22.4.09

Anoitece novamente...

O dia vai longo!
Começou com a "Menina e Moça" a recontar, sob a forma de resumo com ligeiras, mas importantes variantes, a sua história à "Senhora do Tempo Antigo"... Uma história de fuga à agitação da corte /cidade, governada pela arbitrariedade... E sob o olhar de Bernardim Ribeiro dei comigo a explicar como a leitura em voz alta determinava o projecto de escrita no século XVI... A leitura, actividade lúdica por excelência!
Paradoxalmente, se, em tempos idos, a tristeza lida preparava o leitor para superar experiências traumáticas, o dia de hoje encarregou-se de demonstrar o contrário: a doença anunciada de um amigo devasta qualquer cenário de fuga... as nossas fragilidades encontram nova explicação e as vozes acusatórias deixam de fazer qualquer sentido...
No entanto, sobrepondo-se à tristeza, sem a conseguir anular, vozes juvenis declamam excertos dos Bernardins do futuro, por enquanto alheios ao rouxinol que, sem explicação, tomba, e arrastado pelas folhas corre para o mar sem fim...
Finalmente, de forma lateral, assisti a um jogo de cadeiras, em que as regras são o que menos importa... as cadeiras são apenas duas, mas dificilmente o jogo chegará ao fim!

21.4.09

O embaixador...

Nas reuniões do Conselho Pedagógico do princípio deste século, várias foram as vezes em que fiquei com a sensação que as intervenções do prof. David Monge da Silva tinham um fundamento muito para além da espuma deste tipo de sessões, e os interlocutores nem sem sempre entendiam o seu fino sentido de humor.
Ontem, no Auditório Camões, David Monge da Silva deu a quem lá esteve uma verdadeira lição sobre a história da ginástica, da educação física e do desporto em Portugal e no Liceu Camões. Uma lição interpretativa da iniciativa e do voluntarismo de uns tantos e dos preconceitos de muitos.
No ano do centenário do edifício da Escola Secundária de Camões, o professor David Monge da Silva bem podia ser nomeado seu embaixador.

19.4.09

Nós, Europeus

Em 17.4.1983, José Cardoso Pires, à pergunta de um jornalista "Que é que o preocupa mais neste momento?", respondeu:
« Como pessoa o que me preocupa mais é a incerteza em que se vive, eu, como muita gente: o medo de uma aventura medíocre. Penso até que este país está a correr esse risco, o País todo, não sou só eu.
Outra coisa ligada a isto que me preocupa é uma resignação contente que é muito portuguesa e a que as pessoas são sempre tentadas, todas, inclusivamente eu, uma resignação contente. O pequeno êxito, a pequena coisa, o Vossa Excelência não sabe com quem está a falar, que só o Português é que diz - o cavalheiro não sabe com quem está falar. (...) Isto tem uma carga espantosa de contentinho...»
Cardoso Pires temia que nos perdêssemos numa aventura medíocre. 26 anos depois, essa aventura conduziu-nos a uma mar de sargaços de que dificilmente nos desprenderemos... Quanto ao País, esse não tem regresso. Província da Ibéria, anexada pela União Europeia! A bóia de salvação está inscrita no slogan "Nós, Europeus!"
O problema é que a maioria das embarcações não está equipada com bóias para todos os passageiros...

Pouco a pouco...

Acabo de descobrir que necessito de recuar 10 anos no tempo. Só, deste modo, conseguirei retomar o que ficou congelado. Não sei se terei tempo, mas, entretanto, percebi que só atingirei esse objectivo se arrumar todos os meus papéis. E por isso já meti mãos ao baú... 

16.4.09

Mas parece que...

"Mas parece que das desaventuras há mudança para outras desaventuras, que do bem não a havia para outro bem." Bernardim Ribeiro
Parece que em cada dia que passa nem a mediocridade escapa à mudança para pior! Quanto mais descemos mais enfunamos.
Do nosso quarto, espreitamos o mundo pela janela, sem a abrir. Preferimos as pantalhas à luz crua da vida...
O rio, supõe-se, continua a correr lá longe, mas há muito que abandonámos as suas margens!

14.4.09

Pensar que não sou sozinho...

Torre de Menagem (séc. XII)
Igrejas da Misericórdia e de S. Tiago (séc. XVI)
Ribeiro Sanches, ilustre estrangeirado (séc. XVIII)

As fotos desaparecidas (de Penamacor) que aqui coloquei são o meu modo de dizer que não é possível construir uma identidade colectiva, prescindindo de um olhar atento sobre o património natural e edificado ao longo de séculos. A memória horizontal é efémera e caprichosa, incapaz de estabelecer nós com o passado. É construída sobre areia movediça.
O sentimento identitário exige a combinação da memória horizontal com a memória vertical. Sem essa articulação deixa de haver solidaridariedade, noção de pertença e a liberdade vira acto gratuito.
O que há de comum nestas fotos é a acção de conquista: do território, da espiritualidade, da solidariedade, do conhecimento ao serviço da humanidade, mesmo que isso signifique sacrifício, perseguição, desterro...
A estrada que vou percorrendo é sinuosa para que, pelo menos, nas curvas possa olhar para o lado e para trás e pensar que não sou sozinho...

Da ambiguidade...

Quem vive na ambiguidade, mais cedo ou mais tarde acaba sem amigos.

11.4.09

Pegas no Freixial

Pegas azuis no Freixial (Aranhas). Na Idanha, elas eram pretas!? Estou sem perceber estes desmandos da natureza num raio de 35 km. Parece, no entanto, que as pegas têm uma história muito antiga. Só não compreendo por que motivo não me lembro das pegas da Serra de Sintra, à excepção das do Paço Real.
Pega gulosa, sem vertigens!
Um cuco! Quem diria que ao cantar, o cuco prevê a queda de neve? O tapete é de rosmaninho.
Pinheiro doente. Por aqui, os pinheiros estão todos doentes e parece que ninguém se incomoda.
De vez em quando, lá vou dando sinal de mim! Não estava a ouvir a triste avezinha do Bernardim nem a queria ver cair morta que o mundo já vai tão em desgraça!

