que vivo é o meu...
 
Entretanto, sei que, hoje, houve greve! Mas não sei o que se passa para lá da rua que percorro da autocaravana à garagem, com uma breve deslocação à agência  da Caixa Geral de Depósitos, nos Olivais. Lá, as máquinas automáticas tinham secado! Penso, todavia, que o facto nada teria a ver com a greve: Simplesmente, os reformados e pensionistas acorreram ao banco, antes que o Governo lhes roubasse, em nome da crise, as parcas mensalidades...
Agora já só ligo a televisão na hora de adormecer. Até lá, estou a tentar perceber Os Anões de Harold Pinter. 
 

7.11.13

Que a onda já me leva

A onda não tem cor, mas basta vestir uma camisola para ganhar coloração. E quando um grupo veste a camisola,  refulge a cor mesmo sem convicção.
O grupo serpenteia em melopeia e a onda retrai-se em fímbrias de espanto...
Eu, cego e surdo, fico indistinto no aroma do fado...
 
Nada mais posso dizer que a onda já me leva
Que a onda já me leva
Indistinto no aroma do fado...

6.11.13

Um cemitério de palavras

Estou a preparar-me para passar o resto dos meus dias a dialogar com o passado.
Um passado quase milenar que me permitirá revisitar as campas de trovadores de partidas sem regresso e de jogos de sombras palacianas.
Um passado quase milenar de clérigos goliardos, de déspotas régios e de ordens devassas.
Um passado ao serviço de uma fé fundamentalista e argentária, de uma fé censória e inquisitorial.
Um passado de capitães aventureiros, mercenários, traficantes e... de abril...
... mas, agora, reparo que me enganei nas campas.
 
Coitado de mim que, impedido de dialogar com o presente, me enganei no cemitério. 

5.11.13

Metas curriculares de Português e educação literária

I - Aos quinze anos, em termos de educação literária, o jovem deve:

a) Ler textos literários portugueses dos séculos XII a XVI, de diferentes géneros.
b) Reconhecer os valores culturais, éticos e estéticos manifestados nos textos.
c) Contextualizar as obras e os textos literários: por exemplo, época, autor, movimento estético-literário (quando indicado no Programa). 
 
Não sei se aplauda o regresso ao passado! Já em 1970, era assim!
 
II - Ao ler o Programa e Metas Curriculares de Português, em discussão pública, fico com a sensação de que o interregno (1974-2013) se tornou insuportável!
 
... e nem vale a pena referir os autores rasurados, designadamente do séc. XX! Todos os que se tenham evidenciado pelo espírito crítico: Raul Brandão, Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, Miguéis, Carlos de Oliveira, Miguel Torga, José Gomes Ferreira, O'Neill, Sophia, Al Berto... e todos os vivos, a começar pelo Lobo Antunes, Mário de Carvalho...
 
Em termos de educação literária, estamos entendidos!

4.11.13

Kant explica

Não entendendo o alarme noticioso que, na última semana, se instalou na comunicação social em torno de um casal mediático, decidi dar-lhe alguma atenção.
Inicialmente, o caso pareceu-me irrisório. No fundo, a desavença lembrava-me um reposição de uma novela de Camilo, entre uma burguesa balzaquiana e um velho da horta severo...
No entanto, a falta de decoro e o excesso de linguagem revelados em monólogos claramente encenados, acabaram por me conduzir a Kant... agora muito em moda na província política e filosófica portuguesa:
 
«De tudo  o que é possível conceber no mundo e, mesmo em geral, fora do mundo, há somente uma coisa que se pode considerar boa sem nenhuma reserva: uma boa vontade. A inteligência, a argúcia, o juízo e os talentos do espírito (...) são sem dúvida, coisas boas e desejáveis sob muitos aspetos; mas estes dons da natureza podem tornar-se extremamente maus e perniciosos, quando a vontade que se tem de usá-los, e cuja disposição própria se chama, por isso mesmo, carácter, não é boa.» Kant, Fundamentos da Metafísica dos Costumes.
 
Parece, assim, que a única coisa verdadeiramente boa sem nenhuma reserva - a boa vontade - anda muito arredia do carácter de certos portugueses, por muito inteligentes, argutos e talentosos que pareçam ser...
Nem sempre, a Filosofia é boa conselheira, mesmo se cultivada em Paris!

3.11.13

Ler a tristeza

Há anúncios sobre tudo, até sobre seguros. Mas não há seguros contra os riscos provocados pela leitura de um livro triste.
Os livros do meu país são tristes, todos! E querem que os jovens os leiam, eles que se acham alegres e sedutores.
Os mais obedientes ainda ousam iniciar a leitura, mas acabam por desistir porque não suportam a leitura de livres tão tristes. Alguns confessam a desistência, e, pesarosos, procuram uma explicação, mas a tristeza sufoca-lhes a palavra. São genuínos, estes jovens, chegando a ter pena do professor...
Há muito que não encontro um leitor que compreenda a tristeza que percorre os livros de Miranda, Camões, Bernardim, Vieira, Garrett, Herculano, Nobre, Cesário, Camilo, Pessanha,  Eça, Aquilino, Pessoa,  Brandão, Florbela, Almada, Miguéis, Sena, Rovisco, Belo, Agustina, Alberto, Saramago...
Há muito que não encontro um leitor que compreenda que a tristeza não é uma propriedade dos livros. A tristeza existe em nós, portugueses! Existe em nós desde que partimos... para a Índia.
A sorte destes jovens é que ainda não descobriram que, também, eles são portugueses!    

2.11.13

Ler a estranheza

A "rotina" é a expressão do hábito de seguir sempre o mesmo percurso. Na verdade, trata-se de uma  palavra proveniente da francesa "route". A estranheza inicial desapareceu completamente e pode afirmar -se que, de certo modo, amamos a rotina.Vem isto a propósito da motivação para a leitura, para a escolha de um livro pelos alunos do ensino secundário. 
Apesar do ministério da Educação ter definido um corpus de leitura, constituído por obras de referência, muitos alunos fogem dele como o diabo da cruz.
De preferência, não leem e caso sejam "obrigados", procuram obras cujo mínimo que delas se pode dizer é que são estranhas. Estranhas na língua, na distância temática, geográfica e até temporal. 
Em termos temáticos, a maior estranheza é que não equacionam qualquer problema. Em termos geográficos, raramente, a ação se situa na Europa. E quanto ao tempo, o preferido é o futuro e, por vezes, um passado tão inverosímil que chego a pensar que a humanidade já terá sido extinta...
E há ainda um aspecto que não devo ocultar: as obras escolhidas vêm rotuladas de "best-seller" e foram todas escritas em tempo recorde.
Para o caso de ainda haver por aí um jovem que procure uma obra estranha na língua, na distância temática, geográfica e até temporal, mas que o possa ajudar a conhecer melhor a adolescência no mundo rural, as raízes do Portugal provinciano e atual, a relação com a terra, a pujança da língua, a seriedade do trabalho do escritor, aconselho-o a ler Cinco Réis de Gente (1948), de Aquilino Ribeiro.

