1.10.14

O atleta e a cadeira - incidente crítico


Pensar-se-ia que hoje nada de significativo poderia acontecer na rotina escolar de uma turma do 12º ano de escolaridade: o atraso na chegada e a pressa de partir mantêm-se.
Convém clarificar que tal não acontece com todas as turmas. No entanto, as turmas de Línguas e Humanidades insistem em desprezar a pontualidade e o rigor, e em apostar na vulgarização e na boçalidade. Claro que há exceções! É em nome dos alunos pontuais, dispostos a aprender que, aqui, registo episódios que não deveriam ter lugar...

Hoje, o atleta, vindo da aula de Educação Física, apresentou-se, arrastando uma cadeira arrancada à galeria, sob o pretexto de que esta era mais confortável - ela permitia-lhe acomodar melhor a coluna que teria sido submetida a esforço doloroso durante um qualquer exercício não especificado...
A cadeira acabou devolvida à galeria...
Entretanto, umas horas mais tarde, descobri que a cadeira fora introduzida na sala sob o pretexto de que não haveria o número necessário de cadeiras na respetiva sala...


30.9.14

Estou farto de engraçadinhos que pedem desculpa


Estou farto de engraçadinhos que só sabem fazer associações espúrias. Vivem da piada boçal, do sorriso trocista, do desconhavo patético... Desprezam quem é zeloso e procura, a cada passo, aprender...
Chegam atrasados, interrompem descaradamente o trabalho em curso, e acreditam que "pedir desculpa" é quanto basta. Nunca ouvem nem registam uma instrução; deixam o manual fechado e fazem-se surpreendidos quando são chamados a modificar o comportamento...
O problema é que são os engraçadinhos que fazem carreira política e acabam por nos governar. E foi na escola, na minha escola, que aprenderam a "pedir desculpa"!
 
Um destes dias, bato com a porta!

29.9.14

O Estado Português contra o Estado Islâmico...


Portugal prepara-se para participar na coligação contra o Estado Islâmico. Quer dizer: o Estado Português decide participar na coligação "mundial" contra um "estado" que não existe...
E não existe porque, pelo menos, na primeira fase, o que está em causa é a ocupação de território, vitimando todos os que encontram pelo caminho.
O que significa que há um território "indefeso" porque os Estados que, supostamente, deveriam assegurar a sua defesa são fracos...
E é essa fragilidade dos Estados que é preocupante, porque ela é cada vez mais dependente da coligação mundial de interesses. 
 
A Nação Portuguesa é, hoje, dirigida por um estado fraco, que abandona grande parte do seu território, tornando-o indefeso, deixando-o ao alcance de uma qualquer horda que resolva ocupá-lo.
 
O que eu não compreendo: Como é possível aceitar falar de um "Estado Islâmico"? Será que este novo Estado é construído por uma Nação Islâmica?  Qual é verdadeira causa da ação de destruição levada a cabo no Oriente Médio? 
O que eu desconheço: Quais são os verdadeiros efeitos da ação de bombardeamento aéreo levada a cabo pela Coligação?
O que me deixa perplexo: Todos dias se fala do Estado Islâmico como um identidade, mas ninguém se preocupa em criar um Estado Arménio, um Estado Curdo? Será que o Estado Português tem alguma coisa a dizer sobre esta matéria ou, apenas, está interessado em obedecer às ordens da Coligação?
 

28.9.14

A desilusão do povo português

A maioria dos comentadores políticos repetem diariamente que o povo português está desiludido com a classe política.
Duvido! Se tal fosse verdade, o povo ter-se ia revoltado e teria deitado pela borda fora políticos e apaniguados.
O desfasamento entre a ação política e o interesse doméstico e pessoal é de tal ordem que até os anarquistas foram varridos das ruas e das páginas da imprensa escrita e do audiovisual...
A desilusão pressupõe um período de ilusão, de sonho, de utopia. Ora, as últimas gerações mais não têm feito que revindicar uma fatia do bolo...
E o dia de hoje não altera nada! A corrida continua a ser à partilha do orçamento! Quanto ao povo, este dorme, dorme, dorme... 
 
Quem está desiludido, sou eu!
 

27.9.14

Carlos Moedas e os brinquedos para porcos…

Vivo há anos preocupado, nem vou dizer com o quê, porque ninguém quer saber das minhas preocupações. Mas como não quero ser egoísta, estou aqui a pensar no azar do futuro  comissário europeu Moedas que vai ter de distribuir 80 mil milhões de euros, ele que se habituara a cortar, a torto e a direito na fazenda do vizinho.

Parece que na próxima 3ª feira, Moedas terá que responder a 40 perguntas para ficar a saber se é o homem adequado, não para cortar, mas para distribuir tantos milhões pela ciência, pela  investigação e pela inovação. Cavaco já disse sim – que era o melhor que nos poderia ter acontecido! Pelo que lhe disseram, porque, de verdade, há muito que não tem certezas…

Como acredito que a esta hora Moedas esteja a ser submetido a uma redentora sabatina jesuítica, apelo a que oiça atentamente a emissão desta tarde da TSF, transmitida do Montijo. Acabo de ouvir que uma parte desses milhões pode ser aplicada na produção de brinquedos para porcos…

Se não tiver tempo de ouvir a referida emissão, lembro-lhe que, em Bruxelas, estão reunidos 60 sábios porcinos a discutir o tipo  e a duração dos brinquedos que os porcos podem utilizar durante  os  tempos livres.

Caso uma das 40 perguntas incida na ocupação do tempo dos digníssimos suínos, recordo ao Doutor Moedas que um porco vive, em média, quatro meses. Se retirarmos o tempo que passa a dormir, a comer e (…), ainda sobra muito tempo para brincar. Há, no entanto, uma questão que algum arguto membro do júri lhe poderá colocar: – Será que um porco ficará feliz, melhorando a  qualidade do presunto, se o produtor lhe oferecer uma bola?

Cuidado Doutor Moedas, esta resposta obriga a conhecer os porcos, e não só os dos montados alentejanos. É uma das áreas de investigação mais prementes para a defesa do bem-estar do porco europeu, muito distinto do porco do Tio Sam e do Terceiro Mundo.

A TSF ensinou-me hoje que uma bola não é um brinquedo satisfatório para o porco europeu. Ao fim de 15 dias de brincar com a bola, mesmo se do CR, ele sente-se enfastiado…

Em conclusão, Doutor Moedas, se quer ganhar o lugar não se esqueça do bem-estar do porco europeu e, consequentemente, do nosso e, em primeiríssimo lugar, do seu.

26.9.14

O interlocutor

Já não encontro ninguém que reconheça que de determinado assunto nada sabe. Desconheço se o estado do conhecimento atual deve ser considerado como sincrético…

Em cada ação verbal pressinto que o interlocutor detesta que lhe seja atribuído esse estatuto. O interlocutor moderno finge que ouve e acredita mais no que vê… os restantes sentidos, entretanto, vão definhando se algum dia desabrocharam…

O  interlocutor não dá tempo ao locutor. Rasura-o e cavalga-o despudoradamente, mesmo que para isso tenha de desconversar, de mentir, de amalgamar. O  interlocutor galopa numa estrada de ambiguidade e de ambivalência…

O interlocutor desconhece o silêncio e o deserto e o abismo…

O interlocutor, apavorado, despreza o nada.

O  interlocutor não descansa enquanto não mata o locutor. Não aquele que há em mim, mas o que há em si! O interlocutor é um génio e eu sou o NADA.

25.9.14

Dos que mentem e furtam com unhas políticas

« A primeira máxima de toda a Política do mundo é que todos os seus preceitos se encerram em dois: o bom para mim e o mau para vós.» Anónimo do séc. XVII, Arte de Furtar.

No dicionário da política portuguesa, os termos "mentira" e "furto" ocupam lugar de relevo. Não há dia em que não sejamos confrontados com uma nova mentira ou um novo furto, com a particularidade dos protagonistas já não se satisfazerem só com o furto ou só com a mentira...
Será necessário nomeá-los?
(...) 
Há por aí uns tantos comentadores bajuladores, preocupados com a governação da res publica, que, confrontados com a venialidade dos seus mentores, acabam de descobrir que, neste país, para ser político é necessário ser santo.
Ao ouvir pensamento tão beato, não pude deixar de associar duas ideias: a) Só chega a santo quem faz carreira como pecador; b) nos últimos dias, os governantes têm vindo a reconhecer os seus pecados, pedindo desculpa aos fiéis e, até, aos infiéis...