6.4.09

Barragem de Idanha-a-Nova

Para além da barragem Marechal Carmona, é de destacar a hidráulica agrícola, inaugurada em 1946 por Oliveira Salazar, com o objectivo de fomentar a agricultura, permitindo a fixação das populações. À primeira vista, o objectivo do Estado Novo continua por atingir. Para o visitante, existe um bom parque de campismo junto à barragem, apesar de, em abril, manter os principais equipamentos encerrados. É pena que a Orbitur não esteja mais atenta, pelos menos à semana da Páscoa!  No entanto, para quem seja avisado, ou seja não se tenha esquecido de se abastecer no supermercado, vale a pena pernoitar na zona para fruir a paisagem, ouvir a passarada, calcorrear os vários itinerários, e finalmente repousar do bulício citadino e do lixo comunicacional.   

2.4.09

O dia das verdades...

A tradição que consagra o dia 1 de Abril como o dia das mentiras deve ser mudada. De facto, todos os dias passaram a ser dias mentirosos, por isso proponho que doravante o dia 1 de Abril passe a ser o dia das verdades.

1.4.09

Digressão por fazer…

Na vida portuguesa, há coisas que não consigo entender. Por exemplo: Por que motivo há tanta gente a queixar-se de que é pressionada a torto e a direito. (Parece-me perfeitamente normal que isso aconteça.) O que é inaceitável é que já não haja homens ( e mulheres) íntegros, capazes de ignorar as pressões e cortar a direito, doa a quem doer. Inspectores, procuradores, juízes, árbitros, polícias várias, advogados, jornalistas passam os dias a levantar suspeitas sem apresentar provas, e, sobretudo, sem utilizarem os poderes de que dispõem para encostar à parede os prevaricadores. Qualquer malhador de púlpito ou de ministério os aterroriza!

No fundo, tudo se resume a uma educação mole, frouxa e céptica. A educação romântica conduziu à moleza e à fraqueza suicida. Por seu turno, a educação realista mergulhou-nos na descrença anticlerical e no cepticismo como forma de vida (a abulia). A educação republicana gerou a anarquia e o bolchevismo que o Estado Novo se encarregou de esconder no fundo da sacristia e de eliminar nas salas de tortura e na frigideira do tarrafal.

Esgotados, acreditámos que a revolução estava na rua, e a educação desapareceu nas secretárias dos burocratas e nas palavras de ordem de novas seitas que permanentemente atacam o erário público.

Digressão feita, penso que já compreendo o que ao princípio me assombrava.

31.3.09

Plátanos, nunca mais!

Com a chegada da Primavera, a flor do plátano sufoca-nos, polvilha os lugares mais recônditos e nem a chuva lhe acalma a perfídia. No entanto, se os plátanos incomodam, o que dizer de todos aqueles que grosseiramente corrompem, mentem e manipulam a opinião, fazendo-se de anjinhos?
Estamos a chegar a um ponto em que só poderemos respirar se eliminarmos os plátanos pela raiz. Os plátanos da incompetência, da irresponsabilidade e da cumplicidade…

26.3.09

Se ignorarmos o contexto…

- “Querem ser tão boas e não prestam para nada!

Será legítimo provocar o interlocutor, omitindo o contexto? Em termos éticos, parece-me condenável…

E em termos poéticos? A questão da legitimidade perde importância porque a elisão (omissão) é reivindicada como recurso expressivo privilegiado. Ao leitor competirá preencher o vazio, recriar o contexto, passando do particular ao universal.

Deste modo, o enunciado descontextualizado “Querem ser tão boas e não prestam para nada!” ganha, em termos poéticos, universalidade, exigindo a participação do leitor que pode, num ápice, deitá-lo para o “lixo” ou, pelo contrário, descobrir nele uma centelha de pessimismo…

No entanto, se eu voltar ao mote e o contextualizar – coisa rara no domínio da poesia! –, caio num espaço confinado em que uma pobre velha, desesperada, insulta um pequeno número de funcionárias que a impedem de saltar de uma cadeira de rodas para uma simples poltrona…

Naquele contexto,  a cadeira de rodas e a poltrona protagonizaram o drama das 16 horas cujo desfecho foi bem menos poético do que o leitor poderá imaginar: uma velha agrilhoada, gritando: - “Querem ser tão boas e não prestam para nada!

Afinal, a velha mais não queria que bater com a cabeça na parede, no chão, em qualquer outro lugar que não aquele… ou, talvez, não quisesse sair daquele espaço e quisesse, apenas, sair de si-própria…

(…)

A teimosia da velha lembra-me que, ontem, também eu pensei que o melhor seria dar uma cabeçada marialva no Ferreira de Castro para ver se liberta, de vez, dos vermes revivalistas que lhe roem os ossos na romântica Sintra e regressa definitivamente à Amazónia.

(Em Portugal, há umas capelinhas vazias, cujos pastores insistem em matar os fiéis!)

25.3.09

No Museu do Neo-Realismo em Vila Franca de Xira

Espólios literários

- Alexandre Babo (1916-2007)
- Alexandre Cabral (1917-1996)
- Álvaro Feijó (1917-1941)
- Alves Redol (1911-1969)
- Antunes da Silva (1921-1997)
- Armindo Rodrigues (1904-1993)
- Arquimedes da Silva Santos (1921)
- Carlos Coutinho (1943)
- Garcez da Silva (1915-2006)
- Faure da Rosa (1912-1985)
- Joaquim Lagoeiro (1918)
- Joaquim Namorado (1914-1986)
- José Ferreira Monte (1922-1985)
- Jorge Reis (1926-2005)
- Júlio Graça (1923-2006)
- Leão Penedo (1916-1976)
- Manuel Campos Lima (1916-1956)
- Manuel da Fonseca (1911-1993)
- Mário Braga (1921)
- Mário Sacramento (1920-1969)
- Orlando da Costa (1929-2006)
- Soeiro Pereira Gomes (1909-1949)

Espólios editoriais

- revista Vértice
- jornal O Diabo
- jornal Horizonte
- editora Cosmos

21.3.09

Dizem versos, os poetas

Dizem versos, os poetas / dois anónimos pássaros / saltitam entre flores / para além da superfície vítrea. // A abóbada do planetário ondula / suave em verde-amarelo redemoinho / num pequeno quadrado líquido. // As palavras dum tempo, perdidas / atentas às inconveniências, correm/nostálgicas, elegíacas, jocosas. // Perdem-se, os poetas / há muito deixei de ouvir o Patraquim /ousou anoitecer o Mia Couto / o Echevarria secou-me o pomar / a Maria Teresa Horta passou, altiva// O sol cai sobre o planetário / por detrás dos arames, o verde abafa o amarelo / longe, eleva-se uma grua / perto, os corpos abrem em sorriso/
sobre um tapete vermelho, as mãos /acenam aos poetas inefáveis.//