1.11.13

As ruas de Portugal


Enquanto se orçamenta o estado e se liquida a administração pública, eu, longe de S. Bento, caminho atento aos sinais de vitalidade económica. Em Sacavém, não preciso de alargar o passo. De um lado da rua, a QUINTA DA VICTÓRIA, em ruínas; do outro lado, uma igreja, ao abandono… Esquecida pelos fiéis, a igreja reconverteu-se! Em vez de vitrais, uma pujante figueira debruça-se sobre os transeuntes, anunciando suculentos figos para o próximo verão…
Desconfio, no entanto, que, em concluio com S. Bento, lá dentro não haverá nenhum enforcado…

31.10.13

O que interessa

Falha o metro e o atraso fica garantido! Pior, muitos não chegam a aparecer...
A EPAL anuncia um corte temporário de água, logo uns tantos ficam na expectativa de que a actividade letiva seja suspensa.
O professor introduz a obra, situando-a no contexto histórico - imagine-se o romantismo -, definindo as relações do texto com a biografia pessoal do autor e, de imediato, alguém clama que, agora, a "história" já não tem interesse. 
A obra vive da "história", cuja leitura é, entretanto, adiada, deixando o professor à espera, qual Godot! 
Que interessa o problema colocado no palco? Que interessa se o argumento é expressão duma intriga  (pouco) exemplar de perda de identidade e de soberania? Que interessa se hoje estamos a viver situação idêntica?
 Lá vai o tempo em que o objetivo era contribuir para a construção da identidade pessoal e coletiva. Lá vai o tempo em que os românticos se propunham transformar súbditos em cidadãos.
O que interessa é que o metro faça greve, que o autocarro se atrase, que a "história" seja de fantasia ou de alcova, que a água deixe de correr nas canalizações, que a campainha nunca toque, que o professor não marque ou "retire" a falta...
O que interessa, por agora, é que a Troika se vá embora para que possamos dormir até mais tarde e, se o sol ajudar, irmos até à praia ler uma "história" que não coloque nenhum problema e cujo argumento escorra por entre a areia até se diluir nas águas do oceano...


30.10.13

Provérbio do Inferno

«Estejas sempre pronto a dizer o que pensas, e o cobarde te evitará.» Provérbio do Inferno, tradução de David Mourão-Ferreira.

Por deferência, deixo de dizer o que penso. No entanto, vou cumprindo a liturgia, e faço-o com denodo, embora não pareça que estou em dívida...
Uma dívida antiquíssima, e à qual não quero fugir! Por deferência, sirvo zelosamente, e faço-o com denodo, embora nenhum liame me prenda...
A única grilheta que me tolhe, e à qual quero fugir, é a dissimulação! E essa, infelizmente, abunda nos silêncios, nos gestos, nas omissões, nos olhares cúmplices, nos ombros descaídos, nos risos escarninhos e não necessita de palavras...
Por deferência atravesso a rua em silêncio em vez de dizer o que penso... 
Por enquanto vou escrevendo sem ouvir o guionista... Talvez amanhã tenha coragem!

29.10.13

A notícia par(a)lamentar

Na hora em que a ministra Cristas propôs a limitação do número de animais de companhia por apartamento, logo surgiu o Coelho a exigir ao PS que apresentasse uma proposta de orçamento alternativo, mais não fosse que «por uma questão de pergaminhos». Vê-se logo que estes governantes nunca viram um pergaminho, a não ser que a ministra tenha decidido aproveitar a pele dos animais abatidos para substituir a pasta de papel...
O companheiro Almeida, em vez de se preocupar com esta assunção do fascismo de tipo «higiénico», deveria estar preocupado com o eugenismo em curso...

28.10.13

No dia em que o alfanumérico Crato tirou um coelho da cartola

I -Ainda não é hoje que deixo estes meus exercícios pouco espirituais!
Atarefado com letras ilegíveis, vocábulos mágicos, frases ininteligíveis, parágrafos curvilíneos e textos invertebrados, decidira nada escrever. Simplesmente, arrojar com a tarefa de classificar umas soberbas provas juvenis.
No entanto, a meio da tarde, um anónimo interlocutor, inesperado companheiro de "bica", tinha-me confessado que não entendia porque é que tinham acabado com as provas orais! As últimas a que fora submetido datavam de 1972, e ele lembrava-se, como se fora hoje, daquele professor que, numa prova oral, lhe elogiara a clareza e a concisão do discurso, profetizando, no entanto, que aquela qualidade, neste país, não passava dum defeito. Sempre que o exame fosse escrito, ninguém aplaudiria o sovina da palavra, a clareza da ideia! E por isso, ele acabou por se refugiar na matemática - lugar límpido e secreto onde a redundância não tem lugar,  pois os símbolos são unívocos e inequívocos... Entretanto, despedimo-nos com acenos de cortesia...
Três horas mais tarde, entra-me o ministro da educação pela sala dentro. Perante uma plateia de atordoados deputados, o alfanumérico Crato tirara mais um coelho da cartola: os candidatos a uma licenciatura de ensino elementar vão ser obrigados a fazer exame de 12º ano de Português e de Matemática.
É desta que o analfabetismo irá ser erradicado! Embora, sem que alfanumérico o tenha anunciado, percebi que vem aí nova revisão curricular...
Anuncia-se já o dia em que todos os juízes do Tribunal Constitucional terão aprendido a calcular e que não haverá mais lugar para símbolos que não sejam unívocos e inequívocos...

