23.6.07

Os tanques não são muito diferentes!

O filme da checa Vera Chytilova, Qualquer Coisa de Diferente (1962), procura responder à pergunta: "Que sentido tem - se é que existe um sentido - sacrificar tudo a um objectivo cujo valor é frequentemente imaginário e que não estamos mesmo certos de atingir?"
A resposta ortodoxa, mas primaverilmente irónica, diz-nos que o sacrifício da ginasta Eva Vosakova é compensado pela triunfo esmagador, pelo reconhecimento público e oficial. No entanto, no pódium soviético só há lugar para a campeã... não há medalhas nem de prata nem de bronze!
Num plano mais burguês, a outra protagonista, Vera, a dona de casa, ignorada, desforra-se nos amantes, para, no final, se reconciliar com o marido, também ele a viver uma aventura. Neste filme, o que parece diferente torna-se ortodoxo: Eva Vosakova prepara uma nova ginasta, aplicando a mesma metodologia que o seu professor; Vera, depois de uma cena de vitimização, "refaz" o lar...
A fuga - Qualquer Coisa de Diferente - é anulada antes de os tanques soviéticos invadirem Praga...
(Depois de ver este filme, fiquei a pensar se ainda faz sentido sacrificar tudo a um objectivo, tendo em conta que, a qualquer momento, os "tanques" podem esmagar-nos, em nome de um pragmatismo económico-financeiro para o qual a história pessoal e colectiva deixou de fazer sentido.)

17.6.07

'Jantar camoniano' na ABL

Afinal, sempre tinha razão: a 'portugalidade' foi evocada; a lusofonia nem por isso. Os compadres das Academias do Bacalhau de Lisboa, do Estoril e de Estremoz continuam a ver no "Poeta"o fiador da sobrevivência de Portugal. E sintomaticamente, acrescentaram ao "Luís", o Miguel (Torga), ambos declamados por Vítor de Sousa. E para além dos Poetas, não faltou o Fado, irmanando erudição e tradição.
O longo e concorrido 'jantar camoniano' decorreu numa movida eurotropical, com algumas interrupções para celebrar o protocolo da ABL com a Associação da Força Aérea Portuguesa, que acolheu o evento, e, sobretudo, para homenagear os melhores alunos de Português da Escola Secundária de Camões - Marisa Ferreira e Manuel Pata. Estes foram presenteados com diversos prémios, que receberam alegre e estoicamente, sob o olhar "reitoral" do prof. António Figueiredo, que aproveitou a ocasião para enaltecer a grandeza da instituição camoniana e censurar a pequenez dos decisores políticos que, ao longo dos anos, destruiram as 'fileiras' comercial e industrial...
Nota pessoal: No que me diz respeito, não posso dizer que tenha aproveitado mal o tempo, apesar da dor de cabeça que apanhei. Fiquei com a sensação de que os jovens homenageados gostaram do evento, tal como os pais da Marisa e o pai do Manuel, isto sem falar do ar radiante da professora Isabel Alexandrino. E para mim isso basta. Fiquei, no entanto, sem saber quem são os meus amigos "taveiras" do Camões, mas essa responsabilidade não a posso atribuir à ABL!

16.6.07

Lusofonia e portugalidade...

Hoje, às 20 horas, sou convidado da Academia do Bacalhau de Lisboa, por mérito de dois alunos da Escola Secundária de Camões: Marisa Ferreira (11ºA) e Manuel Pata (12ºE). No que à Marisa concerne, devo dizer que o prémio "melhor aluna em Língua Portuguesa" lhe assenta perfeitamente porque, ao longo dos dois últimos anos, se revelou uma leitora consistente e metódica, e para quem ler é um acto de permanente aprendizagem e, sobretudo, de aperfeiçoamento da escrita e do ser.
Quanto à iniciativa da Academia do Bacalhau de Lisboa, esta merece louvor por promover a lusofonia, embora eu queira crer que o verdadeiro objectivo é promover a portugalidade, tendo em conta a génese e a insersão de muitas das actuais 25 academias do Bacalhau - as comunidades da diáspora portuguesa e as «ilhas» de portugueses que um dia pisaram solo africano...
Claro que para muitos não há diferença entre 'lusofonia' e 'portugalidade', mas, para mim, a lusofonia pressupõe projectos interculturais de que, infelizmente, andamos arredados. No entanto, espero que esta cerimónia de entrega de prémios me prove que a minha percepção deste tipo de iniciativas está errada.
Para além da questão teórica e cultural que lhe subjaz, daqui agradeço a iniciativa a todos os compadres da referida Academia, assim como agradeço a abnegada colaboração do professor António Souto, sem esquecer a aceitação da proposta pelo Conselho Executivo, nas pessoas dos professores António Figueiredo e Isabel Ramos.

13.6.07

O próximo lance...