17.3.09

Um amor de Perdição, um filme de Mário Barroso

Ao contrário do que refere a sinopse não se trata da história de um encontro entre Simão e Teresa, mas, sim, de um desencontro entre Simão e Teresa, provocado pelo conflito entre duas famílias urbanas, com raízes provincianas e colonialistas…

Para quem não leu a obra de Camilo Castelo Branco, o filme passa bem, apesar de alguns jovens espectadores (da idade do Simão?) referirem o seu dramatismo. De facto, os jovens que assistiram à apresentação do  filme na sala 4 do Monumental estiveram atentos e divertiram-se, o que não é muito habitual. Por isso, creio que o filme irá ter uma boa recepção do público…

Quantos aos apreciadores de Camilo, a abordagem será diferente. O texto camiliano mais parece de Eça, quando se insiste na relação incestuosa de Dona Rita com Manuel (mãe e filho), sob o olhar indiferente de Domingos Botelho( marido e pai). À luz desta tema – o incesto -, não estranharei nada se Mário Barroso vier a adaptar ao cinema A Tragédia da Rua das Flores de Eça…

Por outro lado, os camilianos não deixarão de questionar o desfecho trágico do filme: abrir as veias e abrir o gás, em espaços distantes, não parece uma solução muito adequada à catástrofe de Um Amor de Perdição. Simão e Mariana, bem poderiam sucumbir lentamente, vítimas de SIDA. E para isso, não seria necessário que Simão traísse o amor de Teresa, bastava que o sangue derramado por Simão e de que Mariana se apropriou na delírio e na cegueira deste a penetrasse, deixando-a para sempre refém da sua secreta paixão…

Trata-se de um filme polémico, com uma óptima fotografia, um desempenho dos actores equilibrado, e uma montagem que, em certos momentos, consegue transmitir a densidade das situações camilianas, apesar do desfecho parecer pouco verosímil e, sobretudo, perder para o desenlace de Amor de Perdição.

Manuel C. Gomes

15.3.09

Há sempre quem nos envergonhe...



Num lugar, onde "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce", não deveria haver lugar para mensagens infames.
Alguém se deu ao trabalho de subir a escarpa, mesmo ao lado de Ribeira de Ilhas, para deixar uma nota de mau gosto.

Tetrápodes nas arribas da Ericeira...

De quem é a ideia? Espero que estejam a construir um molhe ou paredão. Caso contrário, estaremos perante um abuso.
De qualquer modo, fica o termo "tetrápode".

11.3.09

A nova poesia…

Centenas de milhares de homens e mulheres são empurrados para a miséria; os filhos,  indiferentes, não compreendem que eles se tornam nas maiores vítimas, embora por culpa própria.

À pontualidade, à assiduidade e ao rigor dizem não. Educados na permissividade, fazem orelhas moucas à palavra dos professores. Por debaixo das mesas, enviam mensagens instantâneas para o colega do lado; de cabeça hirta, invertem a circulação do sangue, deixando que o olhar vazio se perca na brancura das paredes.

Como se a droga lhes corresse de cima para baixo, anestesiando-os e atirando-os para os braços da desistência…

Como vão longe os tempos em que fingir era imaginar / criar! Agora, fingir é mentir a si-próprio…

Fogem da dor e do esforço como o Diabo da Cruz. E acreditam que o futuro mora ao lado num bandeja de ouro…

E quando descobrem a grande mentira em que mergulharam, sentem ganas de destruir o mundo…

E começam a passar do desejo à acção ( da potência ao acto) numa viagem mutiladora em que Beatriz virou rosto de destruição…

É essa a visão dos novos poetas do século XXI!

9.3.09

No Jardim Constantino...

Que árvore será esta? Fica no Jardim (do) Constantino. Na passada 6ª feira, o escritor Mário de Carvalho prometia a uma plateia de jovens dos 1º, 2º e 3º ciclos e do ensino secundário que logo que chegasse ao escritório iria procurar quem fora o "Constantino" que designa aquele largo. Será que os jovens se aperceberam daquela preocupação do escritor?
No mesmo jardim, sob a reflexão de um ignorado e silencioso Prometeu, Mário de Carvalho lá foi explicando que não escreve deliberadamente para crianças, que as capas dos seus livros não são da sua responsabilidade, que a escrita de ficção lhe aconteceu um pouco porque os advogados gastam muito tempo a escrever sobre casos reais, que as suas personagens, na realidade, nunca existiram e que, portanto, não valerá a pena sair a procurar as fontes... E de si, deixou escapar que, aos 15 anos, começou a compreender a crueldade do Estado Novo que lhe perseguiu e prendeu o pai... Nesse tempo, frequentou o Liceu Camões (2 anos).
(E eu, ali sentado, ao lado do escritor, sem saber muito bem se estava nalguma cena de apanhados... tudo culpa da abnegada drª Isabel Pires, promotora da iniciativa... do externato Sá de Miranda.)

Quanto ao Constantino, terei de dizer que os actuais responsáveis pelo pelouro dos jardins da cidade de Lisboa não lhe chegam aos calcanhares.

Até Neptuno

Até Neptuno nos interpela sobre o prédio, em ruínas, na esquina da Casal Ribeiro com a Almirante Barroso. Lá viveram, embora em épocas diferentes, Fernando Pessoa e Amílcar Cabral.

8.3.09

Nas escolas do meu país…

« O relatório anual de Segurança Interna (RASI) de 2008 ainda não foi concluído porque o Ministério da Educação não enviou ao secretário-geral de Segurança Interna, Mário Mendes, os resultados da Escola Segura no último ano lectivo, que terminou há mais de oito meses.» DN, 6.03.2009

E mesmo que o ME tivesse enviado esses resultados, o RASI estaria sempre incompleto! Porquê?

Porque em muitas escolas os episódios de violência não são comunicados.