Afinal, não há motivo para desesperar: os pecadores já estão a subir ao Céu. Só que o Céu deles fica, cá, na Terra. 
/MCG

24.9.14

À conversa com um aluno

Professor,
Li hoje no seu 'Blog' o texto: «Sou contra os TPC por princípio.»
E agora, sendo contra os TPC não por princípio, mas por meio e fim, fiquei também contra a ideia do professor (que não entendi bem se o professor a defendia realmente ou estava apenas a ser irónico...).
Não vejo qualquer problema em que os alunos peçam ajuda aos professores e que se aproximem deles para tirar dúvidas, acredito até no benefício que um tempo dedicado apenas a essa tarefa, conhecido como "Apoio", possa trazer. Mas será no fundo esse o problema? Vamos agora aumentar a carga horária de forma a que todos os alunos façam aquilo que não fizeram nas aulas?
Parece-me que é uma decisão pouco considerada...
A meu ver, existem dois tipos principais de alunos que não "progredirão ao ritmo exigido", aqueles a quem não lhes interessa progredir, aos quais eu chamo 'desinteressados' (e com os quais vejo demasiada gente não se "ralando") e aqueles que até são interessados, mas não conseguem progredir (sabe Deus porquê, julgo eu).
Estes últimos parecem-me aqueles para quem o "Apoio" deveria ser a solução.
Mas sendo franco, parece-me que qualquer um com ou sem dificuldades, pode procurar informação, interessar-se por ela, desenvolvê-la e evoluir com isso.
Os trabalhos de casa não deveriam ser uma obrigação, mas sim um interesse do aluno; parece-me que a ideia do trabalho de casa ser obrigatório e verificado é perigosa. Inverte-nos as ideias, deixa de ser uma tarefa para o aluno e passa a ser uma tarefa do professor.
Com a habitual exaltação,
Manerix Ventus

Poucos são os alunos que têm a coragem de abordar questões que são decisivas para a vida familiar e, sobretudo, para a consolidação da aprendizagem realizada na sala de aula. Manerix Ventus é uma exceção: fá-lo sem tibiezas.
Compreendo que possa surgir o temor de que o tempo vivido na escola pudesse aumentar, caso os TPC fossem realizados na Escola e não em Casa. Esta decisão, a ser tomada, exige uma clarificação da matriz curricular de cada ciclo de estudos e, consequentemente, do tempo necessário à sua aplicação.
Por outro lado, as tarefas de consolidação das aprendizagens não visam substituir a inatividade a que muitos alunos se entregam durante os tempos letivos - até porque, em regra, essa falta de aplicação é substituída, com claro prejuízo para os restantes alunos, por comportamentos informais de quem se encontra numa esplanada...
Na perspetiva de Manerix Ventus compete ao aluno procurar o apoio de que necessite em fontes diversificadas e não apenas no professor, deixando de ser um sujeito passivo às ordens de pais, tutores, professores, explicadores... Só posso concordar, apesar desta assunção da responsabilidade pelo aluno estar condicionada pela idade e, particularmente, pela sua maturidade...
Finalmente, quero tranquilizar o meu interlocutor, pois ele desconfia que eu esteja a ser irónico ao colar-me ao enunciado "Sou contra os TPC por princípio.» Como deve ter entendido, eu não prezo os TPC, pois, em muitos casos, eles são sinónimos de pouca inteligência, apesar de exigirem repetição e memorização.
A IRONIA, se existe, resulta da incapacidade do sistema educativo em encontrar estratégias de consolidação da aprendizagem que não provoquem instabilidade familiar, sobrecarga física e desperdício de tempo e de recursos materiais e humanos...
A IRONIA, se existe, resulta da incapacidade de PENSAR e de FAZER PENSAR.
Obrigado, Manerix Ventus!

23.9.14

O reino deles é o pronto-a-vestir

Os meus alunos detestam alfaiates; preferem o pronto-a-vestir!
Tirar as medidas, fazer as provas não é com eles. Hoje, revi-me no alfaiate, atento aos detalhes, convencido de que o todo só assentará que nem uma luva se por  trás houver um protótipo a suplantar... Ainda pensei que faria sentido que ignorassem a Odisseia ou a Eneida, mas o fastio é mais extenso. Pouco lhes interessa que a Epopeia lusa celebre os heróis (navegadores, reis e outros que, por mérito, se foram libertando da lei da morte) e menos ainda os preocupa que, no seu tempo, o Poeta denunciasse a apagada e vil tristeza que se apossara dos dirigentes, a começar pelo rei...  
O reino deles é o pronto-a vestir!   

O debate entre Seguro e Costa deveria ter decorrido numa barbearia (ou numa alfaiataria). Lá há tesouras, há navalhas que bem poderiam ter utilizado para que nos víssemos livres deles. Dum PS fratricida! Também, o reino deles é o pronto-a-vestir!  

22.9.14

O contrato de leitura

A Revolução» de que ele e os seus amigos nunca paravam de falar seria como apontar um lança-chamas a tudo, até restar apenas terra queimada, e depois - bem, era simples - ele e os seus amigos reconstruíriam o mundo à imagem deles. Uma vez vista, esta realidade tornava-se óbvia, mas depois havia que enfrentar um pensamento: como podiam pessoas incapazes de organizar as suas suas próprias vidas, que viviam em permanente desordem, construir alguma coisa que valesse a pena?" Doris Lessing, O Sonho mais Doce, editorial Presença, pág. 59 

Passo os dias a pedir aos meus alunos que, na apresentação oral e escrita da obra lida, em vez de se enredarem interminavelmente no enredo, aproveitem para destacar o que terão aprendido durante a leitura...
O excerto de O SONHO MAIS DOCE, de Doris Lessing, é um bom exemplo do que é possível apresentar e debater com os colegas de turma (e não só!)...
Nos anos 60 ( tal como nos anos 70, em Portugal), a Revolução fazia parte do discurso quotidiano das juventudes europeias; o que era necessário era deitar abaixo as instituições e depois se veria... E é neste "depois" que tudo se torna caótico, porque, afinal, os modelos da "revolução" eram totalitários... Os jovens que detestavam os pais, que abandonavam as escolas, que viviam em "comunidades" só podiam reconstruir o mundo à sua própria imagem...
São estes jovens (e os seus filhos) que, hoje, governam o mundo - um mundo igual ao dos seus pais, embora mais precário e asfixiante...
Terá valido a pena?

21.9.14

Um ministro polémico que a quase tudo diz NÃO...


Pessoalmente, NÃO vejo qualquer motivo para considerar o Doutor Nuno Crato "uma personalidade polémica". 
Sempre gostei de ler entrevistas, só que as respostas de Nuno Crato a João Céu Silva (DN 21 de setembro de 2014) deixam-me frustradíssimo.
Quando leio uma entrevista, procuro compreender o pensamento do entrevistado, o móbil das suas ações.
Ora o pensamento e a ação de Nuno Crato são fáceis de configurar. SeNÃO, vejam:

  • O director-geral NÃO faz parte da equipa governamental... 
  • NÃO estou de acordo com essa perspectiva...
  • NÃO, NUNCA afirmei isso...
  • NÃO estou a comentar sobre o futuro
  • SEMPRE tive um relacionamento muito bom com o ministro Vítor Gaspar...  
  • A educação é o futuro do país...
  • NÃO tenho reparado nisso ...
  • NUNCA o vi a incentivar jovens à emigração...
  • A educação é o setor do país que afeta mais pessoas...
  • NÃO queria entrar nesses pormenores ...
  • NÃO é verdade...
  • NÃO o diria...
  • Alguns comportamentos NÃO são aceitáveis...
  • NÃO sei responder caso a caso...
  • NÃO sei dizer o que são mega-agrupamentos...
  • NÃO preciso de um segundo mandato.
  • NÃO é um assunto que conheça o suficiente.
  • NÃO há despedimento de professores contratados, nem conheço algum professor despedido.
Li a entrevista e fiquei cansado. Felizmente, o ministro confessa que NÃO precisa de um segundo mandato...

20.9.14

«Sou contra os TPC por princípio.»

«.... da mesma forma que eu não tenho qualquer autoridade na elaboração de um exame, na escolha das disciplinas que são leccionadas aos meus filhos, na forma e no ritmo com que o professor dá as aulas, também a escola não deve invadir o nosso final do dia e apropriar-se de um tempo que não é seu por direito. Os trabalhos de casa são uma espécie de tempo roubado aos pais, às famílias e às crianças.» Inês Teotónio Pereira, i 20 setembro 2014

Hoje, sábado, enviei um mail a 75 alunos a especificar o trabalho de casa, a curto e a médio prazo. Fi-lo por falta de tempo, pois, na sala de aula, continua a haver alunos que pensam estar em casa - despreocupados e a preguiçar...

Inês Teotónio Pereira é contra os TPC, porque estes roubam tempo «aos pais, às famílias e às crianças». 
Por uma vez concordo, até porque há muitos alunos que, sobretudo, ao fim de semana, passam o tempo a mudar de casa: ora, a mãe; ora, o pai; ora os avós... 
O problema é que, sem tarefas de consolidação das aprendizagens, os alunos dificilmente progredirão ao ritmo exigido.
Então, como resolver o problema sem perturbar mais a vida familiar?

Creio que há uma decisão que poderia ser tomada pelo MEC, agora que as escolas adotam, na sua maioria, o turno único: As tarefas de consolidação de aprendizagem seriam feitas na escola, com supervisão de professores contratados para tal função.

... Os alunos não necessitariam de transportar os materiais escolares de casa para a escola e da escola para casa; as tarefas de consolidação de aprendizagem eram verificadas de imediato; os pais deixariam de culpabilizar os professores; o desemprego diminuiria; o sucesso escolar aumentaria...