Num tempo em que o poder privilegia a anglofonia, impondo o Inglês como língua global, começo a pensar que o silêncio em torno da Casa da Lusofonia é estratégico . Não é raro ver governantes basbaques, deliciados com as proezas anglófonas das nossas inocentes criancinhas. Quanto à lusofonia, vêmo-la ser desvalorizada a cada passo: os media desprezam-na; os políticos atropelam-na e os linguistas e didactas( se é que ainda existem!?) reduziram-na a um sistema de códigos de que basta conhecer alguns truques para que o locutor seja considerado habilitado ou, melhor, proficiente.
E para confirmar a nossa apetência pela res anglo-saxónica basta lembrar a competência de Guterres, Sampaio ou Durão que falam a língua do império como se nele tivessem nascido. Também, aqui, poderíamos defender a francofonia, mas o exemplo que nos sobra desse tempo da hegemonia libertária - Mário Soares - nunca revelou o mesmo grau de competência dos seus herdeiros. Felizmente!
Em 30 anos, o francês desapareceu das nossas escolas e se ainda se ouve nas nossas ruas é porque, ritualmente, os emigrantes regressam para nos lembrar o êxodo dos anos 50 e 60 do século XX. O francês começa a ser uma língua nostálgica como as canções de Piaff, Ferré ou Brell...
Ora a Casa da Lusofonia é um pouco como o Museu Imaginário de Malraux - já só existe no cérebro daqueles que, por força da colonização, desembarcaram/aterraram um dia no Hemisfério Sul, sonhando que seriam capazes de para lá trasladar o "Portugal dos Pequeninos". E são certamente esses prisioneiros do antigo império que, perdidas as terras e as gentes, decidiram reunir-se em academias itinerantes... ou, mais modestamente, em casas lacustres.
À estratégia deste jogo, mais aberto ou mais escondido, pouco importa se estamos vigilantes: os jogadores já pensam no próximo lance...

11.6.07

Num país de mercancia...

Hoje, 11 de Junho de 2007, num país de intriguistas, de trânsfugas, peneirentos e interesseiros, devo registar que ainda há pessoas abnegadas, que tudo fazem para resolver problemas que outros, impunemente, lhes criaram.
No dia em que termina o prazo de candidatura para professores titulares, estas pessoas mostraram que se pode ser titular sem somar pontos.
A injustiça espreita sempre que deixamos de olhar de frente as pessoas; sempre que as transformamos em número, em mercadoria.
Passámos a viver num país de mercancia, que procura a todo o custo integrar o planeta da globalização: um planeta deserto de pessoas...
Felizmente, ainda, há algumas pessoas!

9.6.07

Impunemente...

Há por aqui (ou será por aí?) muita gente que deveria ver atentamente os filmes de Ernst Lubitsch (Berlim, 1892-Hollywood, 1947), designadamente o filme The Shop Around The Corner / 1940. Na cópia portuguesa, A Loja da Esquina. Um filme sobre a verdade e a simulação. Nas palavras de João Bénard da Costa, apesar de sabermos «que Lubitsch era um fingidor, nunca o vimos fingir tão sinceramente. E por isso também chega a fingir que é dor a dor que deveras sente. The Shop Around The Corner inventaria o poema de Pessoa se ele não tivesse já sido inventado. Mas é diferente em palavras ou em imagens. Porque estas fingem ainda mais e doem ainda mais.»
Como é que as imagens fingem ainda mais e doem ainda mais do que as palavras?
A não ser que, propositamente, as palavras se tornem inócuas, deixando órfãos os corpos... e dos seus donos fiquem apenas imagens de incómodo, de fuga, prontas a impor uma nova verdade..., como se antes nada tivesse acontecido.
A tabula rasa não é, afinal, mais do que uma estratégia de rejeição da História, em que simulação e verdade são as faces da mesma moeda.
E todos os dias o cilindro da tabula rasa avança, triturando direitos, identidades, vidas... Em nome do quê?
Impunemente...

7.6.07

Desafio falhado, desafio orquestrado...

Por isso escrevo em meio /Do que não está ao pé,/Livre do meu enleio/ Sério do que não é. Sentir? Sinta quem lê!Fernando PessoaO menino guerrilheiro (?)
de
DIANE ARBUS

É mais fácil copiar, dizer mal, rir... do que procurar!


Como é que as granadas caíram nas mãos deste audacioso menino?
Para onde é que ele está a olhar? Para nós?
Ou vítima do fotógrafo, limita-se a posar para a objectiva manipuladora do real?
De que modo é que a mediação nos controla os sentidos e nos sabota a razão?
Quem é que está no meio? O menino? O fotógrafo? E nós, onde é que nos encontramos?

2.6.07

Os nós estão cada vez mais soltos...

A verdade é cada vez mais impressiva. Já não se alicerça numa crença ou numa certeza. Já não necessita de fundamentação. Na melhor das hipóteses, exige debate público. Espectáculo. Encenação. Diversão.
Outrora, não havia verdade sem autoridade. Hoje, relativiza-se a autoridade. Os pilares da igreja, da ciência, da educação são arrasados na praça pública.
Todos os dias assistimos à implosão da autoridade. Por enquanto ainda vamos tomando partido, mas por pouco tempo. Os nós estão cada vez mais soltos.
Desistimos de explicar os princípios, eliminámos os objectivos. Passámos a avaliar referenciais de competências pontuais, transversais... à beira da reciclagem.
A inteligência está a ser substituída pela competência. A competência das castas! O cerco intensifica-se a cada dia que passa, e os párias amontoam-se, de portátil debaixo do braço, em transe...

25.5.07

Prosápia ou jactância?

Hoje, sinto-me incapaz de classificar a relação semântica entre prosápia e jactância. No entanto, o país está a ser invadido pelo amor-próprio: via sms, uma editora diz-nos «esperamos que goste dos novos projectos da Texto Editores que enviamos especialmente para si. Com a nossa estima...»; cartazes, na 1ª pessoa, ferem-nos a retina em todas as esquinas da capital; políticos e comentadores deixaram de ter dúvidas sobre o que quer que seja, desde a OTA ao POCEIRÃO; há mesmo quem assegure que, no próximo ano, o Benfica vai ser campeão; a força ilocutória da 1ª pessoa de certos verbos tem vindo a crescer: eu garanto, eu suspendo, eu homologo, eu demito, eu delato, eu nego, eu afirmo, eu juro, eu advirto, eu asseguro... uma perigosa litania verbal que também poderá ser expressa de outro modo:
Eu represento a divindade, por isso o que eu digo é indiscutível...
Eu sou a própria divindade e, portanto, eu só posso dizer a verdade...
Eu sei de fonte segura...
Eu nem preciso de fonte!
Eu sou a própria fonte! E por isso eu decido
quando devo falar
quando devo ficar calado
Eu giro na palavra e no silêncio a meu belo prazer
Só eu sei quando digo
sei
não sei
e por princípio nego que alguma vez tenha sabido
Quanto ao outro, só eu sei!