Porque em certas escolas os conselhos executivos fecham os olhos.

E se actualmente os conselhos executivos começam a estar mais atentos à violência entre alunos, os mesmos desvalorizam os episódios de violência sobre os professores. Quantos professores pediram a reforma porque se sentiram violentados? E nem sempre a violência tem, apenas, como agente o aluno!

A título de exemplo, veja-se o caso de um professor (colocado numa escola EB2 /3, situada a 11 km de Lisboa)  com 33 anos de serviço, 54 anos de idade, saúde débil, que continuadamente é insultado, provocado por um aluno, dentro e fora da sala de aula ( no interior e à porta da escola). A participação dos incidentes ao director de turma já deixou de fazer qualquer efeito – este último sabe bem que, para si, é melhor que o colega seja a “presa”, o “troféu” de caça… A ordem de saída da sala não surte qualquer efeito, pois enviado o aluno para a Biblioteca ou para a Sala de estudo, quinze minutos mais tarde, este regressa qual momentâneo cordeirinho inofensivo… O Conselho executivo sabe bem que os incidentes se repetem todas as terças e quintas-feiras na sala de aula, e  nos restantes dias, sempre que o aluno, acolitado pelos seus sequazes, se cruzar com o referido professor… O Conselho executivo que sabe que o aluno já veio transferido de outra escola, por indisciplina, limita-se a adverti-lo verbalmente, em clima de grande exaltação…e deixa o professor entregue a si próprio, cada vez mais fragilizado…

A esta hora, estará o leitor a pensar: Porque é que o Conselho executivo não corta o mal pelo raíz? Porque o Conselho executivo não quer hostilizar a Comunidade…Porque o seu presidente pensa mais na sua carreira que na responsabilidade da função que exerce…  O seu presidente sonha ser Director executivo do agrupamento de que a escola faz parte.

Nas escolas do meu país é muito mais fácil “queimar” um professor do que colocar na ordem um aluno.

Nas escolas do meu país, silenciam-se os episódios de violência diária em vez de se encostar à parede os prevaricadores…

Nas escolas do meu país, ainda há pouco tempo a Escola Segura preferia apelar à inteligência e ao bom senso do professor do que averiguar os  casos que lhe são apresentados.

Neste país, se este professor apresentar queixa à polícia, ele já sabe que não terá a solidariedade do conselho executivo nem o apoio jurídico do ME. E sabe, de antemão, que de vítima passará a carrasco…

Afinal, o que é que resta a este professor de 54 anos de idade e 33 anos de serviço público?

Partir para a reforma e receber uma pensão, seriamente amputada pela irresponsabilidade dos dirigentes deste país!

E quanto ao Senhor Mário Mendes, esqueça os resultados da Escola Segura. Mande alguém às escolas deste país ver o que por lá se passa.

5.3.09

Sobre o limite…

Vitorino Nemésio reclamava do limite de idade ( 18.7.1971) quando lhe inventaram uma última lição… ( Sem limite a idade, claro: / O Mundo não, / Que esse é finito na expansão / – « É bom não pôr limites à Misericórisa divina» / Disse um Papa velhinho / A quem exígua prece/ Votava uns anos mais / Como é próprio da Caixa de Descontos / Dos pequenos mortais. / Tudo deperece, / desaparece… /

Ontem, Raúl Mesquita não reclamou do limite (Out.1975 – 28 Fev. 2009). E a pretexto do poder da palavra ( do mito, da alegoria, do logos), utilizou-a para zurzir na professora de Português dos seus 10 anos, no reitor da sua adolescência, nos colegas da primeira fila, dos chefes de turma,  nos ribatejanos (um pouco?) pidescos dos finais dos anos 70, dos professores que gostavam de avaliar os pares. E atravessou o mundo dividido, através da palavra (palestra, romance…): «Tenho a honra de ter inimigos e o prazer de ter amigos! Pela palavra, dialogo com eles.»

Ontem, eu que sou ribatejano, fiquei perplexo. Ali, sentado, na sala 32, entre estranhos, ao ouvir a palavra do Raúl, comecei a interrogar-me se não sobraria um espaço ( se calhar só para mim!) entre os amigos e os inimigos. É que as dicotomias cansam-me. Será que não há 3ª via?

Em síntese: não sendo amigo, incomoda-me ser atirado para a matilha dos inimigos. E incomoda-me porque procuro sempre respeitar os outros…

4.3.09

Crónica de António Souto

EX ABRUPTO

Bosquejos

Carnaval. Regressou uma vez mais em grande! Aliás, o carnaval nem sequer regressou, o carnaval há muito que está, deixa-se ficar ao longo dos meses, do ano, dos anos, disfarçado, mascarado como é seu timbre. Fazem-se algumas remodelações de corsos, apresentam-se novos temas mais consentâneos com a actualidade sócio-política, ajustam-se os trajes e a figuração ao modelo inimitável da terra de santa cruz. Mas carnaval é sempre carnaval. Comandam as tropelias. Ora um magalhães descarado vulgarizando pornografia e logo suspenso de um desfile atrevido, para logo ser diligentemente restituído à folia, ora cinco exemplares de um livro desavergonhado ostentando pornocracia de arte e logo retirados de uma banca livresca, para logo serem devolvidos à erudição. Trejeitos carnavalescos que ninguém parece levar a mal, tudo reinação. O carnaval está, para durar.

Uma anódina peça de jornal. Como um fait divers. Lê-se que uma criança com uma doença rara, entre nós e no mundo, tendo apenas dez anos aparenta os setenta, envelhece a um ritmo alucinantemente doentio a cada instante. Aparenta, que é como quem diz, vemos nós por fora e vive a criança por dentro. Infelizmente, para a medicina hodierna não existe ainda cura, não haverá, portanto, qualquer resposta de esperança para quantos sofrem desta doença.

Chama-se Cláudia. É a única menina portuguesa com esta doença. Ainda está viva. Há quem entenda que é uma criança normal. Talvez seja, ou pelo menos deveria ser considerada assim mesmo, NORMAL, e por isso mesmo com direito a todos os direitos que qualquer pessoa normal tem. Mas não é o caso. Ser normal, neste caso, serve apenas para evitar que a Cláudia tenha, de facto, direito a ter direitos. O tratamento é caro e contínuo, exige deslocações ao estrangeiro. A mãe, para cuidar dela e a acompanhar, deixou o emprego. Tem o rendimento social de inserção. A filha, um subsídio de cerca de cem euros. Tudo somado, manifestamente insuficiente. Vai-lhes valendo o apoio de um instituto americano.