II - Dias mais tarde, o alfanumérico explica que só nos libertaríamos da Troika se cada família trabalhasse mais de um ano de borla, sem comer e sem gastar nada... (5.11.2013)

27.10.13

Uma noite destas

Não me levanto, não vou à janela, não ligo a luz... Imóvel, oiço as vozes que se apoderam de mim e que falam por mim. 
Uma noites destas, já sobre o amanhecer, percorria as galerias da escola à procura da sala de aula - não consigo decorar o horário: muda todos os anos, tal como os alunos, há 39 anos!- quando surge o ministro da educação a explicar-me que se me atraso, se não cumpro as metas, se não acerto o passo pelos desejos dos meninos e dos papás, o melhor é aproveitar o bónus e rescindir o contrato... Ainda pensei E depois de consumido o bónus, o que é que me acontece, mas, adivinhando a minha perplexidade, o ministro acrescentou: - Queria subsídio de desemprego? Queria pré-reforma? Não seja calaceiro!
Já não sei se imóvel, se espreitando para dentro das salas, ouvi-me discorrer longamente sobre os muitos ministros e secretários da educação que tive que suportar, sobre as múltiplas escolas que percorri à procura da sala de aula, sobre os milhares de alunos a que procurei melhorar a voz, sobre os professores desassossegados que encontrei... e continuei numa ladainha interminável até abrir os olhos e compreender que à minha frente estava um fiscal das finanças a querer eliminar-me da lista dos assalariados, da lista dos desempregados, da lista dos aposentados...
Não me levanto, não vou à janela, não ligo a luz... Imóvel, já não oiço as vozes, mas, desesperado, continuo a percorrer as galerias, espreito as salas e lá dentro, no lugar dos alunos, o vazio... 

26.10.13

Que se lixe...

Que se lixe...
Eis uma expressão cuja força ilocutória é perturbante!
Na verdade, esta locução exprime despreocupação ou indiferença.

Quando analisamos a força ilocutória do enunciado Que se lixe a troika..., percebemos que a primeira parte (as 4 sílabas métricas) é um pouco lenta, monótona e preguiçosa, sem convicção; só depois a entoação se eleva ao pronunciar troi-ka, residindo nela a força...
Como palavra de ordem, o enunciado Que se lixe a troika, em vez de corporizar o combate, acaba por ser a expressão do desencanto de quem, ainda, ousa proferi-lo...

Talvez seja esse o motivo das vozes e dos ritmos plangentes que ecoaram com o cair da tarde...






25.10.13

O meu contributo

A atual Escola Secundária de Camões está alojada num edifício com mais de 100 anos, projetado pelo arquiteto Ventura Terra no período de transição da Monarquia para a República. Construção quase lacustre, tendo em conta os múltiplos arroios que correm para o Tejo, e que jaz sobre terrenos, em parte arenosos. Esta singularidade deveria trazer a quem se ocupa dos problemas de segurança particular atenção.
Como, infelizmente, quem fotografa ou filma o estado de degradação de paredes, empenas, salas, janelas, galerias, campos, não se interroga sobre os alicerces, o público continua a ignorar a verdadeira extensão do problema.
E porque há um problema, o Diretor, depois de todas as diligências efetuadas junto dos governantes nacionais e locais, para que este fosse resolvido, decidiu  promover uma GRANDE GALA no Coliseu dos Recreios.
Esta iniciativa só terá sucesso se, pelo seu impacto, for capaz, de uma vez por todas, levar as autoridades, que têm o dever de zelar por pessoas e bens, a agir, garantindo a segurança, preservando o património e melhorando as condições de trabalho de quem continua a zelar, a administrar, a ensinar e a aprender neste centenário edifício, verdadeiro símbolo das «grandezas e misérias dos príncipes de Portugal», citando o supranumerário Aquilino Ribeiro, também ele professor desta instituição, e cuja lição está expressa em todos os seus livros: Alcança quem não cansa. 

PS. Quem quiser associar-se à iniciativa deve consultar http://escamoes-web.sharepoint.com/Pages/default.aspx



   

24.10.13

A construção da opinião

Na minha opinião ou opinião pessoal são sintagmas nominais frequentes, mas que nada acrescentam à compreensão das estratégias comunicacionais.
No presente, a opinião é objeto de construção que, na maioria dos casos, gera comportamentos emocionais, adesões irracionais.
Por exemplo, numa simples apresentação de listas a uma associação de estudantes, a  decisão resulta da injeção de um conjunto de estímulos acrobáticos e ruidosos.
Ao contrário do que muitos defendem,  a opinião atual é esvaziada de qualquer juízo de valor. 
Numa eleição, as ideologias, suportadas pelos grupos económicos e financeiros e das suas extensões mediáticas e partidárias, injetam nas mentes fracas poderosos estímulos que as convencem de que as suas escolhas são racionais e livres...
Na verdade, raramente a opinião se revela capaz de identificar o problema e, sobretudo, de discriminar as soluções apresentadas de modo a fazer a escolha mais vantajosa para o conjunto da sociedade.
Sim, porque, na história da construção da opinião, o critério que, outrora, validava a decisão era o bem comum.
Presentemente, não há jovem que não tenha a sua opinião, embora não consiga explicar a sua origem.

23.10.13

Entretanto, a chuva verdasca as vidraças

Sorrisos cúmplices passam altivos de um saber efémero. As palavras de ontem perdem-se em abundantes gestos de surpresa e arrastam-se em círculos de pedra.
Os testemunhos viciados respondem a um guião engenhoso ou, talvez, manhoso! As cadeiras esfíngicas registam a pose, apenas temendo o caruncho das novas vaidades...
A chuva, entretanto,verdasca as vidraças e amortalha o sol de verão, mas, infelizmente, não liberta a memória do tempo em que as cadeiras eram de pedra e resistiam ao caruncho, à pompa e à circunstância.

22.10.13

A escola, lugar de indisciplina e de depressão

Paulatinamente, o exercício da docência vai sendo condicionado e desvalorizado. 
Na formação, a pedagogia é substituída por uma didática definida por uma autoridade espúria. 
Na sala de aula, a parafernália imposta pelas editoras substitui o saber do professor, transformando-o numa fonte secundária, ignorada ou facilmente questionada pelo aluno desatento e desinteressado.
A desvalorização da função docente cria o clima propício à reivindicação de saberes não certificados, a não ser pela abscôndita superioridade social, cultural, política e, por vezes, profissional.
Em certas disciplinas,o professor mais não é do que um distribuidor de conteúdos dispersos por manuais, cadernos de exercícios vários, e quando isso acontece a sala de aula vira lugar de indisciplina.
A introdução de suportes diferentes dos apresentados pelas editoras torna-se suspeita. A avaliação, com recurso a testes não formatados pelo IAVE, é questionada por colegas, alunos e encarregados de educação.
A aplicação de conhecimentos em novas situações deixou de ser um objetivo. Procura-se, a todo o custo, evitar a surpresa, porque esta provoca estados depressivos... e a depressão é a explicação para todo e qualquer desajustamento... 
A articulação da escola com a comunidade é desejável, mas aquilo a que se assiste, neste domínio, é no mínimo perturbador, porque, presentemente, o país não tem qualquer projeto educativo fiável e duradouro.