21.5.07

A Notícia escondida...

Casa da Lusofonia inaugura espaço aberto a culturas 10-05-07 "A Casa da Lusofonia, um novo espaço de cultura, em três pólos, vai ser inaugurado em Lisboa no próximo dia 12 de Maio. Trata-se de uma iniciativa da organização não-governamental Etnia - Cultura e Desenvolvimento com o apoio da Escola Secundária de Camões, da Junta de Freguesia de S. Jorge de Arroios e conta com o apoio de instituições portuguesas e brasileiras. Haverá uma sessão formal de inauguração com visita às instalações seguida de um jantar com a gastronomia tradicional dos países da CPLP. E, segundo um dos seus promotores, Vladimiro Cruz, da Etnia, o objectivo é que haja uma Casa da Lusofonia em Cabo Verde, na Guiné-Bissau, Brasil e demais países de língua comum. A participação no espaço será efectuada mediante determinados critérios e condições patentes no Regulamento de Funcionamento da Casa da Lusofonia, que está em preparação e que será publicado brevemente. A Etnia é uma associação que tem parcerias com diversos paises, nomeadamente o Brasil, e tem desenvolvido programas de comunicação, cinematográficos e de difusão da língua portuguesa, em muitos lugares, como Portugal, Brasil, Cabo Verde e Guiné-Bissau." Reacção ao artigo: Manuel Gomes "Casa da Lusofonia inaugura espaço aberto a culturas" Não deixa de ser perturbador que o corpo docente da Escola Secundária de Camões não tenha sido informado da cedência das "Caves", nem da parceria negociada com a Junta de Freguesia de S. Jorge de Arroios e com a ONG "ETNIA", sob os auspícios da CPLP e das autoridades portuguesas (Quais?).Quem quer explicar o secretismo da iniciativa?
Notas soltas:
1. "De ascendência cabo-verdiana e nascido na Guiné-Bissau, o autarca João Taveira mostrava, entusiasmado, às perto de 200 pessoas que o seguiam na visita às catacumbas do emblemático Liceu Camões, agora escola secundária, o espaço farto, mas ainda nú, onde crescerá a “Casa da Lusofonia” na capital portuguesa. Este projecto inédito da “tal” sociedade civil, de quem muito se reivindica em discursos oficiais, mas quando surgem e se não forem auto-sustentáveis, acabam caindo sozinhos ou, senão mesmo, atrofiados por quem explorou a sua criatividade ou dela usufruiu."
2. "Luis Fonseca, secretário-executivo da CPLP, considerou “consistente” esta iniciativa da sociedade civil, contrariamente a outras que têm aparecido mas que se diluem, naturalmente, sem meios. O ex-secretário de estado brasileiro da cultura, Paulo Miguéis, antigo “braço direito“ de Gilberto Gil, notou ser esta uma “aventura que mudará a vivência dos portugueses”. Defende um conceito novo de cultura: “É preciso levá-la aos locais e deixar que a cultura não seja apenas dos que lêem muito, mas também de iniciativa de gente simples. Através das suas actividades estar-se-á a desenvolver a cultura e língua comum”, disse, exemplificando que preservar o ambiente é um acto de cultura. Observou ser necessário um trabalho árduo de mecenatos e patrocinadores, à semelhança da empresa brasileira Telemix celular que aderiu a este projecto e lançou já um concurso lusófono, do melhor filme por telemóvel, a enviar até Setembro, para www.telemix@celular.br"
3. Mário Alves, responsável pela “Etnia” e companheiro de carteira de João Taveira neste mesmo liceu, instituição-referência onde estudaram destacadas personalidades - o escritor Manuel Lopes foi uma delas - explicou que a Casa da Lusofonia é parte de um projecto cuidadosamente elaborado que já vem desde 2004 e que foi apresentado em Bissau no decurso da Cimeira Cultural da CPLP, e que foi uma consequência das muitas iniciativas, que esta organização não governamental tem feito no Brasil.
4. Fonte das notas soltas: otilia.leitao@gmail.com
PS: A CPLP quer promover um novo conceito de cultura - a cultura do lugar... sem leitura! Por isso os responsáveis pela iniciativa não estabeleceram qualquer contacto com aqueles e aquelas que, sob a égide de Camões, promovem diariamente a leitura da lusofonia. Bem poderiam ter aproveitado a cratera que deixaram aberta, junto ao Palácio dos Alfinetes, em Marvila. Uma cratera em que, há uns anos, uma criança morreu afogada. Que os arroios, revoltos, não nos afoguem a todos!

18.5.07

As cadeiras que desrimam...