Quando sabemos que "uma criança com progeria [síndrome de Hutchinson-Gilford] tem uma expectativa média de vida de 14 anos para as meninas e 16 para os meninos", isto revolta-nos. As doenças raras, quase todas incuráveis e de terapia onerosa, mereciam neste século vinte e um uma atenção especial por parte da sociedade e do estado. É verdade que nos últimos anos muito se tem feito no sector social, mas há falhas inaceitáveis.

Ontem, no encerramento do congresso do PS (partido cujo governo mais tem feito neste domínio), fiquei preocupado e triste por não ouvir, na apresentação das políticas sociais para os próximos dois anos, uma palavra sequer sobre a deficiência. Ouvi com agrado novidades sobre o alargamento obrigatório do pré-escolar, sobre o alargamento do ensino a doze anos de escolaridade, sobre uma bolsa de estudos para famílias carenciadas, mas nada, nada sobre os milhares de doentes crónicos e deficientes dependentes. E a deficiência, silenciosa e pouco reivindicativa, é um problema social urgente, que não carece de debates públicos ou de referendos, não é um fait divers.

Ontem, domingo, foi assassinado o chefe do estado-maior da Guiné-Bissau. Hoje, segunda-feira, foi assassinado o presidente da Guiné-Bissau. Há quem fale em retaliação. Na Guiné-Bissau mata-se e morre-se por razões diversas. Há dois dias atrás, numa reportagem de Catarina Furtado, ficámos a saber como a morte é ditada à nascença na Guiné-Bissau. Nascer é uma autêntica aventura, ou melhor, vingar é um verdadeiro desafio. As mulheres têm em média seis ou sete filhos para poderem contar, no final, com um ou dois. A descendência assegura-se por tentativas. Às vezes, muitas vezes, nem os filhos nem as próprias mães vencem o parto. A esperança de vida, para as mulheres, está nos cinquenta e seis anos. Morre-se cedo. Na Guiné-Bissau, como em muitos outros sítios do planeta, a maternidade não é o início da esperança, mas um final anunciado. Na Guiné-Bissau, pelos vistos, não basta morrer, há quem insista e persista em matar. Na Guiné-Bissau a morte que nos chega parece ser mais penetrante, parece doer mais, porventura porque dói em português.

António José Souto Marques

Agualva (Sintra), Fevereiro de 2009

3.3.09

Tagmé Na Waié e Nino Vieira

Há muito que a morte de ambos fora decidida, e tudo leva a crer que pelos próprios.

Infelizmente, deixaram os guineenses mergulhados na crise de identidade há muito anunciada por Amílcar Cabral (1924-1973), também ele barbaramente assassinado:

Eu sou tudo e sou nada,

Mas busco-me incessantemente,

- Não me encontro!

-----------------------------------------------

Ó farrapos de nuvens, passarões não alados,

levai-me convosco!

Já não quero esta vida,

quero ir nos espaços

para onde não sei.

Por muito absurdo que a ideia possa parecer, acredito que chegou a hora dos povos da Guiné se unirem e descobrirem aquilo que os une e não mais aquilo que os separa.

Da morte não interessa saber se é justa ou injusta, se no limite puder ser redentora.

28.2.09

No silêncio da oliveira... Vital Moreira

Ao Vital Moreira reconheço competência e honestidade intelectual, e espero que a sua escolha para encabeçar as eleições europeias tenha como objectivo reforçar a qualidade da intervenção portuguesa na união europeia e no mundo. Quanto ao argumento da sua abrangência política de esquerda, considero-o falacioso. Em relação ao congresso do partido socialista, não posso deixar de registar a falta de debate de ideias, a sacralização da liderança de Sócrates, a ausência de Manuel Alegre, e a pobreza intelectual de muitos dos participantes - houve quem confundisse um sinónimo com um silogismo! Por seu lado, as televisões primam pela falta de isenção. Os comentadores há muito que servem interesses económicos e aventureiros que se vão apoderando das nossas consciências.

25.2.09

Ali, ao lado...

O outro lado da cidade de Évora: esgoto a céu aberto, ao lado do parque de campismo; poço com banheira; azinheira com sombra de cimento. Nem a pega rabuda escapa. Fora da fotografia: duas carroças ciganas, repletas de crianças avançam no descampado, à procura de um lugar onde acampar.
Minutos mais tarde, os machos, soltos, enganam a fome junto do arame farpado da herdade vizinha; as crianças atravessam a 380, na direcção do povoado; as carroças jazem junto do poço...
Começo a pensar que, afinal, a sombra de cimento da azinheira vai ser muito útil na noite que se avizinha. Isto se não aparecer por ali nenhum sapo de loiça!

24.2.09

De novo, em Évora...

De registar, em relação à última visita, a conservação de alguns dos principais monumentos. Já não há ossos à vista de quem passa! No entanto, o Museu, junto à Sé continua entaipado e a Universidade fechada. Bem sei que é dia de Carnaval, mas o espaço ocupado pela instituição de ensino superior merece o olhar do turista, mesmo que acidental... Quanto a transportes públicos, nem vê-los!

22.2.09

Uma ideia matinal

O dia vai adiantado, não quero, todavia, terminá-lo sem registar uma ideia matinal: quem ensina a ler autores do século XVI não deveria comentá-los sem previamente ler VIDA NOVA, de DANTE ALIGHIERI. E já agora acrescento: A Metafísica Aristotélica.

Se esssa atitude vingasse, evitaríamos leituras biografistas e psicologizantes abusivas tão do agrado dos nossos literatos de moda.

21.2.09

Aquelas pessoas

«O casamento prevê direitos e deveres entre cônjuges, a união de facto não parte do pressuposto de que há um conjunto de deveres entre aquelas pessoas.»  Maria do Rosário Carneiro, DN 21.02.2009

Para além da eventual lacuna da lei apontada pela deputada, há no enunciado um deíctico espacial que me deixa perplexo: “aquelas pessoas”. A deputada, de uma assentada, delimita dois territórios: o seu (dos seus) e um outro, colocado à distância, o de outras pessoas. O primeiro é o espaço da doutrina cristã, redentora; o outro é o espaço da infidelidade ou da heresia.