19.9.14

740 mil milhões de euros


« No final de Julho, o endividamento total da economia portuguesa atingia os 444,3% do produto interno bruto do país, o que representa um peso de 740 mil milhões de euros que o sector público e privado têm às costas.» i, 19 setembro 2014

Estes dados, em termos de educação, exigem um programa nacional de combate à iliteracia económica e financeira. Porém, o MEC não dá nenhum sinal de que querer contribuir para a necessária mudança de mentalidade... 
As consequências estão à vista: uma classe política inapta que, no entanto, sabe que não corre o risco de ser afastada do poder, pois o sistema educativo está desenhado para perpetuar a iliteracia de qualquer maioria... 

18.9.14

A culpa é dos serviços


 "Houve um erro dos serviços do Ministério, não das escolas nem dos diretores." Nuno Crato

Nos ministérios da Educação e da Justiça há demasiados e gravosos erros. Sabemos, entretanto, que a culpa é dos serviços... ou de quem os não avisou.


Os ministros surgem, também eles, como vítimas, e é nesse estado depressivo que se dirigem ao país e aos deputados para dizer que não têm culpa.
E eles já aprenderam a pedir desculpa em público. Se o tivessem feito no confessionário, teriam, pelo menos, de rezar um Pai nosso e uma avé-Maria... 

E a responsabilidade de quem é?  Já alguém foi demitido ou pediu a demissão?

17.9.14

Na sala de aula, o plural não passa de convenção...


Há quem não tenha coragem de expor verbalmente as suas certezas; basta, no entanto um olhar ou um sorriso ou a combinação de ambos para destapar preconceitos ancestrais...
Não é fácil combater esses estereótipos; de qualquer modo esperar-se-ia que a escolarização ajudasse a combater a bestialidade que domina as atitudes de determinados indivíduos que se consideram superiores a todos aqueles que deles se distinguem por alguma propriedade: a inteligência, a cor, a religião, a etnia, a ideologia, a idade...

Por isso, volto a insistir nas noções de ponto de vista e de visão do mundo - na multiversidade. O termo pode parecer estranho, mas anuncia a possibilidade de existirem passagens, não apenas no nascimento ou na morte, mas também entre lugares, povos, culturas, religiões. Para que tal aconteça são necessários cada vez mais línguas (interpretes) que vivam nas fronteiras dos preconceitos e que, assim, possam ajudar a compreender que a língua que falamos é expressão dos nossos estereótipos ou da nossa disponibilidade para resolver os problemas no interior das línguas, e não fora, com recurso a ferramentas destrutivas mais ou menos avançadas...

Claro que haverá quem pergunte se o multiverso existe, tão habituados que estamos ao universo. Vivemos tão intensamente os ciclos de vida que acabamos por ignorar (ou desvalorizar) os ciclos que se desenvolvem mesmo ao lado, não fossemos nós apenas EU. O plural não é mais do que uma convenção...

16.9.14

Passagens, de Teolinda Gersão


Marta “queria saber dos homens-estátua: se ainda lá estava o que se mascarava de estátua de pedra, com uma pomba batendo as asas por cima da cabeça, ao som da música de Mozart…» Passagens, A Cerimónia, pág. 152.
A Cerimónia corresponde à terceira parte do romance Passagens. Ponto de encontro e Noite são as duas outras partes de um velório interminável, em que a Morte ganha voz através da defunta, das empregadas do Lar para onde fora atirada na fase final da vida, e, sobretudo, dos familiares que, sob a forma de diálogos platónicos, procuram fazer o luto, exorcizando a responsabilidade de cada um. No essencial, a rememoração visa desfazer a ilusão de vidas que se queriam conseguidas, mas que, na verdade, eram produto de uma imaginação delirante… ( A certo momento, comecei a pensar na escrita do esquecido Augusto Abelaira…)
Da Morte à Vida vai apenas um pequeno passo, em que o acaso parece ter um papel determinante. Um passo de abertura, de passagem… Longe de Deus, tudo acaba, por ação do fogo, devolvido aos restantes elementos primordiais.
Ana 2: «Como imaginas a passagem?»
Ana 1: «Sem sobressaltos, previsível. Apenas um regresso aos elementos, ao ponto de partida. Através do fogo voltar à terra, ao ar, à água. Continuar a fazer parte do ciclo da vida.» op.cit., pág. 129
De leitura rápida, este romance bem construído, revelador da fragilidade das relações familiares, levanta-me, no entanto uma questão: qual é o seu destinatário?

15.9.14

Carta de Maria de Lurdes Rodrigues

Apesar da desvalorização profissional e salarial a que os professores foram submetidos, publico esta Carta porque sempre tive a sua autora como uma mulher trabalhadora, determinada e honesta.

Como acontece frequentemente na atividade política (e não só), a consciência pessoal não é determinante: a rede de interesses e de influências esmaga a determinação e a honestidade do decisor, sem que este consiga romper a malha que o aprisiona...
Em política, não há mãos limpas!

Carta enviada hoje por Maria de Lurdes Rodrigues em reacção à sentença da Justiça:

Posição sobre a sentença
1. A sentença proferida neste caso é de uma enorme injustiça. Reafirmo que não cometi qualquer crime e que não desisto de lutar para que se apure a verdade e seja feita justiça. Tenho grande orgulho em ter servido o meu país como ministra da Educação e de, em todos os momentos, ter dado o meu melhor na defesa do interesse público. Regressei à minha atividade profissional no ensino e na investigação e tenho orgulho do trabalho que entretanto realizei. Nunca me dediquei a traficar influências ou favores. Vivo hoje, como no passado, exclusivamente do meu trabalho.
2. Fui acusada do crime de prevaricação de titular de cargo público por, alegadamente, ter beneficiado João Pedroso solicitando-lhe um trabalho jurídico que não seria necessário, através de procedimento ilegal. Ignorando-se o que se passou no julgamento, daquelas acusações resultou a minha condenação. Ora, no julgamento fez-se a prova de que: — o trabalho era necessário. As testemunhas ouvidas, incluindo quatro ex-ministros da Educação (dois de governos do PS e dois de governos do PSD ou PSD/CDS), confirmaram a necessidade e importância do trabalho solicitado e a inexistência de recursos jurídicos internos para o realizar; — as decisões por mim tomadas foram legais. Fazem parte do processo um relatório do Tribunal de Contas e um parecer jurídico do Professor Mário Esteves de Oliveira que demonstram a legalidade dos atos por mim praticados; — eu não conhecia João Pedroso, não tinha com ele relações de amizade, profissionais ou outras, nunca tinha desenvolvido com ele qualquer atividade profissional ou política nem tinha, com ele, qualquer afinidade político-partidária.
3. Além de injusta, esta sentença é de enorme gravidade, constituindo um precedente que põe em causa princípios básicos do Estado de direito e do regime democrático. De facto: — fui condenada sem qualquer prova direta da acusação que me foi feita (como foi, aliás, reconhecido pelo próprio Procurador nas suas alegações 2 finais). Para a prática do crime de prevaricação é necessário que o titular de cargo político tenha decidido conscientemente contra o direito e com intenção de prejudicar ou beneficiar alguém. No julgamento não houve uma única testemunha nem existe um único documento que indique ter eu agido com consciência de não cumprir a lei. Pelo contrário, ficou provado que decidi com base em pareceres dos juristas do Ministério. Como não houve a mínima prova de que tivesse intenção de beneficiar a pessoa contratada. Faz parte do processo um parecer do Professor Figueiredo Dias que, analisando os factos e argumentos da acusação, confirma a inexistência, neste caso, de qualquer crime; — a fundamentação da sentença viola o princípio da separação de poderes. As instituições de justiça podem e devem julgar a legalidade ou ilegalidade dos atos praticados, não a sua necessidade ou justificação política; — houve, neste caso, uma instrumentalização da justiça no âmbito de conflitos político-partidários. A ideia do putativo crime nasceu na Assembleia da República em 2008, com intervenções de deputados do PSD e do PCP. Foi, aliás, um deputado do PCP que apresentou, na Procuradoria, a denúncia caluniosa em que todo este caso se baseia; — a argumentação usada pelo Ministério Público na acusação, bem como pelo tribunal durante o julgamento, revelam a existência de preconceitos sobre os políticos, em particular sobre os políticos que exerceram ou exercem cargos governativos.
4. Lamento que, no Portugal democrático e num Estado de Direito, seja possível usar o sistema de justiça para perseguir pessoas apenas porque exerceram cargos políticos ou porque, nesse exercício, defenderam escolhas políticas diferentes das dos queixosos, ou dos instrutores, ou dos julgadores. O sistema de justiça existe para apurar e provar inequivocamente a prática de crimes, não para perseguir pessoas cujo único “crime” terá sido o de aceitar o desafio de servir o seu país. Continuarei a lutar pela minha absoluta absolvição, eu que não devia ter sequer sido acusada. Continuarei a lutar pela verdade e pela reposição da justiça a que tenho direito.
Lisboa, 15 de Setembro de 2014 
Maria de Lurdes Rodrigues

14.9.14

Jorge Pedreira e o preço dos manuais escolares

a) «Eu acho que um produto de menor qualidade tem consequências pedagógicas porque degrada a relação do aluno e do professor com o manual escolar
b) « A ideia do livro único funciona em sociedades muito pobres - como os países africanos de língua portuguesa, em que as famílias não têm qualquer capacidade de comparticipar a compra de um livro.»
            Notícias Magazine, 14 de setembro de 2014, Vida Inteligente

Jorge Pedreira, sociólogo, ex-diretor geral do ensino superior, ex-secretário de Estado adjunto e da Educação ( responsável pela lei de controlo de qualidade dos manuais) e atual presidente do conselho de administração da UnyLeyatem um rico currículo, mas é um homem que deturpa a realidade.