Um pouco por todo o lado, vemos cadeirões ser substituídos por cadeiras, num processo de rejuvenescimento prometedor.
Claro que me estou a referir aos assentos de responsabilidade: do Senhor Blair ao Senhor Chirac, para falar apenas dos mais ilustres... Por cá, o Senhor Costa promete libertar a capital do cadeiral, e colocá-la no mapa global (versão recente do mapa- mundo). Mas o Senhor Costa já há uns tempos que não lê o seu mentor republicano - Teófilo Braga - pois, se o fizesse, saberia que antes de olhar para o mundo, convém descer às caves, arejá-las, antes que as ossadas saiam dos armários e nos lancem numa batucada de arromba.
No entanto, duvido que o envernizamento das cadeiras consiga restaurá-las. Não é que eu tenha alguma coisa contra a limpeza das fachadas. Mas, de facto, falta-lhes o miolo. E quando este não falta, deve-se sempre mandar analisá-lo, não vá o verniz disfarçar a ferrugem ou, pior, esconder o bolor.
E a despropósito, vou citar BOLOR de Carlos de Oliveira: «Os versos/que te digam/a pobreza que somos/o bolor/nas paredes/deste quarto deserto/os rostos a apagar-se/num frémito de espelho/e o leito desmanchado/o peito aberto/a que chamaste/amor.
De facto, onde é que as cadeiras se cruzam com o leito?
(- Não há por aqui sombra de contexto!? Ou como perguntava um desencantado professor: Como é possível começar a dissertar sobre cadeirões e acabar em bolor a desrimar com amor?)

13.5.07

Cachimbadas na ponte...

Deixou de se fumar cachimbo nas varandas… O cigarro sai e entra pelas narinas, ao desafio, trocista, atravessa os pátios… Eduardo Prado Coelho, no dia 11 de Maio de 2007, no Público, voltou a referir-se ao «extraordinário professor», Mário Dionísio que teve no liceu [Camões], que fumava cachimbo e que teve a tentação de imitar. Mas EPC desistiu, quando percebeu que o seu «professor David Mourão-Ferreira tinha uma trabalheira imensa para conservar o hábito do cachimbo…» Será que os condiscípulos de EPC, Mário de Carvalho e João Aguiar também tiverem a tentação de imitar os mestres? (Uma pergunta por fazer) Eduardo Lourenço que nunca (?) terá passado pelo Liceu Camões, ao escrever, em 1968, Sentido e Forma da Poesia Neo-Realista, não se referiu a Arquimedes Silva Santos, a Mário Dionísio ou a Manuel da Fonseca porque, apenas, convivera com os cachimbistas [apesar de não estarem obrigados a ser portadores do implícito] de Coimbra, designadamente Joaquim Namorado e Carlos de Oliveira. O que deixa adivinhar que desconhecia a fumaça dos cafés Bocage e Monte Carlo… E sem fumaça, o intelecto torna-se escorregadio, heterodoxo…
José Gomes Ferreira, a 30 de Dezembro de 1967 [com e sem cachimbo] interrogava-se indirectamente sobre o amigo Mário Dionísio (aqui, sem cachimbo!?): «Que toque de simpatia pública falta a este homem que, no entanto, pode gabar-se de ser amado até à idolatria pelos alunos dos primeiros anos do liceu [Camões]Dias Comuns III, Ponte Inquieta, Publicações D. Quixote. O mesmo José Gomes Ferreira, ex-Liceu Camões, com o José Bacelar, o Armindo Rodrigues. Sabem de quem se trata? Dixit: «Foi ali [Gil Vicente], naqueles corredores de ecos sombrios, sujos de passos apodrecidos de monges, que, liberto dos mestres-caturras do Liceu Camões (de má memória), se definiu, de maneira categórica, a minha vocação literária, sustentada por um grupo de professores que classifico sempre com este adjectivo de anúncio de filmes: sensacional. Senão, leiam o elenco: Leonardo Coimbra, Newton de Macedo, Ângelo Ribeiro, Câmara Reys, Damião Peres…»
Fico sem saber se no Camões se fumava mais ou menos do que no Gil Vicente. E pelos vistos, fumava-se dentro da sala de aula. Ainda, hoje, recordo esse cachimbista laureado que é o Álvaro Manuel Machado que nunca encetava o Paradiso do Lezama Lima sem nos cachimbar o espírito.
(De regresso, a JGF - A Memória das Palavras ou o gosto de falar de mim, Portugália - vale a pena ler a nota sobre os professores supranumerários de 1914-1915, cuja missão consistia em velar pela ordem nas turmas durante a ausência acidental dos efectivos…) Os primeiros não tinham dinheiro para cachimbadas, mas nem por isso deixavam de ser cachimbados. Quanto aos últimos, mestres-caturras...
Ao longe, já avisto o cachimbo de Vergílio Ferreira a vocifrar com o cachimbo do Mário Dionísio...

(Se me distraio, ainda chego aos fumos da Índia...)

12.5.07

Sinais

- Vou por fora! Entro no vale titubeante a serra modesta! Ali do restolho emerge um poço - Um sonho! Lá ao fundo hesitante afasto-me da serra sempre distante A vinha verdece a brenha a ser cortada - Não, por mim! De súbito eleva-se a distante palmeira cercam-me em sufoco gritos refreados um velho pousado num varandim anoitece Subo por dentro linhas cruzadas e decido - Vou pelos semáforos!

7.5.07

Pobres deuses arruaceiros!

De costas para o esforço, para a persistência - ruidosos - preferimos a lamúria fácil...
Deseducados, ignoramos a letra e o sentido, e reclamamos, ciosos dos nossos argumentos...
Altivos ou falsamente humildes, esperamos a cedência, convencidos de que a felicidade beija a fronte dos futuros deuses...
Pobres deuses para quem o caminho é sempre inclinado! Em vez de o subirmos, rolamos pela encosta, sorrindo. Sorrindo sempre, até irrompermos num choro inútil e definitivo.
Pouco falta para que a Bastilha arda de novo!
No pinhal, os ancinhos já começaram a juntar a caruma.