21.10.13

Sem palavras…

Estou sem palavras desde o final da manhã quando um jovem mais atrevido me exigiu que o não avaliasse pelo sua cultura mas, sim, pelo sua competência linguística. A exigência não me deixou indiferente e expliquei-lhe que a língua e a cultura são indissociáveis. 
A explicação não terá surtido efeito, mas fiquei a pensar no meu passado como professor de didática de língua materna, quando exigia aos estagiários que planificassem, tendo em conta uma rede de conteúdos assim distribuídos: linguísticos, discursivos e culturais. E, por vezes, a rede era mais extensa!
Espero que esses professores não me tenham amaldiçoado por lhes ter exigido tal esmiuçamento! Se o fizeram, podem descansar, pois o vingador acabou de chegar…
(As imagens mostram dois espaços a que, no meu entendimento, a cultura não é alheia! Mas dizê-lo pra quê!? O melhor é continuar a falar e fechar os olhos e os ouvidos…)

20.10.13

Jorge Silva Melo na terra do faz de conta

Ontem, assisti à última representação da SALA VIP, de Jorge Silva Melo. Ainda não foi desta que o JSM obteve os meios necessários à montagem de uma ópera! De qualquer modo, não faltaram as árias nem o discurso sobre os limites da voz e a exuberância do corpo masculino ( efebo louro, genitália exposta, pronto a servir em troca do vil metal). Por seu turno, as mulheres, secundarizadas, deixam-se possuir fria e mecanicamente. Só a música da Terra latino-americana as traz de volta, à origem…  A espaços, o teatro (a música e o cinema) condenou a política cultural, mas deixou-se arrastar por um atávico narcisismo cosmopolita, acertando contas com a morte, uma morte travestida… mas clara e operaticamente exorcizada.

O resto são contrastes do faz de conta reinante. Segundo as pitonisas da Hora, o novo OGE não é para cumprir! Nem sequer pode ser discutido, pois ainda não está elaborado. A PEN era a fingir! No entanto… os cortes são a sério!

Há flores que florescem independentemente dos pomos que apodrecem. Há jardins que têm  amigos que fecham os portões aos mendigos que fenecem nos passeios das avenidas e nos recantos das vielas…

/MCG

19.10.13

Transitoriedade ou o casulo da ilusão

Vou concatenando, sem me admirar...
Tantos cães com dono, tanta frustração!
Um gato que podia ser livre, mas não salta o muro...
As vegetais antenas esverdeadas de um gafanhoto, talvez louva-a-deus ou tira-olhos; mas não, sou eu que quero ver assim, ali só há o casulo da ilusão!

Em tempos, Mário Sá-Carneiro terá vivido, numa quinta, chamada da Vitória. As crónicas situam-na em Camarate, mas a que eu conheço é, hoje, da Derrota, e situo-a na freguesia da Portela, agora Moscavide e Portela.
Não faço ideia se no início do século XX, Camarate integrava a Portela. E também não estou seguro que a Vitória não resulte de alguma humilhação infligida ao exército napoleónico. Só sei que a Quinta da Vitória, para mim, não passa de um bairro de lata. Isto é, não passava. Agora, é só entulho! A comunidade foi desaparecendo aos poucos. Não sei para onde. E ninguém explica! Para quê? O objetivo era dispersar...

E quanto a Mário Sá-Carneiro está quase a fazer 100 anos que se suicidou em Paris!

Em conclusão, a minha definição de "transitoriedade" é bem diferente da que está a ser enviada ao Tribunal Constitucional!

18.10.13

O cuco, o parasita onomatopaico



Infelizmente, há uma correlação entre o aumento do número de cucos e a densidade de pobres, o que me leva a pensar que a política atual está ao serviço desse onomatopaico parasita. O cuco necessita de bolsas de pobreza para se reproduzir. Sem elas, esse melómano parasita extinguir-se-ia!
Só assim se compreende a política de austeridade! Esta gera sucessivas bolsas de pobreza, ou seja os ninhos que lhes permitem reproduzir-se e, simultaneamente, eliminar as espécies incumbentes...

17.10.13

A estratégia do cuco

Na situação atual, toda a argumentação para satisfazer os credores incide em dois grupos de pessoas: os pensionistas e os funcionários públicos.
Eliminar os funcionários, reduzir-lhes as remunerações; hostilizar os pensionistas, cortar-lhes as pensões! Eis a tática seguida por uma argumentação construída com base na ignorância e ad ignorantiam (com apelo à ignorância).
É por isso que o governo persiste em manter de pé a RTP, cobrando e agravando a taxa de audiovisual com recurso à estratégia do cuco. A EDP é, como sabemos, o ninho em que vários cucos vão chocando os ovos que minam a soberania e sabotam a economia... Na verdade, a argumentação não pode subsistir sem canais domesticados...
O tipo de argumentação dominante é perverso porque ignora ou esconde os virtuosos que comem à mesa do orçamento, sem estatuto legal. Uma espécie de pessoal ad hoc, que começa por servir e depois se apropria, tornando-se inamovível e, se necessário, invisível.

16.10.13

Hoje, o meu valor baixou no mercado

Olho à volta e verifico que há tripés um pouco por todo lado. Moços e moças seguram folhas formato A4 à escuta de antigas e nostálgicas novidades. Perfilados e de olhos fixos na lente iluminada, figuras de outrora pronunciam-se sobre a eternidade das pedras assentes em invisíveis e instáveis placas arenosas... Por debaixo, fogem os líquidos arrôios em direção ao Tejo...
Sabemos a origem da ameaça, mas que importa? É no escudo que se concentra a atenção, é na fachada que se prende o olhar!
E eu, mais velho, apenas sombra, fujo da ficção, escondo-me da câmara à espera que a agitação passe e que a zona de subdução localizada debaixo do Arco de Gibraltar não faça das suas. Mas que importa? Se tal acontecer, não será apenas o meu valor a baixar no mercado! Nem os licitadores escaparão...


15.10.13

Valor de mercado

A partir deste momento, vou passar a estar atento ao meu «valor de mercado», embora me pareça que a minha cotação está cada vez mais baixa. No economês dominante, pouco faltará para ser classificado como "lixo".
Desta vez mereço o secretário Rosalino, pois, neste último mês, tenho aturado desmandos, abusos, incúrias, intrujices que, só por si, justificam a punição a que irei ser submetido... Deveria ter recorrido ao fueiro!
Ainda há poucos dias, explicava eu que a pessoa se diferencia do indivíduo quando capaz de se reger por princípios como a defesa da vida, o livre arbítrio, a entreajuda, a fraternidade, e, agora, bastou-me escutar o secretário Rosalino para compreender que acabo de ser contado, apenas, como indivíduo sujeito às leis do mercado.
Este é mais um dia de extraordinária mediocridade... mascarado de transitoriedade, progressividade e equidade para Tribunal Constitucional ver!