No essencial, a deputada, expressão de um sistema de valores eleito, tem dificuldade em interpretar os princípios que deveriam reger o socialismo democrático: liberdade, igualdade e fraternidade.

Nesta matéria, a diferença de paradigma tem origem no preconceito.

19.2.09

A maldade e a ironia

Ao contrário da ironia, e que eu saiba, ainda ninguém definiu a maldade como uma figura de estilo. Da ironia, diz-se que ela exige conhecimento do contexto conversacional (discursivo) e cria cumplicidade, apesar de nem sempre demonstrar apego à acção ou, se quisermos, capacidade de meter as mãos no lodo…

Da maldade, a retórica pouco ou nada nos diz… o que não me impede de acordar a pensar naqueles que malham publicamente no ministro e em privado lhe lambem sorrateiramente as feridas…

15.2.09

Em 1993…

O Pecado de Sofia, de Fonseca Lobo, prende o leitor. Parece a versão feminina do Frei Luís de Sousa, sem o peso do sebastianismo. De certo modo, Almeida Garrett poderia ter baptizado o drama de O Pecado de Madalena, se não fosse a sua obsessão em libertar Portugal do jugo estrangeiro.

Fonseca Lobo recorre ao medo, à superstição, à maldição, aos dias fatídicos, ao mistério e à vítima angélica (Marília), preferindo, no entanto, o suicídio de Sofia à redenção… Quanto a Deus, este deixou de ser chamado e… o drama progressivamente encontra um desfecho simpático: a mãe que amaldiçoara as filhas, nascidas de um ventre que só gerara fêmeas, enlouquece; a filha, Sofia, que se deixara mover por um impulso amoroso e fatídico, suicida-se. Tudo em dois actos e um poço…

Em 1993, nada acontecia em Portugal. A crise não passava de uma questão de família!

De forma anódina…

O jornal Público promove um concurso de jornais escolares subordinado ao mote: Porque é que a política também é para nós? A iniciativa é digna de louvor, mas…

Ontem, anunciaram-nos, de forma anódina, que cada português deve 150 milhões de euros ao estrangeiro. Perante a enormidade da dívida, pensei, amanhã, o número de suicídios terá aumentado assustadoramente. É desta que o país desaparece! Mas não, hoje, Domingo, dia de descanso, tudo se mantém na mesma pasmaceira.

O que me trouxe à memória aquele(a) aluno(a) que, há uns meses, perante a dificuldade em interpretar os referentes históricos presentes num conto de Manuel Alegre, exclamou: – «se eu soubesse que o homem era político, não o  tinha escolhido como leitura

De facto, a política mediática tem afastado a juventude da causa pública; creio mesmo que nem os 150 milhões de dívida pessoal faz pensar…

Afinal, será que ainda nos sentimos filhos de uma nação?

12.2.09

A lição de Simônides de Céos

(Trad. de Maria Helena da Rocha Pereira)

Sendo homem, não digas nunca o que acontece amanhã. E, se vires alguém feliz, quanto tempo o será. Rápida como o volver de asas de uma mosca, Assim é a mudança da fortuna.

Mais vale não esperar pelo amanhã. / Acreditar no amanhã é perder o dia de hoje. / Os adiados dias são desperdício inexorável./

Sentados / dedilhando /entediados / anseiam pelo amanhã / matam a Hora.

Apetece deixá-los /enredados /na desmedida…

10.2.09

Em tempo de anacronismos…

Há no ar uma enorme mistificação. À maneira romântica, constrói-se o anacronismo: depois do Salazar asceta, o Salazar libertino!

Vira-se o tempo do avesso e gera-se um Salazar ao gosto da nova plebe. Pra quê? Não deve ser só para captar receitas publicitárias!

A austeridade, o rigor, a sobriedade e a solidão do seminarista  dão lugar a um homem novo – mulherengo, intriguista e fútil…

A misoginia do ditador é substituída pela delinquência do homem medíocre…

Quem escreve o guião sabe bem a quem aproveita o anacronismo…

Ao desrespeito, à calúnia e à mentira…

7.2.09

Dá vontade de meter o malho no Santos Silva.

Num cuteleiro, de avental ao torno, / Um forjador maneja um malho, rubramente.” Cesário Verde, Sentimento dum Ocidental

Queria o Cesário explicar que malhar (o ferro, os cereais) é uma actividade produtiva, ao contrário, por exemplo, de uma certa sociologia de pacote que nos tem sido impingida desde o 25 de Abril, quando me entrou pela casa dentro um malhador, de mangual sonoro, a querer malhar em toda a gente, à sua direita e à sua esquerda…

Um malhador ministro!

Um malhador ex-ministro da Educação, ex-ministro da Cultura de que ninguém conhece obra.

Resta-me tentar convencer os meus alunos que um forjador é mais útil à Nação que um malhador letrado!

A talho de foice plebeia, confesso que nunca suportei as teses do académico Santos Silva: faltava-lhes conhecer o malho, isto é, lê-las era o mesmo que malhar em ferro frio!

5.2.09

O controlo

O controlo aperta: à distância e na vizinhança e o medo ganha forma, deixa de ser uma ideia abstracta.

4.2.09

Em Fevereiro, anoitece…

A liberdade de escolher não deveria ser tolhida por ninguém, mesmo que, por vezes, o custo possa ser elevado. Aquilo a que assisto diariamente é confrangedor.

A consciência individual e colectiva é manipulada pelas agências de informação e pelos pequenos títeres que pululam um pouco por toda a parte.

O objectivo é instalar o medo, silenciar a voz…

31.1.09

Ervas daninhas, enguias e pegas

Janeiro 2009, um mês diferente… Chuva, vento, frio e até neve… Já em Dezembro, o Sol desaparecera aos poucos… Tudo sombrio, como se o tempo apenas quisesse acompanhar a decadência das sociedades ditas desenvolvidas..

Estamos no Inverno e parece que caminhamos para o Inferno… Nem o primeiro ministro escapa! A ser verdade o que se diz, o nosso primeiro deixou-se encharcar….