5.5.07

A escória humana

«Raramente, somos justos com os vivos: ou os adulamos, ou ignoramo-los. E mesmo depois de mortos, temos sobressaltos de carpideiras, para definitivamente colocarmos uma pedra sobre o assunto...» A Cinemateca Portuguesa presenteou-me, hoje, com um fantástico filme indiano, PYAASA, realizado em 1957, mas escrito em 1948. Um filme (musical) do realizador e actor GURU DUTT que interpreta um excelente poeta, incompreendido, desempregado, rejeitado pelos irmãos, condenado a viver nas ruas prostituídas e delinquentes de Bombaim. À beira do abismo, Vijay, o inspirado e mordaz poeta, só encontra algum reconhecimento naqueles(as) que com ele partilham a miséria – as vítimas desclassificadas de uma sociedade que apenas preza o dinheiro. Vijay não consegue publicar qualquer verso, vendo mesmo os seus poemas ser vendidos a peso pelos broncos dos irmãos. Poemas que foram cair nas mãos de uma romântica prostituta que, mais tarde, tudo fará para os ver publicados pelo rico editor que, efemeramente, deu emprego a Vijay… Despedido pelo patrão-editor, rejeitado mais uma vez pela apaixonadíssima namorada (esposa interesseira do editor) - morta a abnegada e impotente mãe, vítima do machismo dos outros filhos – Vijay procura o suicídio que acabará, involuntariamente, por lhe trazer uma morte oficial que o tornará num poeta celebrizado e adulado por todos, sobretudo por aqueles que o tinham rejeitado em vida. Morte oficial, mas não real, pois enquanto os corvos se abatiam sobre os milhões gerados pelos seus versos, ele jazia, sem nome, num hospital psiquiátrico. Descoberta a sua identidade, tudo foi feito pelo editor, pelos irmãos e pelos amigos para o apresentar como um impostor. Um ano depois da sua morte, o editor promoveu uma homenagem ao poeta que denunciava a vilania duma sociedade que tinha como único valor o dinheiro. O poeta acabou por assistir à mascarada organizada em seu nome, revelando que, afinal, estava vivo. Mas essa revelação trouxe um motim que o levou a renegar a sua identidade: naquela magna e manipulada assembleia em fúria, raríssimos eram os que se interessavam pela mensagem da sua poesia. Os próprios correligionários foram ao ponto de o raptar – os poetas. No final, acompanhado de uma casta prostituta que soubera valorizar os seus versos, Vijay volta as costas a Bombaim (à Índia), e caminha numa planície enevoada, liberta da escória humana. Em que é que nos distinguimos da Bombaim de 1957? Quando penso no tempo que vivi nos anos 50 e 60, fico sempre perturbado com a minha ignorância. E sinto que, também, eu fui silenciosamente preparado para não me distinguir da escória humana. NOTA: Este filme foi apresentado pela primeira vez em Portugal, a 22 de Outubro de 1986, na Cinemateca Portuguesa por ocasião da I Retrospectiva do Cinema Indiano.

4.5.07

Os valores da desmedida...

À nossa escala, a ideia de prolongar em mais de 600 km os mais de 2700 que constituem o curso natural do rio São Francisco é insensata, faraónica, megalómana, mas à escala brasileira tudo será diferente, mesmo para os 13 milhões de pessoas que irão ser afectadas. E porquê? Porque a água é um elemento fundamental para a construção do estado brasileiro. Sem ela, a água, o Brasil desmoronar-se-á.
Portanto, a desmedida, lá, no Brasil, pode ser justa, enquanto que, aqui, é quase sempre sinal de loucura.
A escala condiciona-nos a razoabilidade: colocamo-nos permanentemente em bicos-dos-pés, quer quando olhamos para trás quer quando olhamos em frente.
Andamos numa roda viva a desfazer. Odiamos a persistência e a consistência. Admiramos o improviso, damos laudas à boçalidade, à voz grossa. Pagamos para gozar a pequena intriga. Raramente, somos justos com os vivos: ou os adulamos, ou ignoramo-los. E mesmo depois de mortos, temos sobressaltos de carpideiras, para definitivamente colocarmos uma pedra sobre o assunto...
À nossa escala, não deixamos, no entanto, de praticar a desmedida: O SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) perdeu o rasto de 200 caixas de fichas que nos permitiriam a avaliar (conhecer) o movimento das fronteiras, entre 1919 e 1975. Sem elas, ficamos impedidos de conhecer os êxodos, as migrações, as capturas, as deportações, o contrabando, a clandestinidade... o zelo de milhares de obedientes funcionários. E há anos que estas fichas deveriam ter entrado na Torre do Tombo!?
A medida da nossa desmedida é a irresponsabilidade que insiste em guardar ou em assaltar o poder.

3.5.07

A verdadeira medida da Desmedida...