14.10.13

A Intrujice II

Depois da encenação do sacrossanto Paulo Portas que passou a padroeiro das viúvas e dos viúvos deste triste país, chegou a vez da ministra da fazenda  afastar "o choque de expectativas", pois Passos Coelho, em Maio, teria enviado uma carta à TROIKA, assegurando que iria fazer um corte memorável nas remunerações dos funcionários públicos.
Ontem, sobre o assunto, Paulo Portas nada disse! Os seus paroquianos são outros e, na verdade, ele ainda não percebeu qual é o significado da expressão "choque de expectativas", mas sabe que, em termos eleitorais, 400.000 funcionários públicos não contam, pelo menos, para o CDS... Ainda se fossem funcionários do Banco de Portugal, da Caixa Geral de Depósitos, da TAP...
Tudo isto me leva a pensar no tempo em que, nas Províncias Ultramarinas, havia portugueses de primeira e portugueses de segunda - os primeiros nascidos na metrópole; os segundos nascidos nas colónias... 
(...)
Infelizmente, os intrujões não estão todos no governo! Há muita boa gente a tratar da sua vidinha como se nada se estivesse a passar.

Terceiro apontamento:
( D. Nicéforo) - Diga-me, meu abade, conhece o programa do Partido Progressista?
O abade franziu os lábios em esgar dubitativo.
- Conhece, ora se não conhece! É o mesmo do Partido Regenerador. Um começa: Sua Majestade, o outro: El-rei, nosso amo...Em doutrina social são igualmente respeitadores da família e da religião. Em matéria financeira e política - dado que se preocupem com isso - um propõe-se fechar o orçamento com um saldo de vinte e quatro vinténs, o outro, com o saldo de um pinto.
Aquilino Ribeiro, Cinco Réis de Gente, cap. XIV. 

13.10.13

A Intrujice do Poupa Pensões

Falta-me a paciência para intrujões!
Parece que, depois de uma infinidade de cálculos, só 25.000 portugueses vão ser atingidos pelo corte na pensão de viuvez! Claro que o saque não passa de uma gota de água face às necessidades dos credores.
Salva a face do Poupa Pensões, e a dois dias da entrega do OGE, o governo continua a estudar como e onde cortar na despesa. A dois dias!?

Claro que todos sabemos quem é o alvo privilegiado! Mas desse Paulo Portas nada diz. O ónus será do "amigo" Passos Coelho. 
Entretanto, recomendo a Paulo Portas a leitura do XIII capítulo do romance "Cinco Réis de Gente", de Aquilino Ribeiro.
Lá encontrará uma brilhante paródia da "comédia eleitoral" no concelho de Sernancelhe.

Primeiro apontamento: «Vai pedir-se o voto de porta em porta, como se pede para as almas, ou chamam-se os eleitores à praça ou a uma casa, e prega-se-lhes um sermãozinho. Um sermãozinho e as promessas da lei..
Segundo apontamento: « D. Nicéforo deu o recado, justificando a diligência com o propósito em que estava o seu partido de promover uma reforma radical na vida da Nação: equilíbrio da balança financeira; desenvolvimento da instrução pública; revisão tributária no sentido de maior equidade; fomento agrícola e industrial; promulgação de leis de família; em conclusão, o estado revolvido de alto a fundo.»

Pois é! Se Paulo Portas tivesse lido os clássicos, provavelmente já teria concluído o tão anunciado plano de reforma do estado!
   

12.10.13

Os valores

Pode haver quem pense que a axiologia não tem lugar numa aula de língua materna ou mesmo de literatura. Por outro lado, quando lemos certos documentos, vemos que há quem meta no mesmo saco - da sinonímia - comportamentos, atitudes e valores.
Para muitos, aprender a ler ou a escrever mais não é do que a apropriação de uma técnica! E em geral, conseguem transmitir essa ideia aos discípulos que, apesar de tudo, resistem como podem ao formatado e preferem a digressão inconsequente...
Várias vezes, com públicos escolares de distintos graus de ensino, fui confrontado com asserções do tipo:
- Todos temos e nos regemos por valores!
- Tanto é valor a  honestidade como a cobardia!

Quer a ideia de que os valores são inatos quer a ideia de que não há qualquer fronteira entre o Bem e o Mal provocam-me calafrios pelas consequências que arrastam... 
E em ambas as situações me vejo na necessidade de distinguir o comportamento dos indivíduos das atitudes das pessoas, porque, no meu fraco entendimento, a fronteira é delimitada pela presença dos valores.

Talvez tenha sido por este motivo que ontem escrevi sobre o valor primordial, pois quero crer que não estou sozinho! Acompanhar a argumentação do Velho do Restelo ajuda-nos a separar o trigo do joio e ensina-nos a ler para além do discurso neste tempo em que os valores deixaram de orientar as atitudes...
A cada passo, recebemos notícia de comportamentos desvairados e insensatos que não estimam a vida de quem a vida lhes deu.

11.10.13

O valor primordial

Tudo vale a pena se a alma não é pequena... (Fernando Pessoa) Nada vale a pena se o valor primordial não for a defesa da vida: - Já que prezas em tanta quantidade / O desprezo da vida que devia / De ser sempre estimada... (Camões)

Em 23 de Janeiro de 1992, um velho conde decidiu partir para os mares de Timor e da Indonésia, porque: «A nossa soberania ainda não acabou. Esta é a última possível missão de soberania (...): o de tentar dar àquele  nosso território e sua nação a independência.» (Fernando Campos, O Sonho)

Soltos vão os parágrafos, mas o que os liga não são os articuladores do discurso, mas um valor: a defesa da vida, da nossa vida, da vida daqueles por quem somos responsáveis, da assunção plena da vida.
Na verdade, quem merece o prémio Nobel da paz são os anciãos que, desde os primórdios da Grécia, clamam contra a vaidade, contra a ambição, contra a guerra santa, contra a cobiça - motores da ação humana. 
Na cultura portuguesa, ninguém melhor do que Camões deu voz a esse clamor, ainda hoje incompreendido. O seu Velho, circunstancialmente (ou será obliquamente?) do Restelo, lança a acusação, e, apenas cede na proximidade: Deixas criar às portas o inimigo, / Por ires buscar outro de tão longe...
Mas este Velho nada tem a ver com com a Reforma e a Contra-Reforma que se digladiavam na procura de uma hegemonia que, a cada passo, desprezava a vida.
De nada serve cotejar a vida e a obra do Poeta com o ensinamento do Velho. Camões pela educação que recebera, pela experiência que o calejou, pelo «fraudulento gosto» que o cercava, arrancou o Velho das entranhas e colocou-o naquela e em todas as partidas em que a Morte parte clandestinamente.