Quem ler a entrevista compreenderá que nos Estados Unidos há estados pobres em que «os manuais são feitos em papel mais barato; os conteúdos são os mesmos, mas os custos de produção são substancialmente mais baixos» e que a Portugal, país rico, interessa mais preservar a qualidade dos manuais, mesmo que isso implique apoios do Estado aos que conseguem fazer prova da sua pobreza... 
Para Jorge Pedreira, num país rico e democrático, o livro único não faz qualquer sentido. O livro único é um privilégio dos países muito pobres da África lusófona...
Nós não somos muito ricos, por exemplo, não somos a Noruega, mas, no entendimento de Jorge Pedreira, somos mais ricos do que alguns estados da América do Norte e, sobretudo, de África, como Angola, Moçambique... Ou será que estava a pensar na Guiné Bissau?
O problema é que em Portugal os ricos confundem a árvore com a floresta para proteger os interesses: privados e pessoais.
/MCG

13.9.14

Homens de mão...


A instituição liderada por Carlos Costa diz que o novo conselho de administração do Novo Banco será conhecido "logo que concluídos os procedimentos prévios exigíveis". O Económico sabe que esse anúncio pode ser feito nas próximas horas.
Vítor Bento sai do NOVO BANCO porque não concorda com o patrão - Carlos Costa. Houve tempo em que pensei que o Governador, amigo de Cavaco, servia o Presidente, mas estava enganado...
Carlos Costa serve Catroga e os delfins Coelho e Albuquerque e, em primeiríssimo lugar, a TROIKA. Por seu turno, Vítor Bento, o conselheiro de Cavaco, serve o Presidente, e a sua demissão vem mostrar que o Presidente já não manda nada...
Quanto à oposição, esta ainda não compreendeu que, depois da adesão ao euro, o futuro de Portugal seria de desmantelamento de tudo o que pudesse ser expressão de alguma soberania... na saúde, na educação, na economia, na justiça, na finança...
Quem é que nos explica quais são "os procedimentos prévios exigíveis" à designação do novo conselho de administração?
Ou seja: teremos nova administração para desmantelar o que sobra do BES, quando os mandantes encontrarem os homens de mão...

12.9.14

Ainda que tivesse a voz de ferro...


Ainda que tivesse a voz de ferro (Camões, Os Lusíadas, Canto V, estância 16) de pouco serviria insurgir-me contra a displicência humana.
No ano letivo que agora se inicia, regresso mais uma vez à Epopeia lusitana com a mesma sensação: ninguém lê a obra, ninguém quer ler o Épico, o único épico que experimentou a matéria de que a obra é constituída...

Constou-me que vai nascer mais um partido - democrático e republicano ou será republicano e democrático? Aposto desde já que uma das primeiras vítimas será Camões!

Substituamos, entretanto, a voz de ferro pela voz de veludo, e pode ser que surja algum jovem que contrarie o meu cepticismo, lendo, por exemplo, um pequeno conto de Pepetela: «Estranhos Pássaros de Asas Abertas»: 

«E passaram atrevidamente ao largo dele, imparáveis, os barcos daqueles espíritos indómitos que tiveram o valor de vergar as vontades dos deuses. Mas que outros deuses e valores irremediavelmente ofenderam.»


11.9.14

Ao aludir à Varanda do Município...

Sabemos que  Seguro odeia todo o tipo de promiscuidade. Em Penamacor, país natal do Secretário Geral,  ele nunca viu com bons olhos a familiaridade entre homens e animais. No entanto, lá aprendeu que tratar “por tu” não só iguala, como, em tempos pretéritos, rebaixava o interlocutor…
Surpreendido com tal cortesia, comecei a interrogar-me sobre o verdadeiro motivo de Seguro. Ontem, finalmente, percebi  que a alusão à varanda do município serviu para situar o adversário. Costa é, na essência, um candidato promíscuo: Costa foi viver para o Intendente! Costa recebe nos Paços do Conselho o Jorge Jesus e o Luís Filipe Vieira – homens que preferem o “tu” a qualquer outra forma de tratamento! Costa promove as noivas e os noivos de Santo António, esse santo menor que se habituou de tal modo à promiscuidade que falava com os peixes e as aves… sem, todavia, descurar os pregadores… Ao Costa só lhe falta fazer como "os querubins do lar" de Cesário Verde…

Quanto a Seguro, que bem lhe faz o ar do campo! Domina tudo o que cerca...
É pena que esteja de costas para a linha do Horizonte…

10.9.14

O homem até pode ser seguro, mas não tem futuro

Dois portugueses simpáticos que se odeiam! Olham e sorriem para o respetivo espelho...
O "ofendido" até pode ser seguro, mas promete o que, a ser verdade, nenhum eleitor deseja: um candidato que, de antemão, anuncia instabilidade. Sem maioria absoluta não pode governar; com ela, demite-se se a TROIKA o obrigar a subir os impostos... Imagina-se soberano de um país sem soberania!
O "traidor", mais florentino, pouco promete, a não ser que não fará alianças com o PSD e o CDS. Admite governar sem maioria absoluta, mas não diz objetivamente se o fará com o PCP e com o Bloco de Esquerda. Por outro lado, promete unir o Partido. Mas como se deliberadamente provocou a cisão entre os militantes e mesmo entre os simpatizantes?
Nenhum deles diz uma palavra sobre o modo de resolver o problema que, já em 1942, Salazar equacionava: Como conciliar a dependência económica com a independência política?
/MCG

9.9.14

Cercado

Quando determino um objetivo, procuro cumpri-lo em função do bem comum e pessoal. Avanço sem rodeios, embora frequentemente me veja agir de forma cortês, quando o mais adequado seria o soco e o pontapé...
Sei, por outro lado, que o caminho mais curto nem sempre permite atingir a desejada meta. A cada momento, revejo o objetivo e a circunstância e, na maioria dos casos, sinto-me cercado por fatores endógenos e exógenos.
Quando os fatores são endógenos, ciente de que para tudo há um limite, avanço passo a passo, lastimando qualquer cedência, qualquer recuo: no entanto, o dia de hoje só pode ser a antecâmara do de amanhã, mesmo que a luz se extinga definitivamente. Neste caso, nada perco; a vida é razão suficiente.
Quando os fatores são exógenos, ciente de que tudo se expande à ordem da ininteligibilidade, avanço em círculo, esperando não incomodar ninguém, se possível facilitar-lhe o caminho: despendo anos, dias, horas..., sem nada esperar em troca a não ser um pouco de tranquilidade que me permita avançar passo a passo...  
Talvez seja por isso que não compreendo porque há sempre alguém pronto a acusar-me de ações que eu nunca pratiquei, alguém que me atribui um poder que eu não tenho, nem nunca tive.
Talvez seja por isso que não compreendo a falta de ponderação... a ausência de razoabilidade.

/MCG

8.9.14

Razão e emoção

Poderá a razão agir indiferente à emoção? Se isso fosse possível, tal significaria que o coração não se deixaria abalar pelos estímulos sensoriais...
Uma das formas de iludir a intranquilidade quotidiana é o recurso à placidez, à paciência. Receio, todavia, que a paciência mais não seja do que uma manifestação de masoquismo e de auto-controlo.

Tantos são os estímulos negativos recebidos pelo coração!Mas ninguém quer saber, tal é o egotismo reinante... 

7.9.14

Menos que zero….

Na política como no desporto, na saúde como na educação, na justiça como na segurança, caímos num lugar indescritível. Poder-se ia pensar num não-lugar, mas infelizmente o lugar  é de violência, fraude, mentira, saque, desrespeito, ignorância… De nada serve procurar os rostos, porque todos somados são menos que zero…

E menos que zero mata qualquer utopia, qualquer outro lugar alternativo a este. Escorregámos para um redemoinho sem fundo, onde vivemos  alapados às paredes.

6.9.14

Vazio

Vazio. Equipamento social vazio neste fim de tarde…

Vazio. Só as aves, periquitos de colar, pontuam furiosamente o cimo das árvores…

E eu alargo o olhar, vazio.

/MCG

5.9.14

Na Travessa dos Pescadores

Na parte antiga da cidade de Lisboa, os senhorios (?) procuram recuperar os prédios em ruínas com o objetivo de os rendibilizar. Quem entra naquelas construções vê certamente a melhoria dos espaços e das infraestruturas.
Há, contudo, dois ou três aspetos preocupantes: a estreiteza das vielas e a consequente impossibilidade de mobilizar, com a necessária celeridade, serviços de bombeiros e de saúde; a inexistência de elevadores, obrigando os inquilinos a esforços desumanos; e a pequenez das acomodações, lembrando os viveiros de outrora…
Esta ideia de conservar o antigo tem custos elevados!
( Na foto desaparecida, estava bem visível o engenho exigido para superar as dificuldades de mobilidade. Em, particular, gosto da escada lançada no vazio…)
II
Sufoco!
Não é só o calor e o mau cheiro, mas também a náusea que se vai abatendo sobre as pessoas… Para além da falta de respeito e, sobretudo, de responsabilidade… Uns tantos condenados de curta duração e muita mentira nas arenas internacionais!
Lembrei-me agora do Raul Brandão e por isso mais não digo.