Num tempo em que me dou conta da luta diária pelo poder, seja em França, no Iraque, no Irão, nos Estados Unidos, na Venezuela, em Angola... na Câmara de Lisboa ... ou, mesmo, na Esc. Sec. de Camões, não posso deixar de reflectir sobre a natureza excessiva desses combates. Nuns casos, porque os projectos são desmesurados e irrealistas, noutros porque inexistentes ou, pelo menos, subterrâneos. Raramente, os destinatários são envolvidos na construção dos projectos que, em princípio, lhes dizem respeito. Não sei se estamos perante um fenómeno que possamos classificar como desmedida!?
Sei, no entanto, que Ruy Duarte de Carvalho publicou, em 2006, um conjunto de crónicas a que deu o nome de Desmedida. Ler esta obra pode transformar-se numa viagem de consequências imprevisíveis, pois, cedo, desperta a vontade de seguir os caminhos do autor em torno do desmesurado rio S.Francisco. Mas segui-lo, supõe todo um programa, cujos contornos nos obrigam a viajar do séc. XVI ao séc. XXI, de modo a perceber por que motivo a colonização do Brasil foi diferente da angolana, apesar do colonizador ser o mesmo, apesar dos holandeses que procuraram simultaneamente ocupar os dois territórios, apesar do «brasileiro» ser fruto da mistura do branco europeu com o negro africano, apesar de, em momentos vários, o «brasileiro» ter sido atirado para os braços de Angola.
Numa viagem fascinante, Ruy Duarte de Carvalho dá conta da extensa investigação que fez no terreno, observando e lendo. Lendo e cruzando: Cadornega, Blaise Cendrars, Sir Richard Burton, Guimarães Rosa, Gilberto Freyre, Euclides da Cunha... o engenheiro Theodoro Sampaio - verdadeiro protagonista da desmedida brasileira... Tudo para poder responder às perguntas do velho Paulino e, sobretudo, quando for visitar os pastores cuvale, pois, há muito que o autor chegou à evidência:
«Quem é analfabeto nada lê, de facto, e também de facto pouco ou nada lêem aqueles que beneficiaram de aprendizagens modernas mas evitam, recusam mesmo, porque antes de mais lhes intimida, toda a escrita que não lhes proponha uma sopa de letras liquidificada pelas tecnologias da mediatização, ou propostas ditas literárias devidas a talentos jornalísticos assim-assim que para se imporem chegam até a vigiar-se de muito perto, não venham a incorrer na desvantagem de querer voar eventualmente mais alto, o que aliás acabaria, quem sabe, por revelar, também, a efectiva tibieza dos seus talentos.» op.cit, pág. 225
No que me diz respeito, creio que, por uns tempos, vou viajar com Ruy Duarte de Carvalho para que ele me possa guiar pelos sertões da alma humana, à procura da verdeira medida da desmedida...

28.4.07

A rampa...

- Por pudor, não. Por horror. Ando e penso contra o vento. À esquerda, vozes de ontem - promessas cinzeas. À direita, a dúbia cister - risos dúbios. Estático, sufoco referências. - Por horror, não. Por pudor.

24.4.07

Escondem-se os espelhos...

«A veces en las tardes una cara nos mira desde el fondo de un espejo; el arte debe ser como ese espejo que nos revela nuestra propia cara Jorge Luis Borges, Arte Poética
Em Abril de 2007, escondem-se os espelhos, pois tememos que eles mostrem que, desde o início, fizemos batota. Uns receavam cada vez mais o campo de batalha e por isso rebelaram-se em nome do direito à liberdade dos povos oprimidos.
Outros (quando não os mesmos) aproveitaram a fuga dos títeres para lhes usurpar o lugar. Multiplicaram-se pelas cadeiras do poder e estão aí, repimpados, fugindo as caveiras que irrompem do fundo dos espelhos.
Nem uns nem outros percebem que temos os dias contados.

21.4.07

O público dos Dias da Música do CCB...

No Grande Auditório, o respeito e a veneração. No Espaço Aberto, a boçalidade e o cavaco. Porquê?
Quando, no âmbito da «Música Livre», Quatro Cantos da Casa (com obras inéditas de Jorge Machado, Eurico Carrapatoso, Carlos Gomes, Paulo Brandão, Ivan Moody, Eli Camargo Jr.) apresentava o seu espectáculo/concerto, resultante da associação da Escola de Música do Conservatório Nacional de Lisboa com a Escola Técnica de Imagem e Comunicação (ETIC), algum público, desatento e ruidoso, fez fracassar o início do programa.
Como é que os jovens podem respeitar os mais velhos, se desrespeitamos os jovens músicos? Esta dualidade de critério é inaceitável: a subserviência perante o consagrado e a indiferença perante aqueles que precisam de público para melhorarem as suas performances. E para além disso, a dualidade de comportamento também se manifestou no aplauso, no interior do Grande Auditório. O português Bernardo Sassetti (1970-), com as suas "Improvisões" reveladoras de um compositor e pianista de recursos ilimitados, perdeu no aplauso para o pianista turco Huseyin Sermet (1955-)...
Diria que a substituição da Festa da Música pelos Dias da Música faz sentido, pois nem tudo é festa: falta dinheiro e, sobretudo, falta educação... e esta deveria começar em casa, continuar na escola... Mas como?

19.4.07

No espaço de uma semana...