Mas se a chuva nós a sentimos nos ossos, a verdade, porém, é enguia escorregadia. Nem a folha de figueira a conseguiria segurar, sobretudo, neste Inverno de figueiras despidas e ervas daninhas…

Quanto aos Ingleses, convem não esquecer que já o rei D. João I teve que se defender da acusação de D. Filipa de Lencantre que lançara o mujimbo de que sua a Alteza a traía com todas as belas da Coorte…

Dessa intriga, ficou-nos o humor régio bem gravado nos tectos do Paço Real de Sintra…

Se ao menos (José) Sócrates tivesse um pingo de Humor!

29.1.09

Ontem, 28 de Janeiro…

Nascido a 28 de Janeiro de 1916, Vergílio Ferreira (homem, professor e obra) foi lembrado na ESCAMÕES.

Num auditório meio cheio,

Helder Godinho, Ana Turíbio, João Lucas, Valente Rosa, Madalena Contente, Cristina Duarte, todos deram, com rigor, conta do afecto e da veneração que continuam a sentir pelo amigo, mestre e acérrimo defensor da língua portuguesa.

A lição foi de tal modo harmoniosa que a assistência se encontrou por momentos seduzida e mergulhada num estranho rito de iniciação.

Não sei se os jovens terão decidido desfolhar a obra ou se ficaram a pensar em procurar o sentido da vida. Sei, no entanto, que este encontro é daqueles que fazem falta, mesmo se mediados pelo texto ou pela voz.

E por tudo isto é imperdoável que estes “encontros” não sejam gravados. 

Quando delapidamos a memória, amputamos o futuro.

Não sei como explicar…

É talvez cedo!|

Não sei como explicar que viver é muito mais do que satisfazer impulsos, desejos, do que ficar mais um minuto na cama.

Viver é construir a vida…

Não sei como explicar que não há vida sem o outro… mesmo que seja apenas texto.

Não sei como explicar o que é o outro.

Mas sei que se não estiver atento jamais serei esse outro…

Jamais viverei.

É talvez cedo!

24.1.09

Da evasão…

«Toda a literatura é um plano de evasão. Ele faz ferver todas as cabeças e aguçar todas as inteligências. (…) O aluno tem que apostatar do mestre, senão não será digno dele.»Agustina Bessa-Luís, Da educação, DN, 8.02.1992

Há anos que um texto de Agustina Bessa-Luís me obsidia. Quando menos espero, uma página amarelecida pelo tempo coloca-se sob o meu olhar e lá a volto a ler o artigo sobre a Educação. E esta leitura faz-me sempre questionar sobre a importância da literatura na formação do cidadão e, sobretudo, sobre o modo como ainda se aborda a literatura nas famílias e nas escolas. Já pensei em libertar-me deste pedaço de papel, mas não consigo. É como se ao rasgá-lo me rasgasse também a mim.

Eu que sou licenciado em Literatura Portuguesa e mestre em Literaturas várias, embora passe a maior parte do tempo no desemprego deste ofício, não posso deixar de pensar que, ao transformarmos a literatura numa minudência, que bem que soa esta palavra!, mas infelizmente não é a adequada, pois não quero pensar que a literatura é uma minúcia, mas, sim, que foi marginalizada, desvirtuando-a da sua verdadeira função: substituir as pessoas reais.

E esta função é tanto mais urgente quanto «as pessoas reais estão muito distantes e não se encontram disponíveis, tanto para ser imitadas como para ser admiradas.» citação ligeiramente alterada – do pretério imperfeito de Agustina para  o nosso presente.

22.1.09

O dia D, o dia M, o dia J

I -Aproxima-se mais um dia D: o Parlamento vota mais uma vez se a avaliação dos docentes deve ser suspensa ou não. Os Senhores Deputados vão  brincando à avaliação! Só tarde, poderão voltar ao trabalho político, tristes…

E é triste o ponto a que se chegou nesta matéria: o que devia ser tratado com discrição e rigor transformou-se em moeda falsa que serve para tudo.

Independentemente do resultado, o espectáculo da manipulação e da propaganda está montado…

II – Quanto à Justiça, estamos falados. É tudo uma questão de compadres – pais, filhos, tios, sobrinhos, enteados, isto sem falar nos primos. Quando a mesa se torna menos abundante, desatam todos à cadeirada, e logo os jornais (senão antes!?) nos inundam com meias verdades e meias mentiras…

Impunes, quase todos!

20.1.09

Obama H…

Nem Cristo criou tamanha expectativa!

A tomada de posse do novo presidente lembra-me aquelas aulas em que se tornava obrigatório explicar a função mágica da linguagem. O baptismo e o casamento eram os rituais em que por obra do verbo se dava a metamorfose… De repente, eliminava-se o pecado original e legitimava-se a sexualidade!

Com Obama, parece que, amanhã, o mal soçobrará e o eldorado reinará. 

Já a criação do mundo resultara de um acto mágico da linguagem divina.

18.1.09

Outro desatracado…

Dizer que a barba de São Francisco Xavier o distingue do Santo Inácio de Loyola não sei se faz de mim um desatracado, termo que subtraio a Miguel Esteves Cardoso, sem a devida autorização. Atrevo-me, no entanto, a referir que o meu olhar estacou, por instantes,  na iconografia jesuítica disponível no Museu de São Roque. Fiquei, ali, diante daqueles santos da contra-reforma a pensar na estratégia catequética adoptada no Oriente. E continuo sem compreender o súbito fervor do Fernão Mendes Pinto, bem explícito na PEREGRINAÇÃO…

O resultado entra olhos pelos dentro: a prata dourada, a madrepérola, o marfim, as cores quentes, o realismo das figuras, a magnificência dos relicários, tudo nos promete uma vida (outra) excelsa, bem longe da peste, da fome  quotidiana…

A caveira que, há muito, via nas mãos de um santo  sado-masoquista, encontra-se aos pés de um outro intrépido santo, como se ela não representasse mais do que a terrena vida…

À distância, não deixo de pensar que do reinado de D. Manuel I para o de D. João III, a élite portuguesa atascou as mãos na riqueza que jamais imaginara possuir, hipotecando definitivamente a nação… E, hoje, continuamos a reagir do mesmo modo a qualquer estímulo de fartura…, esperando que, na desdita, o manto virginal nos cubra com a sua infinita misericórdia… 

13.1.09

Um circo trauliteiro…

Ontem, pensava que sem mestres não podemos ser contemporâneos de nós próprios. Hoje, estou um pouco chocado com a notícia de que amanhã irei fazer figura de palhaço.