4.9.14

Ler em português para conhecer


Há uns dias, José Eduardo Agualusa proclamava que o mercado do livro lusófono em Portugal não tem futuro.
Afinal, o que é que os portugueses andam a ler? Será que leem, apenas, em Inglês? Ou já deixaram de ler?
E mais importante, ainda, a leitura traz-lhes conhecimento? Ou só divertimento?

Aparentemente, em inglês, lemos livros técnicos e, em português, leríamos livros de divertimento... No entanto, os meus alunos, para se divertirem, preferem ler em inglês ou traduções de autores anglossaxónicos... Os que ainda leem!

Deste modo, ler em português para conhecer ou para se divertir é cada menos frequente. Porquê?
Onde é que devemos procurar as causas? No leitor ou no escritor?

2.9.14

A Europa Alemã

Num artigo publicado hoje no Financial Times, em conjunto com Karl Lamers, antigo porta-voz da CDU alemã para a política externa, Wolfgang Schäuble sugere que a Comissão Europeia passe a ter "um comissário europeu para o Orçamento, com poderes para rejeitar os orçamentos nacionais, caso eles não correspondam às regras que acordámos em conjunto".
O pensamento de Wolfgang Schäuble não é novidade! Já, em 1940, Walter Funk defendia na capital austríaca: «A política económica alemã tem por objetivo acabar com a atomização económica da Europa, considerando uma loucura a autarcia excessiva na qual todo o país pequeno deseja fabricar tudo, desde o botão até à locomotiva pesada.» No mesmo ano, já defendera «a intensificação de toda a vida económica no espaço vital europeu.»
Por seu turno, a 10 de outubro de 1940, Raffaello Riccardi «descrevia o alargamento da solidariedade já existente dentro do Eixo e apelava à criação de uma hierarquia económica entre as nações, que determinaria o acesso às matérias-primas; para esse efeito, os velhos impérios coloniais seriam redistribuídos.»
Encontrei estas pérolas na obra " Salazar - Uma Biografia Política" , vol. III,  de Filipe Ribeiro Meneses. No Capítulo II, Estudando a «Nova Ordem», páginas 60 e 61. 
Vale a pena comparar o projeto italo-alemão dos anos 40 com o pensamento politico alemão atual. Sobretudo, no momento em que o Sr. Putin começa a assustar a Alemanha...
E não se esqueçam de comer mais fruta e legumes: "Comam! Vocês devem comer, eu devo comer, nós devemos comer", disse o ministro Christian Schmidt em declarações à Deutschlandfunk, uma rádio alemã. 

1.9.14

O mundo, o sujeito e a máscara...


A virtude estóica é a renúncia a todos os bens do mundo e cujo curso é fatalmente determinado.

Não sei se a expressão "todos os bens do mundo" inclui o sujeito. Não sei se o sujeito pode alguma vez assumir-se como uma entidade autónoma, isto, apesar da longa tradição ocidental proclamar essa autonomia do sujeito.
Admitamos, por um instante, que o sujeito é "um bem do mundo" e que como tal se encontra "fatalmente determinado". Neste caso, que lugar haverá para a renúncia, para a passividade, para o distanciamento?Admitamos ainda que o sujeito mais não é do que "um bem do mundo", em que só este último avança ou recua, que lugar fica para a ação individual virtuosa ou viciosa?
(...)
Por este andar, chega-se à conclusão de que o Bem e o Mal (Deus e o Diabo) são uma inevitabilidade do mundo a que não podemos renunciar ou, pelo contrário, propriedades do sujeito que não pode livremente aspirar à virtude estóica...
(...)
A vida fica deste modo difícil de gerir, incapaz de compreender se é apenas mundo, se é apenas sujeito. Mas, o pior são as máscaras que se vão multiplicando e que, na representação, fingem ora ser o mundo, ora ser o sujeito.

31.8.14

O escritor no mercado


«Em relação ao futuro, o Brasil será cada vez mais um país fundamental para quem escreve em português. Ainda não é assim, mas os nossos leitores no Brasil estão e vão continuar a crescer, porque em Portugal não têm como aumentar.» José Eduardo Agualusa, DN, 31 de agosto de 2014. 

Palavra fácil e cristalina!
O escritor conhece a importância do mercado e por isso é, cada vez mais, um mercador da lusofonia. Uma boa parte do tempo, gasta-o a viajar, a promover o último livro. Encontramo-lo onde a procura aumenta, onde os mecenas gostam de produzir o acontecimento literário. 
Coitado, o escritor anda numa roda viva, tantas são as solicitações!
Por vezes, penso que a exposição pública do escritor não é muito diferente da do político. O que me aflige é não perceber onde é que eles arranjam tempo para pensar, para escrever, para agir...

A única alegria que me sobra é ter, finalmente, percebido que, neste verão, os portugueses passaram o tempo a ler - porque em Portugal (os leitores) não têm como aumentar.

PS. Creio que o mapa está desatualizado! Um dia destes, os escritores lusófonos passarão a viajar para a Guiné Equatorial... Se eu fosse escritor, estaria atento à palavra do Presidente Teodoro Nguema Obiang...

30.8.14

Os MEMORÁVEIS

Terminei a leitura de OS MEMORÁVEIS. É um romance que se lê com gosto. Li-o em menos de uma semana. Primeiro com curiosidade, depois com entusiasmo e, finalmente, com uma certa frustração. Terminadas as entrevistas aos homens de Abril, a narração procura explicar o enigmático António Machado, mas fá-lo de forma  estereotipada, criando um tempo omisso de 6 anos (2004-2010). Talvez a escritora, Lídia Jorge, tenha decidido guardar esse “tempo omisso” para o próximo romance… Veremos!

No lugar do lago, pensava colocar um banco vegetal, mas a fotografia foi interrompida por uma chamada. Na verdade, o que estou a querer dizer é que a contemplação da natureza pode reservar-nos tanto prazer como a leitura de um livro, de um semanário…

Para além da leitura e da contemplação, a vida também pode ser fruída nos seus momentos de euforia e de disforia. O problema é quando a disforia se torna dominante…

/MCG

29.8.14

Lanço de escada no Hospital dos Capuchos

Sempre que vou ao Hospital dos Capuchos, saio a pensar naqueles idosos, muitos, diabéticos e quase invisuais, armados de próteses, umas visíveis, outras invisíveis que, diariamente, são obrigados a subir um lanço de escada, situado à direita da porta que dá acesso à consulta de oftalmologia.
Sentados, em duas filas, os pacientes falam do atraso do respetivo médico, do desrespeito pela ordem de marcação: há quem chegue mais tarde e seja atendido primeiro, apesar de não ter sido recentemente operado. Alguns falam da surpresa de serem obrigados a pagar atos médicos anteriores, como, por exemplo, a dilatação dos olhos. Cada gota tem um preço!
Só ninguém dá atenção àquele lanço de escada que uns tantos, em função do diagnóstico, acabarão por subir trôpega e lentamente...
Há, apesar de tudo, uma enfermeira que valoriza a leitura e que acabou por me dizer que eu devo ser uma pessoa que gosta de livros. Ao colocar-me as gotas, ela olhava repetidamente para o livro que eu colocara na cadeira vizinha...
E aí eu aproveitei para lhe recomendar a leitura de Os Memoráveis, um romance muito bem construído e, sobretudo, capaz de nos questionar sobre o passado recente, tal como acontecia com a personagem Margarida Lota sempre que entrevistava um dos "heróis" do tempo perdido.
Finalmente, a escada surgiu-me como uma bela metáfora do ato de ler. E se, em cada degrau daquele lanço de escada, estivesse aberto um livro?

27.8.14

Os Memoráveis (i)

Na Primavera de 2004: «Pode-se dizer que em trinta anos, como é natural, a revolução, numa primeira fase, deu lugar à devolução. Depois da devolução, como é natural também, passou-se ao período normal da evolução, e da evolução, como é comum em todos os processos semelhantes, passou-se à involução, e daí à denegação,  foram apenas uns anos.» Lídia Jorge, Os Memoráveis, pág. 183.

E hoje, passados 40 anos, em que fase nos encontramos? Espero pela resposta da Lídia Jorge.

Ao ler o último romance da autora, vou pensando nos escritores românticos que não tinham receio em abordar os acontecimentos recentes, fugindo à tentação do romance histórico. Lídia Jorge situa-se nessa linha que procura influenciar a decisão, contribuindo para a abordagem da política no sentido nobre do termo.
Por isso a leitura de Os Memoráveis se torna prioritária, nem que seja para permitir uma análise descompreceituada do estado atual da nação.
/MCG

25.8.14

Farto do assédio da NOS


Por razões várias, hoje não tencionava queixar-me de nada: nem dos 3 antibióticos que sou obrigado a tomar de 12 em 12 horas, nem dos inaptos que não vale a pena identificar, nem das mentiras de quem nos desgoverna...
Só que às 21h15, a NOS resolveu atacar: primeiro para o telefone fixo, depois para o móvel.
Por causa da NOS, paguei há dias 11 euros para bloquear as chamadas anónimas. Entretanto, a NOS deixou-me em paz durante três dias, mas, como são persistentes, resolveram o problema, passando a ligar dum número identificado.
Explica-se-lhes meia dúzia de vezes que não estamos interessados, que estamos fidelizados, que não gostamos de ser assediados com perguntas sobre "quanto paga?", "quem é o seu prestador de serviços?" "se não gostaria de pagar menos?"... e desculpam-se que a culpa é do computador que parece encontrar-se em roda livre...
Mais comentários para quê? A liberdade, afinal, também serve para assediar o consumidor...