Na Escola Secundária de Camões, no espaço de uma semana, foi possível recuar no tempo e dar a conhecer aos alunos e, também, aos professores, um tempo que alguns viveram, mas a maioria desconhece.
A 13 de Abril, o escritor João Aguiar revisitou o "liceu", que frequentou entre 1957 e 1961 (?). A 18 de Abril, a professora Madalena Contente fez-nos revisitar Vergilio Ferreira, que leccionou no Camões, a partir de 1959 até à sua aposentação.
I
João Aguiar dirigiu-se, no Auditório, a uma plateia de mais de 250 alunos e professores, evocando o passado e discorrendo sobre o ofício de escritor. Desse passado, ficou a imagem da distância que separava os rapazes das raparigas que, quando admitidas no Liceu, eram fechadas, nos intervalos das aulas, na Biblioteca. Ficou também a ideia da inacessibilidade do livro, aprisionado nas "altas estantes" da Biblioteca. O aluno só podia ir à Biblioteca quando algum professor faltava. E sobretudo, sobrou a imagem do poder do professor e, em particular, do reitor, perante o qual todos se prostravam. Por outro lado, nas aulas de Português, poucos professores desenvolviam estratégias motivadoras da leitura.
João Aguiar recordou dois professores: Maria da Conceição Caimoto, que lia selectivamente excertos de obras, que acabavam por convidar os alunos a continuar a leitura, e Mário Dionísio, que contextualizava, com tal rigor e clareza de expressão as épocas literárias e as obras que que as integravam ,que aos alunos bastava estar atentos e tirar notas, para mais tarde tentarem reproduzir o pensamento do mestre.
Sobre o ofício de escritor, João Aguiar deixou no ar a ideia de que o despertar para escrita resulta mais de uma descoberta pessoal do que de um efeito da Escola. No seu caso, ela terá surgido por volta dos sete anos de idade e ter-se-á acentuado, na sequência de uma doença que lhe restringiu os movimentos durante, entre os nove e os onze anos. Dos seus autores preferidos, preferiu citar Eça de Queirós. Dos vivos, pouco disse, a não ser que o antigo aluno do Camões e "rebelde" António Lobo Antunes sempre o tratou com grande deferência... E que também apreciava a obra de Mário de Carvalho, seu condiscípulo. Curiosamente, não referiu Vergílio Ferreira com quem, eventualmente, se terá cruzado... Mas, como nos prometeu escrever sobre o tempo que viveu no Liceu Camões, no âmbito da comemoração dos 100 anos do edifício, talvez ainda estejamos a tempo de o ver escrever sobre a sua relação com Vergílio Ferreira, também ele, grande admirador de Eça de Queirós...
II
Quanto à remoremoração de Vergílio Ferreira, esta decorreu entre os livros das "altas estantes", na Biblioteca, que lotou. Entre outros, estiveram presentes a viúva do escritor, nos seus enérgicos 92 anos de idade; a professora doutora Maria Joaquina Nobre Júlio que falou sobre a "Aparição"; a antiga professora do Liceu Camões, Drª Clarisse Santos que explicou aos presentes quem eram / são as "três colegas", múltiplas vezes referidas pelo escritor na sua obra; e o dr. Luís Filipe Valente Rosa, antigo aluno do homenageado que dissertou sobre o "pensamento em Vergílio Ferreira", deixando a mensagem de que a acção (docente, literária e ensaística ) de V.F. terá sido, muitas vezes, redentatora para os alunos e para os leitores. Deixou-nos também a imagem de um homem cujo objectivo principal era descobrir a irredutbilidade da pessoa, lutando contra qualquer totalitarismo, viesse donde viesse... o lhe terá trazido alguns dissabores, sobretudo, da crítica de raíz marxista...
Para além das referidas intervenções, é ainda necessário referir o filme realizado pelas professoras Madalena Contente e Teresa Almeida, e que, pelo rigor documental, poderá futuramente ser muito útil na apresentação de V.F. às novas gerações e que, por outro lado, não deverá ser esquecido na celebração dos 100 anos do edifício da Escola Secundária de Camões.
III
  1. Se cruzarmos as duas datas - 13 e 18 de Abril, verificamos que nos falta conhecer o "diálogo" travado por Mário Dionísio e por Vergílio Ferreira, isto é, o diálogo entre a escrita de raíz marxista (vulgo neo-realista) e a escrita que, rejeitando o fascismo, procurava no homem e não na classe (no grupo) o caminho da sua superação.
  2. Estas iniciativas, seja no Auditório seja na Biblioteca, são de grande utilidade para ver se aprendemos a ouvir, a respeitar a voz do outro (EU). No Auditório, ainda houve jovens que não souberam ou não quiseram ouvir, obrigando o convidado a chamar-lhes a atenção. Na Biblioteca, também houve quem passasse o tempo a comentar os oradores, querendo deixar nos circunstantes a ideia de que muito do pensamento de V.F. mais não seria do que plágio.

16.4.07

O desnorte de certos governantes...

«Encheram a terra de fronteiras, carregaram o céu de bandeiras. Mas só há duas nações - a dos vivos e a do mortos(Juca Sabão, citado por Mia Couto, Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra)
Li recentemente que o PSD de Marques Mendes quer entregar a contratação de professores e restantes funcionários às Escolas. Quer também que essas Escolas paguem aos funcionários segundo tabelas próprias.
Certamente que esta luminosa ideia resulta do brilhante raciocínio de que nas regiões mais pobres, os funcionários devem receber menos do que nas regiões mais ricas. Ou será ao contrário?
A nação dará lugar a um conjunto de cantões, onde o compadrio, o amiguismo e o nepotismo reinarão.
Qual será o objectivo do Dr. Marques Mendes? Promover a instrução dos portugueses ou criar uma sociedade em que os portugueses se distribuiam por categorias (castas) de 1ª, 2ª, 3ª?
Esta proposta vem de alguém que tinha a obrigação de saber quais são as funções do Estado. Alguém que cresceu (?) no interior do aparelho partidário e estatal. No entanto, parece que o seu objectivo é destruí-lo, colocando-o nas mãos de caciques locais, trauliteiros, que infestam o país de Norte a Sul, sem esquecer as Ihas... destrambelhadas capitanias!
Só não compreendo por que motivo o Dr. Marques Mendes não propõe a mesma solução para os quartéis. Cada um contratava a tropa fandanga que quisesse, pagando-lhe de acordo com o saque de que fosse capaz. Afinal, para que servem as forças militares e de segurança?
Só um Estado, incapaz de definir um Projecto Educativo, pode tolerar que haja governantes que queiram instrumentalizar as instituições que o justificam: a Segurança, a Justiça, a Educação.
A acção de certos governantes empurra-nos objectivamente para a terra dos mortos...