10.10.13

Em tempos de assincronia

Em tempos, aprendi que havia uma psicologia de grupo, que havia técnicas capazes de ajudar a sobrepor o interesse coletivo ao individual.
Tendo gasto a vida a participar em grupos, acabo por concluir que esse objetivo raramente é atingido. Isto é, cada elemento age por conta própria, não se preocupando sequer em acompanhar o curso da ação ou da palavra.
Em certos casos, a falta de sincronismo é tal que A se sobrepõe a B e, por sua vez, C se encavalita nos anteriores tornando a situação caótica e ininteligível.   
Em qualquer grupo, do governo ao parlamento, passando pelas reuniões de família, de condóminos, pela sala de aula ou por todo o tipo de ações de formação, o que vemos e ouvimos é um desencontro total...
Infelizmente, parece que só quando o grupo é monolítico é que é possível alimentar uma expetativa positiva. Mas nesses casos, o grupo obedece à batuta, ao pingalim,  ao batuque, à ordem unida...

9.10.13

Pilriteiro

Nem sempre é a mais nobre, mas para tudo há uma razão. Se me despegasse do enunciado, poderia nele encontrar uma catáfora mas, à terminologia dos jogos sintácticos, prefiro a sabedoria da cantiga popular:

Pilriteiro, dás pilritos
Por que não dás coisa boa?
Cada qual dá o que tem,
Conforme a sua pessoa.

MCG

8.10.13

A Língua e a Gramática

Quando a língua é reduzida a um código, o professor mais não é do que um repetidor de regras que o aluno deve conhecer para obter sucesso no exame final.
Deste modo, a escola perde a sua dimensão pedagógica e formativa e facilmente acabará substituída por um qualquer centro de instrução, cuja taxa de sucesso será medida pelo número de aprovações no referido exame.
A Gramática passa a protagonista, tal como acontecia no sistema de ensino construído pelo Estado Novo. Só que, apesar de tudo, aquele regime valorizava a leitura e, principalmente, a aprendizagem do léxico que considerava vector fundamental da argumentação e, por inerência, da retórica em que a ideologia nacionalista se apoiava.
Deste ponto de vista, vamos assistindo a um empobrecimento lexical assustador que compromete a interpretação de qualquer texto.
Hoje, a visão utilitarista da língua reduz a visão do mundo do falante e destrói as pontes que lhe permitiriam circular entre o passado e o presente. Isto é, esta visão mata a cultura e inviabiliza o presente e o futuro, pois o pensamento torna-se redundante e inócuo.


7.10.13

O caldo entornado

Em tempos de pobreza, entornar o caldo é sinal não só de falta de cortesia mas, sobretudo, de desprezo pelo trabalho alheio! 
Já o meu falecido pai, pouco satisfeito com o curso dos acontecimentos, tinha o hábito de ameaçar: - Ou comes o que tens à frente ou temos o caldo entornado!
Perante esta modalidade deôntica, com valor de obrigação e inevitável tabefe (eufemismo!), eu punha-me a pau e comia tudo. Tudo, também porque sempre gostei de caldo (verde, galinha...).
Ao fim de tantos anos, já perdoei a violência do discurso e do gesto, porque, cedo, compreendi que a culpa era do curso dos acontecimentos.

Ora, nos últimos dias, voltei a sentir-me sob ameaça! Uma ameaça inesperada, porque vinda de um homem tão importante como o presidente Durão Barroso: - Se o Tribunal Constitucional não fechar os olhos às diatribes do governo, teremos o caldo entornado!

Como está na moda a aplicação retrospetiva de medidas, também eu deveria poder rever as classificações dos meus alunos de 1975-78, isto é, entornar o caldo àqueles jovens do MRPP que me entravam na sala de aula aos gritos recusando ler Os Esteiros, A Abelha na Chuva, Os Gaibéus (dos sequazes do «Barreirinhas Cunhal»!) ou até Os Lusíadas
A rapaziada é a mesma só que mais gorda, mais velha e néscia!

6.10.13

Um domingo pardo!

Um domingo pardo!
De notícias não tomei nota que a televisão só dá conta da prosápia de quem nos desgoverna.
Às voltas com  "coelho" e coalho"*, sem entender o processo fonológico, como se nesta triste língua fosse possível tal evolução. Eu, sem compreender que relação estabelecer entre "coelho" e "coágulo", quando, de súbito, descobri que um coelho pode ser o coágulo que nos causa fatal apoplexia.
Esta minha fragilidade linguística foi, por seu turno, causa de ter passado uma parte do dia a sujeitar-me às exigências de comerciantes digitais (Porto editora e Microsoft, respetivamente) que para uma aplicação exigem um browser (Google Chrome) e para outras um outro (Internet Explorer), e que impõem ao utilizador, para que possa aceder a um produto, que aniquile o inimigo...
No meio desta azáfama, ainda tive que me perder no novo Dicionário Terminológico que é um verdadeiro alfobre de preciosismos e que os nossos autodidatas seguem à risca, lembrando aqueles escolásticos que durante séculos nos encheram o bucho de fantásticos silogismos...

* Com tudo isto, acabei por perceber que neste país preferimos o exemplo da dissimilação fonológica (ou será dissimulação), criando a cada passo equívocos com que nos vamos entretendo.

5.10.13

Perdão fiscal até ao Natal

Perdão fiscal até ao Natal!
Vale a pena não pagar a tempo e horas. Vale a pena deixar afundar a Segurança Social! Vale a pena colocar o dinheiro em paraísos fiscais!
Porque há sempre um governo magnânimo, cristianíssimo, pronto a perdoar. E já nem é preciso esperar pelo arrependimento quaresmal. De outubro a dezembro, o infrator sabe que não irá preso, não pagará juros e, provavelmente, terá desconto...
Diz o governo que com esta medida irá arrecadar 600 milhões de euros! E quanto arrecadaria se deixasse prender os infratores e não lhes perdoasse a demora?
Deste modo se entende por que motivo certos feriados foram extintos - 5 de outubro e 1 de dezembro. A sua manutenção ainda poderia criar algum sobressalto patriótico que atirasse para as masmorras o cristianíssimo governo e os seus compinchas.
 
Até já o anti-masoch camarada presidente quer celebrar os valores de Abril! E percebe-se porquê!  "Valor" é um daqueles termos polissémicos que encheu os bolsos dos compinchas de várias gerações.