24.8.14

Os Memoráveis: há um limite para tudo...

«Há um limite para tudo, até para a memória. Sobretudo para a memória. Além de que todos seremos esquecidos.»
Esta asserção, atribuída à personagem Miguel Ângelo, encontra-se na página 104 do romance Os Memoráveis de Lídia Jorge.
Talvez seja essa a razão que levou a autora a escrever esta obra. Lídia Jorge procura, assim, combater o esquecimento e, sobretudo, a falta de informação das novas gerações. 
Temos, deste modo, aqueles que esquecem por conveniência, por excesso de atualidade ou, simplesmente, por decadência mental; e aqueles que não chegam a tomar conhecimento, porque, aos primeiros, não interessa que o passado recente se constitua semente do presente e do futuro.
Os primeiros, os que agem por conveniência, são todos aqueles que, conquistado o poder, temem que a memória da esperança e da alegria revele a sua verdadeira natureza...
Estou em crer que o romance Os Memoráveis bem poderia fazer parte do corpus de leituras recomendadas no Ensino Secundário.

22.8.14

Abílio Jorge Cosme (iiiiii)

XXVIII

Embora não soubesse o que meu ser conseguiria,
Lutei pelas rédeas que controlavam o meu destino;
Em tudo o que encontrei revelou-se-me um ser que guia,
Que fez meu drama só para me expor ao seu ensino.

Aceitei minha vida sem ser vã nem vazia,
Pois senti que trazia em mim um mestre disfarçado
Das tantas dúvidas e dos erros da minha fantasia;
Aprendi a compreender o meu destino traçado.

Tudo o que acontece parece um movimento espiritual
Que me eleva para lá da dor e do sofrimento
Ainda que na minha alma procure ser casual
No meu peito acorda o âmago do ensinamento.

Cada qual, na sua maneira de ser, quer acreditar
Que é um universo que a cada instante acontece,
Mas uma só gota de água é já o universo a meditar
A máxima perfeição do nada que somos neste ser que arrefece.

Por isso trago comigo a gota que me ilumina,
Fecho os olhos e sinto em mim a sua natureza;
Vivo avidamente o que nesse sonho predomina
Pois sei-me da essência da absoluta certeza.

Aqui liberto a minha inocência ao ingénuo acaso,
Tudo é belo e pleno, da natureza do intenso;
Vivo no tempo com a segurança de não ser prazo
Na vida, que brota confiante, imersa no imenso.

XXIX

Indagando aos vãos destinos mais resignados
Vi-me despido de ilusões num mundo de eleitos
Que vagueiam às portas da verdade, em passos desencontrados,
Na mesma ânsia que projectou meus ímpetos insatisfeitos.

Expus meu desespero, que há tanto vigorava sem resposta,
Ao esclarecimento da sageza de uma alma superior;
Minha urgência aumentou a evidência que lhe foi suposta
E deu-se o reencontro eterno fundindo-me no seu interior.

A força da personalidade a quem eu implorava compreensão
Mostrou-se maior, plena de uma atracção de confiança,
Que consagrou meu espírito no seu que vence a dimensão
Da minha razão rejubilante desse ápice de mudança.

Agora sou um só na imensidão de reflexos que alma sente,
Codificada na mesma expressão que concentra o universo;
Tudo se identifica em si que é manifestamente presente
A unidade que nos fez centelhas de um ser disperso.

Assim sou, quem em si é, uma inconsciente sublimação
Refeita de caminho, nesta alma fugaz mais resoluta,
Ciente de um rumo que apraz a sensibilidade da devoção
De ser um só numa meditação totalitária e absoluta.

Não há dois nesta vida complexa de razões contrárias,
Feita de espelhos que só iludem a integridade de cada ser;
Pois faça-se luz em todas as certezas arbitrárias
E fique certo que é em si que flui o auge do amanhecer.

XXX

Da psique cósmica ao indestrutível mito
Mataram Deus, mas imortalizaram a luz
Pilar que a minha identidade reproduz
Dentro de si, onde pulsa o eco do infinito.

XXXI

Insustentada pela pobreza da resignação,
A mente consegue abstrair em cada certeza
A verdade, que é tão emocional e simbólica,
Na potencialidade da nossa sublime natureza.

Meu ser, dominado pela criação,
Despoja-se da ânsia da procura
E medita na grandeza da sua essência,
Sensível à totalidade em que perdura.

Sem dar sentido à existência,
Meu corpo rejubila o céu e a terra
Em conformidade com a fé que o eleva;
Ele é a prova viva que a resposta encerra.

Sou uma partícula que flutua à deriva
Dos sentimentos que aprazem sublimados
Na expressão máxima da potencialidade do ser
Que se extasia na certeza dos inconformados.

Os anseios que minh'alma exprime
Dirigem-me ao limiar da perseverança
Para reencontrar a minha verdadeira riqueza
Na unicidade que a harmonia alcança.

O desassossego não é tão incompreensível;
Eu concluo, receptível a esta auto-terapia
Do que é passivo e consciente da sua perfeição,
Que é pelo dom de si que cada ser principia.

Absorvido pela água e envolvido pelo firmamento,
Sou o que sinto: a paz, o pleno, o eterno, o sublime;
A ânsia, afinal, era a voz desse chamamento:
"Sou em Si! Sou em Si!"
                                       ... Então eu vi-me.

......................... 025

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Exmo Sr. Professor Cabeleira Gomes


Aqui estou, mais uma vez, na qualidade de seu ex-aluno, para pedir-lhe uma crítica sincera, pois eu estou preparado emocionalmente para qualquer tipo de argumentação, a este pequeno ensaio de alguns dos meus últimos poemas. Como o Sr. foi a única pessoa a quem recorri e que muito atenciosamente me recebeu e não me desapoiou, apesar daquilo que (a) escrevia não ter tanta lucidez como espero que agora esteja mais presente neste trabalho despreocupadamente humilde, espero ter a honra de ter uma crítica esclarecedora sua da sua experiência e sageza que me oriente nos próximos ensaios. Aguardo atentamente uma resposta sua e espero não lhe tomar demasiado tempo.
Desejo que a sua família se encontre harmoniosamente feliz.
Peço desculpa, mais uma vez, pelo incómodo

                               Do seu "insatisfeito" ex-aluno e amigo
                                                                                                                                                                                                                                                                            Abílio Jorge Cosme
                                
                                                                             


21.8.14

Abílio Jorge Cosme (iiiii)

XXIII

Vi no azul eterno do teu olhar
Quanto padece quem vive tristonho,
Quantas folhas do diário deve molhar
Pelas mágoas incapacitadas do teu sonho.

Vi no azul eterno dos teus olhos
Quanta sombra invade o teu jardim,
Quantos barcos naufragam quantos escolhos,
Quantos dias negros quantas noites sem fim.

Na tua canção até a melancolia era doce,
Embalando meu ser que já não resistia
E até ser dia, abraçámo-nos e chorou-se .

Abençoada ternura que não pede por desgosto,
Tua alma isolou a beleza da dor que existia
Naquela gota de eternidade caindo pelo meu rosto.

XXIV

Vesti-me para te amar,
Mas a traição vestiu-se primeiro;
Tudo ficou vago como o mar
E o meu ser não tem paradeiro.

Corre à procura do porquê.
Morre aos olhos de quem o vê;
É pesadelo aquilo que sonhou.

Não há trevas que o escondam
E nem as verdades que o sondam
Mostram a realidade que o apanhou.

Dispo-me do corpo adolescente,
Quero voltar a ter esperança;
Meu ser quer volver à nascente,
Ser semente ávida de mudança.

Tu foste a mensagem cruel selada a lacre
Que eu, ingénuo e convidativo, solicitei.
O que torna a minha vida acre
É esta inocência com que te acreditei.

XXV

O meu coração padeceu por mil
Em todas as batalhas sem dó,
Ergueu um muro de betão e aço,
Procurou um abraço mas teve-se só.

O meu coração padeceu por mil
Por todos os destinos que se separaram,
Procurou almas que se unissem em conforto,
Mas meu ser está morto nos olhos que cegaram.

No infortúnio deste mundo vil
Encontrei agora a paz derradeira
Para o meu coração que padeceu por mil.

Leguei a um forte talismã a sorte
De padecer por mil uma dor verdadeira;
E eu, já livre, ergui-me àquela morte.

XXVI

Quem da vida aproveita
Todo o seguro que se lhe ofereça
Merece a alma de uma colheita
Que, depois de feita, ainda amanheça.

XXVII

Abençoada solidão
Que me lega a doutrina
Onde me revelo a imensidão
Que a unidade imagina.

Nem religião nem crença
Explicam o que eu sinto;
Meu ser humilde pensa
Com um coração distinto.

Qual é a força que elege
O sentimento mais puro,
E o destina e protege
Até que singre maturo?