A manipulação das consciências recorre cada vez mais à metáfora e, no limite, à alegoria. A de hoje atirou-me para a pista de circo. Um circo trauliteiro!

Quanto aos mestres, não há nada a dizer. Pura e simplesmente foram  dispensados… por quem, há muito, deixou de pôr a mão na consciência.

12.1.09

Os mestres são imprescindíveis…

Ontem, assisti a um notável concerto comentado por Paolo Pinamonti na Culturgest.

Confesso, desde já, a minha ignorância no que à música contemporânea diz respeito. Ouvi ( e vi) a magnífica execução pela OrchestrUtopica de Frates, de Arvo Part, de King, de Luciano Berio, de Aventures, de Gyorgy Ligeti, e de Invenção sobre Paisagem, de Luís Tinoco.

E face a tal ignorância, Paolo Pinamonti explicou-me o que eu seria incapaz de compreender, a solo. Explicou-me a evolução da música contemporânea, desde os anos 60 do século passado até à actualidade, ajudando-me a tornar-me contemporâneo de mim próprio.

Esta explicação reforçou, em mim, a consciência de que os mestres são imprescindíveis para que possamos aprender. Aprender a viver no nosso próprio tempo.

A própria ideia de pós-modernidade se me tornou mais clara através da execução de Invenção sobre Paisagem, de Luís Tinoco.

9.1.09

No tempo dos fantasmas…

Não sei em que data Vergílio Ferreira escreveu o conto “O Fantasma”. E de certo modo queria acreditar que não precisava dessa informação para ter proveito e seguir o exemplo inscrito na estória.
No entanto, essa minha convicção desvaneceu-se perante a insólita interpretação que alguns jovens, nascidos depois de 1990, me propuseram: M tinha a mania da perseguição. De repente, M descobriu na sua frente um tipo (sujeito /gajo) – o fantasma -, que não tirava olhos de si, uma espécie de rémora da nau das índias!
Era-lhes difícil interrogarem-se sobre a causa e os efeitos daquela súbita loucura: na mesa em frente, um sujeito sinistro, sob a aba descaída do chapéu, perscrutava o mínimo movimento, encurralando-o… De pouco interessava, o acontecimento da véspera, e ainda menos a pergunta que lhe sobrara desse insólito encontro: – Até que ponto se teria comprometido? A vida de M mudara completamente. Agora, M apenas desejava que a porta giratória o cuspisse para a chuva que caía lá fora, e, num gesto derradeiro, M conseguiu-o, saindo do radar do fantasma.
Naquele dia M não apertou a mão ao fantasma, nem este esboçou qualquer gesto nesse sentido, talvez porque a magreza, o ar macilento e o olhar sinistro fossem suficientes para apavorar qualquer incauto…
Os jovens, nascidos depois de 1990, ignoram o tempo dos fantasmas, vá lá saber-se porquê… Poderíamos pensar que eles, desempregados, abandonaram o país. Um bom dicionário lembra todavia que:
fantasma s m+f (gr phántasma) 1 Visão quimérica, geralmente apavorante, produto da fantasia. 2 Coisa medonha. 3 Pessoa macilenta e magra. 4 Simulacro. 5 Suposta aparição de pessoa morta ou afastada, alma do outro mundo; espectro, espírito. 6 Pessoa fictícia, inventada para a utilização de seu nome em operações fraudulentas, recebimento de subornos ou propinas etc. 7 Eletr Em acústica, derivação de um sinal a partir de duas fontes, de forma que ele parece provir de uma terceira fonte. 8 Telev Falha no sinal de vídeo que exibe na tela uma segunda imagem, fraca, ao lado da imagem principal. 9 Inform Termo usado para designar os itens de um menu que são exibidos em cinza, mas não estão disponíveis para o uso.
Quanto a mim, houve tempo em que a fantasia me fez correr à frente de um diabrete que insistia em assombrar a minha solidão. E, também, houve o tempo que V.F. ficciona no conto: numa cidade de província, nos anos 60, com capote ou sem ele, em frente de um largo espelho do Café Central (ou Portugal!?), senti o olhar mortiço do fantasma, mas, mais do que os olhos, aquilo que verdadeiramente temia eram os ouvidos das paredes…
MCG

2.1.09

Fazer-se de mula…

Curioso, consultei http://www.dicionarioinformal.com.br, onde é possível encontrar o dicionário de língua portuguesa mais atrevido que conheço e, para espanto meu, fazer-se de mula surge por definir. Deixo essa tarefa ao António Souto, verdadeiro apreciador do vernáculo luso, embora me pareça que, nos tempos que correm, extintos os almocreves, as mulas andam desaparecidas. Os próprios burros são hoje mais protegidos e não creio que alguém esteja disposto a fazer-se de burro..

De Lisboa à Ria Formosa, não encontrei sombra de mula, apenas meia dúzia de cavalos (seriam machos?) pastavam pachorrentamente num improvisado prado… Eu próprio, em tempos de meninice, fui actor de uma triste história em que um cavalo se fez passar por mula. No caso, uma velha mula que não se aguentava nas patas foi por mim vendida a um magarefe por 50 escudos.

Uma mula que tinha por mim verdadeira estima, que nunca me deixou ficar mal, ao contrário de umas burras azougadas que me infernizavam as jornadas. E eu traí-a… e isso aborrece-me mais do que saber se tenho muitos ou poucos amigos…

Claro está que o António Souto não tem qualquer responsabilidade nesta súbita confissão. E não vou desejar “um bom ano” porque não quero perder os amigos…

1.1.09

2009

 Uma antevisão. Antes de lá chegar, uma barraca de zinco. Numa corda, um par de calças bolorentas resistem à humidade, deixando dois desclassificados a acusarem-se mutuamente. Do outro lado, outra aventesma espia os estrangeiros que saltam para o pântano. Estamos em terreno interdito, pensamos. O melhor é avançar, ignorar a ameaça. Perdermo-nos em minúcias de outros tempos, enquanto um pescador, solitário, limpa zelosamente uma barcaça.