4.10.13

Pobres crianças!

I - Pobres crianças que morreis afogadas nas águas de Lampedusa enquanto que tu, que já sais de casa a recitar o «Pai Nosso que estais nos céus», te diriges à igreja do Cristo Rei a fazer prova do teu doutrinamento e, depois, já "noiva do senhor", irás deglutir o bolo eucarístico, cerimoniosamente, preparado para celebrar a vitória autárquica!
Pobres crianças que morreis gaseadas no bairro de Quabun enquanto que tu te diriges a Assis para te encontrares com um Papa que convida os pobres a sofrerem a pobreza e pouco incomoda os poderosos, mesmo que considere uma "vergonha" o que vai acontecendo na Somália, na Eriteia, na Síria! 
Pobres crianças!
 
II - Pobres crianças migrantes! A neologia não deixa de surpreender! Até há pouco, as migrações eram constituídas por emigrantes e por imigrantes. Mas hoje a notícia já designa como migrantes aqueles que, não sendo ainda nómadas ou refugiados,  se deslocam simplesmente à espera de um golpe de sorte:
 
«Mais de uma centena de migrantes africanos morreram quando o barco que os transportava naufragou junto à ilha de Lampedusa. O Papa diz ter vergonha.» i, 4 de outubro 2013 

3.10.13

Em bicos de pés

Põem-se em bicos de pés e clamam contra as contradições  dos políticos do FMI. Esse clamor, no entanto, é de quem prefere fechar os olhos e os ouvidos às exigências dos credores.
Os jogos palacianos dos políticos não interessam aos mercados. Os únicos jogos que estes conhecem são os de casino.
Hoje, parece que os técnicos da TROIKA puseram fim a este fase avaliativa. Mas é mentira!
Enquanto o OGE para 2014 não estiver promulgado e liberto da censura do Tribunal Constitucional, os representantes dos credores continuarão em Lisboa. Nem poderia ser de outro modo num protetorado político!
Infelizmente, os próximos meses serão de pura demagogia e lá para o início da Primavera iremos novamente a votos e estaremos mais pobres...

2.10.13

Usados e aldrabados

Acabo de vir (de um postigo) de uma farmácia (de bairro), ondei comprei um medicamento no valor de 3,95 € e paguei 2,50 € de taxa de serviço noturno.
Que a Clara Ferreira Alves me perdoe, mas, hoje, vou imitar o JRS: do perfil do farmacêutico (ou seria empregado?) nada vou dizer, assim como não vou descrever o enquadramento, ou melhor, o posicionamento da fila (ou seria bicha?) diante do guiché - assim mesmo afrancesado, embora eu prefira o postigo. Mas como não havia aldraba, deixo-me levar pela neologia, apesar de aldrabado. Bem sei que era preferível ter antes usado o termo galicismo.
- Usado, porquê?
- O menino não sabe que os sapatos é que são usados? Vá, deixe-se disso, e diga comigo: «Era preferível ter utilizado o vocábulo galicismo...»
- Disso, senhor professor, aqui no meu florilégio (ou será manual?), essa palavra tem valor polissémico! Agora é que eu não percebo nada!
( Se quiserem, podem imaginar o que eu estou a pensar de certos cientistas da linguagem e da avaliação!)
Quando di-da-ti-ca-men-te explico as formas de intertextualidade, enumero-as como o JRS. Abro o catálogo. E lá vem ao lado da paródia, antes ou depois da citação e do plágio, lá vem a ALUSÃO:
O GNOMO NO JARDIM. Que belo título!
No Jardim (da Fundação Calouste Gulbenkian), vão entrando os gnomos que aspiram a ombrear com o Gigante, mas, pobres coitados, falta-lhes a estatura... e, ao contrário do JRS, nem jeito têm para entreter...

1.10.13

Quando alguma coisa corre mal...

Quando alguma coisa corre mal, o caminho mais fácil é designar um bode expiatório.
O critério da escolha é selecionar aquele que rejeita a subserviência e que obedece a um imperativo emancipador.
Infelizmente, é mais fácil alinhar pelo condicionamento do que exaltar quem trabalha em prol da liberdade ser, aprendendo por si a definir o seu caminho, partilhando com o Outro o resultado do ato de pensar e de inventar.
Na verdade, há quem prefira copiar a inovar...
Vivemos num país que prefere a formatação à imaginação!

30.9.13

Maldita abstenção

I - Quase metade dos eleitores não cumpriu o dever de votar. Porquê?
Já morreram? Quantos?
A idade limita-lhes a deslocação? Quantos?
Emigraram e ainda não estão registados nos países de acolhimento? Quantos?
Delinquentes e vagabundos perderam a noção do tempo? Quantos?
A crise política e financeira não lhes diz respeito? Quantos? Do que é que vivem?
Há aqui uma incógnita por explicar, apesar de tantos sociólogos desempregados! Esta incógnita adultera certamente os resultados eleitorais...
No entanto, desta vez, a votação daqueles que não desistiram revela um caminho claro: a vontade de mudar. A vontade de afastar os autarcas saltimbancos, os autarcas salteadores... Do Porto ao Funchal, sem esquecer Braga e Loures, os eleitores decidiram arrepiar caminho, na esperança que a crise não se avolume.
Um sobressalto democrático e patriótico manchado por aqueles que preferiram a abstenção.

II - O comentador de 2ª feira, Miguel Sousa Tavares, confessa que acabou de votar e que por isso não quer saber do que pensa a TROIKA.
Infelizmente, a TROIKA já olhou para os resultados eleitorais e somou os votos da direita com a abstenção!
 

29.9.13

Santo de Pau Carunchoso

Durante muitos anos, ouvi os mais velhos (e não só!)  acusarem o vizinho, o padre, o cabo de esquadra e o amigo de serem “santos de pau carunchoso”.  Em todo este tempo, nunca consegui encontrar alguém a quem o epíteto assentasse que nem uma luva. Havia sempre um senão! Uma virtude que me impedia de aplicar a referida locução!

Até que, ao folhear o Expresso de 27 de setembro,  encontrei o “santinho” reverente, suplicante…

28.9.13

Tanto refleti...

«Impossível não ter comportamento: a minha ausência de comportamento é uma forma de comportamento. É mesmo uma forma espetacular de comportamento.» Eduardo Prado Coelho, Comunicação e Democracia.
 