Dispo uma estrela do céu
Da distância que nos separa:
O firmamento também sou eu
despido da minha cara.

Do universo, a única visão
Que atinge o infinito
É que meu corpo é, sem divisão.
A totalidade do que eu acredito.

É aqui que eu estou só, sendo pleno
Tomara ter outra vez um metro e oitenta,
Estou certo que cego estaria mais sereno
Mas esta é a solidão que meu ser inventa.

Abílio Jorge Cosme (iiii)

XVI

Perco-me na esperança de ser alguém
A quem a vida instruísse por aparências
Os símbolos da comunhão interna do além
Que são dentro de nós falsas demências.

Se o que hoje é confuso o amanhã o explica,
porque é que não adormece a minha mente,
Que está tão inquieta a desmontar a sua réplica,
E amanhece noutra visão de carácter diferente?

Este é o carma que me traz contrariado
Pois não estou contente com os donos do absoluto;
Dizem que são traumas, mas eu estou só avariado
Por ter neste teste um código irresoluto.

A vida é quem nos dá a propriedade distinta,
Mas a mim a vida deu-me uma insatisfação tão ingrata
Que me mata num laboratório aos trinta,
Com sedativos e relaxantes, e não me trata.

Cobaia é como me sinto, dentro da jaula,
À espera de vez para ser mais um teste;
Só espero estar livre, findando a aula,
Desta minha pele, identidade cruel que me veste.

Muito já eu aprendi sem julgar ninguém:
Dentro de mim perco-me num labirinto
De emoções explicadas em termos que seguem
Não só o que eu penso mas mais o que eu sinto.

Se na alma a vontade de ser eu amarga,
Que outro poderia ser que mais me agradasse?
Apercebo-me agora do conteúdo desta descarga:
- Aceitem-me, por favor!   ... E a fusão dá-se!

XVII

No teu rosto pairam dúvidas,
As mesmas que a tua alma concebe;
Só que ao teu ser são repetidas
Na plenitude em que ele as recebe.

No teu rosto flamejam ânsias
Dirigidas pela tua alma inquieta;
Para o teu ser não há distâncias
Tudo é já, numa visão concreta.

No teu rosto apelam saudades,
Alma que retém o que não ficou;
No teu ser são tudo eternidades,
Auges que o acaso gratificou.

A tua realidade está presente:
O teu ser é trigo, bago a bago,
Que nutre a alma carente.
No teu rosto resta o meu afago.

XVIII

Pela resistência do teu sentimento
Na paciência que me dedicaste:
Amaste! Mas deixaste no convento,
Sem alento, meu coração em desgaste.

Sofro o desencontro na saudade,
Mas ainda invisto seguro no destino,
Pois acredito que toda a casualidade
Se revelará mais tarde em ensino.

Minha ausência foi próxima à fuga
Da amálgama de contrastes indefinidos;
Só agora minha esperança o olhar enxuga
Da distância em que meus olhos morriam perdidos.

Talvez teu pensamento nada diga à minha razão,
Ou teu corpo esteja deformado à minha imagem,
Ou não haja mais fervor para a nossa fusão,
Ou seja só eu debitando uma nova coragem?

Não sei se medito a culpa se a frustração?
Só depois do Inverno a Primavera se estabelece,
Resplandecentemente, ciente de que é a nova estação;
Assim fosse o ciclo deste coração que se esclarece.

Trago a afeição acorrentada à carência
Daquela paixão única que levaste contigo;
Só as vivas memórias dessa experiência
Me preenchem ainda que para meu castigo.

XIX

Trágica foi aquela noite
Nas verdades que me disseste:
Foi o espelho, foi o açoite...
Rasgaram-me ... E tu morreste.

Recusei-me crescer até ti;
Cobarde, meu coração ainda dói.
Naquela noite eu não senti,
Mas o amor é quem constrói.

Foi cruel minha vaidade
(Palavras julgaram por nós);
Decidiu-se na meia verdade
O silêncio que nos sufocou a voz.

Desde aí, é nesse silêncio vão
Que minha mágoa deposita
A força da incompreensão.

Se eu pudesse voltar atrás
Mostrava-te o medo que me habita
E que me impossibilita de estar em paz.

Essa paz que tu hoje és.
E eu aqui ainda na ânsia
Beijo teus mortos pés
Para matar a dor desta distância.

XX

Viver é ser pleno do seu sonho,
Iludir-se pelo ínfimo mais deserto;
Amar é preencher e dar tamanho,
Acreditar esse sonho mais de perto.

XXI

Sonhei que eras um Sol
Num outro sistema planetário,
Originavas as estações do ano
Mas num outro calendário.

De manhã: um brilho azul.
Ao te pores: um mais violeta;
E davas uma vida breve
Ao sétimo planeta.

Harmonizavas a natureza
Daquela terra sem nome:
Eras a mãe da sua beleza,
Eras o pão para a sua fome.

Era daí que eu te admirava
Todos os dias com devoção,
Ansiava meu pequeno ser
Chamar a tua atenção.

Certo dia cedo morri
Empedrado de absoluto;
Fizeste-me em segredo
Um eclipse no teu luto.

Meu sonho transfere-me:
Acordo a teu lado,
Chamo-te por menina:
Desculpa ter-te acordado.

Fixaste os meus olhos
Contrariamente feliz;
Reparei então nos teus
Uma expressão que sempre diz:

" - Estou aqui! Sou eu!"
Não morri! Estou a vê-la!
Seu brilho ainda cintila
No teu olhar, minha estrela.

XXII

Quanto custa pôr um sorriso no teu olhar?
A noite vem devagar amordaçar-me de beijos,
Arrefece lá fora e eu por dentro a fervilhar
Aqueço os abraços que nos fundem como desejos.

Esqueço que este planeta tem rotação,
O mundo pára na expectativa do momento:
O meu mar invadiu o teu em turbilhão
Tornando-nos no mais belo espelho do firmamento.

Surgem das cinzas sorrisos incandescentes,
Voltam as estrelas aos céus cintilantes,
Sente-se a fé, no eco dos meus olhos crentes
Criar o dia da luz para os ensejes delirantes.

Teu mundo renasce para que o meu se recomponha.
Dou sem negar, nenhuma sofreguidão me assusta;
Sou árvore eterna, sou auge que a alma sonha.
E um sorriso no teu olhar, quanto custa?







20.8.14

Abílio Jorge Cosme (iii)

XII

Minhas garras sôfregas e possessivas
Libertam meu desespero e inquietude;
Um pássaro veio morrer nas mãos passivas
De um novo homem, mais pleno da sua atitude.

O Inverno alojou-se pleno de frio intenso
Gelando um mar de ilusões sem esperança;
Em tudo se manifesta o que eu penso
Mas nada herdo do que o sentimento alcança.

Visto de vazio o eco das minhas pretensões,
Nada do que ambicionei se manifestou real;
Na verdade ilustrei fugazes emoções
Na incerteza de promover meu ideal.

Uma ideia transtorna meu dúbio caminho:
Até que ponto se revela minha fantasia?
É que mesmo hoje ainda faço sozinho
O que de errado, outrora, eu tanto fazia.

Não posso corrigir defeitos dos quais não estou certo,
Nem posso continuar a mentir-me com falsas qualidades;
Mas ingenuamente sincero entrego-me mais aberto,
Só que tão de perto que sou eu só nessas verdades.

Assim eu me vejo pássaro morto em tortura
Naquilo que tentei agradar para ser sem rejeição:
Foi o desespero que resgatou na íntima procura
A cobardia derrotista dos meus gestos de afeição.

XIII

A verdade é um pilar inconstante
Da cegueira da nossa firmeza;
Quem dela está perto é mais adiante
Sendo o último a ter a certeza.

XIV

Na minha  vida, um dilúvio de dúvidas
Inundou a parca esperança de saber responder
Às necessidades emocionais mais escondidas
Pela desvalorização da intimidade a se dissolver.

Mas um dia acordei já muito diferente,
Minha vontade foi começar tudo de novo:
A casa, a obra, novo espírito, nova mente;
Hoje a vida é bem mais aquela que aprovo.

É nas pausas que repouso pensativamente:
"Como seria se tivesse decidido outro rumo?"
Mas a alegria de estar como estou é proeminente.

Agora peço por amor, coragem e estabilidade,
Pois minha vida renova o que assumo:
Nada me retém! Nem a ânsia da saudade!

XV

A opinião ilude quem a defende
E a usa como razão que protege.
Minh'alma egotista só compreende
A dignidade do caminho que ela elege.

Assim, não recebo a harmonia do engodo
Das tuas versões sóbrias e inteligentes.
Com desconfiança, analiso esse todo,
Mas o que sinto é meu, pois somos diferentes.

Se de repente teu olhar desaprovasse
Um mero raciocínio de carisma ilógico,
Creio que pudesse aceitar a ironia e a calasse
Pois, face a face, meu delírio é trágico.

Meu coração trava uma luta simbólica,
E não é por vencer que se torna feliz.
Sua natureza é de resistência melancólica,
Pois nem eu compreendo o que ele quis.

Meu mundo interior manifesta-se incompleto,
Incoerente com o ímpeto da minha conduta:
Ambiciono revolucionar meu discurso directo,
Ser mais concreto com o que a alma escuta.

Não há noite sem dia que a complemente;
E o que hoje é um entrave à minha evolução
Não é senão o que germinará da semente
Do que sinto urgente, inconsciente e sem solução.

19.8.14

Abílio Jorge Cosme (ii)

VII

Que diz o poeta que nos desmonta
As máscaras com que nos defendemos?
Brinca no sofrimento ao faz-de-conta
E chora os ridículos fundamentos que temos.

Acredito o quão perigosa é esta arte
para as certezas que envolvem a personalidade;
O intruso penetra-nos e, depois, põe-se de parte,
Que nem nos apercebemos de tal agilidade.

A descoberto fica a alma que nos sustenta,
Desprotegida para a sensibilidade perigosa
Daquele que nos atrai numa sedução lenta
À falsa intimidade da maleabilidade que goza.

E nós confiantes em quem nos compreende,
Seduzidos pela visão que nos traz a resposta,
Perseguimos a razão que nossa alma depreende
E confundimos a individualidade que nos é suposta.

Quem nos obriga a ter uma maneira de ser,
Corpo ou nome que nos matam o infinito?
O poeta responde que tudo flui do padecer
Das emoções que nos interceptam em delito.

Identificamo-nos com as sugestões que creditam,
Dentro de nós, a confiança na sensibilidade;
Vivam os poetas que não nos acreditam
Mas que nos projectam para dentro da nossa realidade.

VIII

Quero dar cor a cada palavra,
E melodia ao que eu digo;
Mas o que penso é força que lavra
A terra árida que eu mendigo.

IX

O mar é o eco do movimento,
Desassossego pleno de vaivém,
Tão inquieto como o meu tormento
Que me tortura a chaga que lhe convém.

Sedenta minha angústia reflecte-se
Sentindo minha alma sempre assim;
A saudade prolonga e compromete-se,
Repete-se o mesmo mar dentro de mim.

IX

Meus olhos crescem
No meu sonho que se evidencia,
Quero ser mais completo
D'amor de mãe ou de maresia.

Quero fazer por amar
Sem engolir o fruto,
Rejubilar sem vergonha
Pleno do reflexo que é bruto.

Os fragmentos são sociais:
- Pára! Será que existes?
Sem qualquer tentativa
É outono e tu desistes.

Com tanto para amar
Adoptei eu a ironia:
Defendo ser incapaz
Mas nem tento essa sintonia.

Como me refaço
De tal anomalia
Se insatisfeito me reprimo
E me mato em hipocrisia?

O jogo é eterno sedutor
Para quem se conhece na fraqueza;
Reconheço a minha pobre aptidão
Pois meus olhos cresceram na incerteza.

X -  ( Transcrito  pela 1ª vez no dia 17 de junho de 2006, em CARUMA - sem  qualquer efeito...)

Não sei ao que me disponho
Nesta angústia que me enlaça;
O tempo é só o que a alma passa
E eu só quero viver outro sonho.

Já não sei mais amar esta vida
Nem defender o que ela me oferece;
Minh'alma mora num corpo que arrefece
Favorecendo esta mágoa tão sentida.

Sou uma substância inerte em peso
Cujas qualidades se perderam na viela
Onde supus uma luz, a mais bela,
Mas que escureceu meu coração indefeso.

Já nem sei bem o que é sofrer;
Acabo por não ter o que me enlaça
E, cadáver rejeitado só de massa,
Esqueço a fonte que me fez viver.

XI

Procuro no mar o meu empobrecer:
- Será que à minha vida virá o ser,
Que ontem fui, à procura do infinito?
Caio no desespero e já não acredito.

Fui pleno e belo no meu acontecer,
Mas já sou o que está a morrer;
Trago o tédio que me faz demorar,
Pois sou a lágrima que não sabe chorar.

Vítima do que fui eu não errei
(Socorro! Socorro!Que já não sou rei!).
Já não sei da razão do meu existir,
Quero poder e já só sei desistir.

Já não há vontade que me iluda,
Até a verdade se tornou absurda.
Projecto um mundo menos rico,
A fortuna passa e eu justifico.





18.8.14

Em dívida com o Abílio Jorge Cosme (i)

Em dívida com o Abílio Jorge Cosme! Já passaram tantos anos... O que irei transcrever neste e nos próximos posts não é da minha autoria. Foi me deixado numa caixa de correio, em Ouressa, Mem Martins.

Sou em Si, de ACosme

Breve Prefácio
Eis-nos perante um exemplo em que o poeta se projecta no espaço que cria e transmite ao leitor com convicção uma vivência toda ela muito sofrida e muito pessoal. Mas, como em tudo o que é real, ou seja, a realidade é variável assim como o que é projectado. Com isto pretendo alertar para o facto de que o "Sou em Si" não é mais do que o ser projectado do autor. Deparamo-nos com o exemplo de poesia viva, ou seja, que toda ela nasce, vibra e se alimenta do muito real caso humano. Muito poderia ser dito mas talvez nada se revele necessário dizer, pois as palavras confundem uns e outros e a poesia é já por si um todo.
                                                                                                                                    VANDA SUSANA

I "Esta breve romagem
   Ao interior das nossas feridas"

Acho que já escutei a tua voz ecoar
nas esquinas da minha vida, ...

Acho que sempre te conheci:
Há algo de ti
Que também habita em mim
E sempre habitará até ao fim.
Há no teu olhar uma enorme profundidade
Inquieta, penetrante, ansiosa,
Tão vasta como aquela verdade
Que eu procuro no escuro
Entre as quatro paredes de um quarto fantasma
Onde meu rosto transfigurado
Se vê, perante um espelho, bem delineado.

As tuas palavras são remates certeiros
Desferidos a favor do vento;
Há na nossa existência de guerreiros
Algo que transpõe os limites do tempo.

Pois é amigo
Eu estou contigo na madrugada;
O autocarro onde transitamos
Funde-se numa só estrada.

E se a nossa magia se perder
Por entre os rostos da multidão.
Nós teremos de aprender
A domesticar a solidão.

      Praia das Maçãs, 28 de Agosto de 1985
                                                  PEDRO SÓ

II - Nota do autor

Vivo em sonho que me procura
Na profundidade que o dignifica:
Tudo me surge sem censura
Numa sublimação que me purifica.

III
   Quando, por alguma razão, nós rejeitamos aquilo que somos e pretendemos modificar o nosso comportamento perante a natureza que nos envolve, então partimos à descoberta de reflexos que o ser mantém nas profundezas ainda inconscientes à nossa personalidade. Quando alguém recupera os sentidos ou a razão diz-se que voltou a si, daí este "SOU EM SI" trata, um pouco arcaicamente, de uma certa evolução de alguns conflitos que marcaram minha vida mais consciente e da tomada de consciência de outros que ainda me acompanham, de uma forma irresoluta, a vida interior ainda pouco tranquila na resposta do equilíbrio emocional.
      "SOU EM SI" procura um caminho através da sublimação das carências mais primárias atingindo mesmo uma certa religiosidade em relação à expectativa do que surge da dificuldade em assumir uma posição frontal com os medos e a inconstância da saúde mental, que são factores que dão uma certa irregularidade ao comportamento. Assim, eu já fui o que não podia ser e ainda procuro uma certa identidade que estabilize e enriqueça a vida que eu espero. E se eu não conseguir ser eu então que eu seja em si.

                                                                                                                                              O AUTOR
IV - DEDICATÓRIA

Ao desconforto da incompreensão
Que impulsionou o que eu venci;
À timidez e ao esforço que me recompensam
Neste ensaio para você, eis que SOU EM SI.

V - SOU
            EM
                SI

VI 

Sou pela lógica prática,
Adepto do pensamento infinito
Sóbria é a beleza matemática
Que demonstra o que eu acredito.
             

17.8.14

Salazar e Passos Coelho: o primado do financeiro

«Não é razoável pôr questões de confiança sobre redução de orçamentos ou a eliminação de verbas. Só quem administra o conjunto sabe do que pode dispor...» notas de Salazar (1939), in Salazar uma Biografia Política, de Filipe Ribeiro Meneses.

F.R.M conclui: Salazar reafirmava o primado do financeiro sobre o ideológico.

Na verdade, o que é que distingue a doutrina de Passos de Coelho da de Salazar? Por outro lado, será que a razão que levou Passos Coelho ao poder é diferente da de Salazar? E quanto à conquista e manutenção do poder, o que é que distingue os dois homens?

Salazar temendo a ideologia (comunista), procurou combatê-la através da "educação" do homem português. E Passos Coelho como é que nos formata? O melhor é perguntar a Nuno Crato, às Universidades privadas ( Lusíada, Católica...)

O primado do financeiro foi tão importante para Salazar que este procurou por todos os meios condicionar o desenvolvimento económico da metrópole e das colónias. 
Ora, a política de cortes nas pensões, nos salários e de controlo dos bancos visa precisamente asfixiar a economia, ao contrário do que repete a propaganda oficial.

Quem quiser rumar contra esta orientação, desenvolvendo a economia, terá que começar por se libertar da mentalidade salazarista. O resto são cantigas!

P.S.: Borges, Gaspar, Crato, Macedo, Luís, Moedas não passam de laboriosos executantes do primado do financeiro, uns com mais mais apetite pelo poder absoluto do que outros...  A Salazar esse apetite nunca falhou!