Tanto refleti que concluí o óbvio: Para grandes males, grandes remédios!
Perante a sobranceria dos credores e dos seus agentes internacionais e nacionais, só nos resta mostrar, de forma espetacular, que não atiramos a toalha ao chão.
Para o efeito, amanhã, bem cedo, antes da abertura das urnas (que maravilha!), deveríamos tomar uma decisão solidária: Votamos todos ou não vota ninguém!
Qualquer uma das opções seria a expressão de um comportamento espetacular. Mais importante do que o resultado seria a afirmação da rejeição do modo como se faz política em Portugal.
 

27.9.13

Cachorros fomos, cãezinhos semos...

«Ó meu santo Nicodemos,
Cachorros fomos, cãezinhos semos,
livrai-nos da esmola do Diabo
que é a pedra fora de mão,
jogada à tola, jogada ao rabo,
contra um cãoAquilino Ribeiro

Só os rafeiros é que andam de pata estendida, sujeitando-se ao humor do dono!
Nas últimas semanas, a caravana autárquica percorreu o país, repetindo um número patético: tambores, cabeçudos e figurantes percorreram, apressados, as ruas e as praças, vozeando, sem uma visão de como o poder local pode ajudar o poder central a livrar-nos da esmola do Diabo...
Pelo contrário, parece que, no próximo domingo, o eleitor vai ignorar  os sicários da nação.
E atenção! A culpa não é do Diabo!
Cachorros fomos, cãezinhos semos!
 

25.9.13

A sua Escola já não existe!

Ultimamente, pareço querer tudo compreender e, sobretudo, interpretar, e, não contente, desatei a querer ensinar a compreender e a interpretar.
Recorro ao texto e ao intertexto, ao tema e à isotopia, sem esquecer o sema, ponho em ordem a cronologia, dando relevo à analogia, percorro o Parque Mayer, desço a Avenida e, sem saber como, chego ao cais de Alcântara, com uma breve passagem pelo Ralis.
Sonho com os mares de Timor e tropeço na beatitude dos meus ouvintes que, respeitosamente, preguiçam à espera do inexistente toque da campainha...
 
E subitamente a VOZ do Além: - Ó homem, acorde! A sua Escola já não existe! Foi extinta!

24.9.13

Notas por resgatar

  1. De cada vez que o primeiro ministro sofre uma contrariedade lá vem a promessa de que irá rever a lei. A oposição que se cuide! Vai ter que acompanhá-lo no ajustamento da Lei à sua "realidade". No caso, o senhor não prescinde da televisão!
  2. Se bem percebi o fidalgo das laranjeiras está contra os candidatos a autarcas que «não sejam de boas contas ou não saibam fazer contas».  Este mesmo fidalgote acaba de recuperar o significado original do termo "freguês"- o habitante da freguesia. Um contributo assinalável para a recuperação da língua portuguesa!
  3. O ministro das piruetas acaba de reconhecer que as crianças, afinal, devem ser iniciadas na língua inglesa. Sem esquecer o ensino educacional! Parece que as crianças que optem por este ensino serão mais felizes e mais educadas... acabo de ouvir um jovem que deixou de «chamar nomes» aos professores e sobretudo de faltar à escola. Os patrões poderão, assim, moldar os novos operários e pagar-lhes o que bem entenderem.  Um bom exemplo de flexibilidade...
  4. Com tantos sinais de recuperação da economia, não se percebe porque é que se continua a falar de "resgate"!
  5. Com a natalidade a decrescer e a mortalidade a crescer, hoje terá sido um dia triste para a Caixa Geral de Aposentações e para a Segurança Social. Não consta que algum poeta tenha morrido neste país onde a poesia vive de subsídios...

23.9.13

António Ramos Rosa

Entrega-se
como para morrer
mas não morre

É demasiado rígida
e não tem gretas
não estremece

Cai
vai caindo
sem atingir o repouso
sem oferecer o rosto

à terra
que ela chama

(JL, Ramos Rosa, 13.11.1990)


Rosa, António Ramos[1] (17.10.1924 -21.09.2014). Fez estudos liceais no Algarve (Faro, até ao 6º ano do Liceu) e trabalhou como empregado de escritório, actividade que abandonou, sendo explicador e tradutor (durante mais de 20 anos). Foi co-responsável pela edição das revistas: Árvore; Cadernos do Meio-Dia. Foi um elemento activo do MUD Juvenil, tendo sido presidente da Comissão Distrital de Faro. Esteve 3 meses preso no Aljube por ter subscrito um manifesto por ocasião da comemoração do 5 de Outubro de 1947. Considera-se um antifascista genuíno, simpatizando com a democracia directa. Entende a poesia como forma de conhecimento, como arte do impossível, um acto fundador, para dissipar o que está escrito[2]. Em 1971, Ramos Rosa rejeita o Prémio Nacional de Poesia, concedido ao livro “Nos Seus Olhos de Silêncio”, porque se aceitasse entraria no jogo de compromisso com o fascismo.[3] Quanto às influências de João Cabral de Melo Neto, considera-as muito pequenas[4]. É de 1958, o seu poema «O funcionário cansado”: / Sou um funcionário apagado / um funcionário triste / Obra: Grito Claro (1958); Viagem através duma Nebulosa (1960); Poesia, Liberdade Livre (ensaio, 1962); Ocupação do Espaço (1963); Construção do Corpo (1969); Nos seus olhos de silêncio (1970); Não Posso adiar o Coração (1975); As Marcas no Deserto;[5]  Gravitações (1983); Incisões Oblíquas (ensaio, 1988); Acordes (1989)[6]; Pátria Soberana (2001); Os Volúveis Diademas (2002), ed. Ausência; Em 1988, recebeu o Prémio Pessoa pelo conjunto da sua obra. Para A. Ramos Rosa: «a prática poética ou artística é sempre um fenómeno social que só se justifica e identifica pela sua inerente capacidade subversiva.»[7]

(Nota de leitura necessariamente incompleta.)


[1] - Não posso adiar para outro século a minha vida / nem o meu amor / nem o meu grito de libertação / não posso adiar o coração. // Não posso adiar / ainda que a noite pese séculos sobre as costas / e a aurora indecisa demore./
[2]  - / É preciso queimar os livros e calarmo-nos / Esta é a matéria bárbara a matéria viscosa /
[3] - Entrevista conduzida por José A. Salvador, Diário Popular.
[4] - No entanto, reconhece influências de Drummond de Andrade e Paul Éluard, assim como dos poetas espanhóis da geração de 27  (Guillén, Vicente Aleixandre e Pedro Salinas). E ainda dos norte-americanos: Theodore Roethke e Wallace Stevens.
[5] - Livro oferecido aos 80.000 jovens que se reuniram em Bolonha, em 1977.
[6] - Prémio de Poesia APE /CTT.
[7] - Entrevista dada a Baptista-Bastos, a 9 de Abril de 1981.