9.4.07

Casos de polícia...

O ministro Mariano Gago justificou, hoje, o seu despacho provisório de encerramenento compulsivo da UnI, baseando-se na actual degradação pedagógica da instituição e pelo facto responsabiliza os proprietários.
E quem são os proprietários? Ninguém sabe!
Extraordinário! O Estado permite o funcionamento de múltiplas instituições de ensino sem conhecer os proprietários e, sobretudo, sem conhecer o respectivo financiamento. O ministro reconhece que estamos perante casos de polícia, cujo desfecho é imprevisível...
Por outro lado, Mariano Gago quer fazer crer que essas instituições - opacas, enredadas em compadrios de longa data ( Estado Novo) - prestaram até há pouco tempo um serviço exemplar. E a atestá-lo apresenta os relatórios das várias equipas de avaliação que apenas descobriram pequenas falhas facilmente superáveis. Esses relatórios jamais registaram qualquer tipo de degradação pedagógica. E porquê?
Porque nessas instituições nunca houve investigação consistente e, sobretudo, a transmissão de conhecimento(?) nunca obedeceu a qualquer princípio pedagógico. O ensino superior (privado e público) detesta a pedagogia, evita a educação. A maior parte dos docentes nunca teve qualquer preparação pedagógica. E quanto a educação, basta ouvi-los falar, basta ler as suas dissertações, as suas teses...
Ao tentar separar o trigo do joio, Mariano Gago enredou-se numa demonstração inconsistente, pois sabe muito bem que, há alguns meses atrás, humilhou o professor Adriano Moreira, porque a avaliação do ensino superior seria inóqua.
Lá no fundo, o Senhor Ministro mostrou, hoje, que a sua grande preocupação é defender o currículo do aluno José Socrates em quem devemos admirar a aplicação, a fome de conhecimento necessários à construção da OBRA.
Um currículo anterior à degradação pedagógica que atingiu a UnI.
Toda esta encenação é mais um caso de polícia. Mas que polícia? Mas que justiça?

8.4.07

A inveja mata a vaidade...

Hoje, domingo de Páscoa, gastei boa parte do dia a elaborar uma matriz para uma prova de equivalência à frequência e/ou de equivalência a exame nacional, e a ler a legislação sobre os exames 2006-2007. Em momentos vários, lembrei a notícia de que o Reitor Arouca terá assinado a certidão de conclusão de curso (o diploma /a carta de curso?) do engenheiro Sócrates a um Domingo.
Perante a chicana criada em torno deste facto (político?), decidi tornar pública a minha prevaricação, pois, neste domingo, lesei o compromisso assumido na pia baptismal há mais de 50 anos. Se tivesse agido em conformidade, teria deixado para melhor momento essa incómoda matriz. É que já não sei a quem servir: se a Deus se a César...
Afinal, tal como eu, o Reitor Arouca, ao despachar ao Domingo, vivia o mesmo dilema: não sabia a quem servir se a Deus se ao futuro querido líder... A não ser que o Reitor Arouca nunca tenha assumido nenhum compromisso na pia baptismal!
Por outro lado, confesso que trabalhar neste domingo (de ressurreição) me deu algum prazer, porque, mesmo que não queira, me sinto solidário com o enxame de assessores do Primeiro Ministro e do Ministro da Ciência e do Ensino Superior que gastaram este santo fim de semana a escarafunchar argumentos capazes de ressuscitar o querido líder.
Viva a Universidade Independente! Abaixo a Ordem dos Engenheiros!
Se não fosse a inveja, o querido líder era hoje Primeiro Engenheiro, ou mesmo Primeiro e Único Arquitecto!
PS: Por onde anda a Ministra da Educação? Será que a ressurreição do querido líder vai devolver-lhe a voz ?

6.4.07

Ao Sul...



Armação de Pêra, 5 de Abril de 2007Fugi da Sombra para o Sol do Sul.
Nestes últimos dias, viajei para o antes do presente (AP). E estive quase simultaneamente em Lapedo (Leiria) e em Silves.
Em primeiro lugar, o escritor João Aguiar obrigou-me a regressar a 1998: tempo, para mim, de mudança – de Mem Martins (Sintra) para a Portela (de Loures / Lisboa) e ainda da Escola Secundária de Santa Maria para a Escola Secundária de Camões; tempo de uma vizinha e orgulhosa EXPO; tempo de (re)iniciação à doença e à morte; tempo, talvez por isso, de ignorância da descoberta das ossadas de uma criança que morreu há 25 000 anos, com a idade de quatro anos e meio – “o menino do Lapedo”.
Essa descoberta, reportada /“ficcionada” por João Aguiar na obra LAPEDO, Uma Criança no Vale (ASA, 2006), parece obrigar à revisão da teoria Out of Africa – o modelo da Origem Africana Recente – que gerara a perniciosa ideia de que a humanidade assentaria na acção do «exterminador implacável», cuja acção primordial teria consistido no genocídio do Homem de Neandertal, na medida em que o Homo sapiens e o Neandertal seriam espécies tão diferentes que a inter-reprodução seria biologicamente impossível.
A investigação pluridisciplinar em torno d “O menino do Lapedo” coloca-nos perante a hipótese da miscigenação entre “arcaico” e “moderno”, Neandertal e Sapiens, destruindo, desse modo, a concepção dominante do homem, em grande parte do século XX.
A obra de João Aguiar, pelo diálogo que estabelece com arqueólogos, antropólogos, físicos, mitólogos, etc., merece ser lida atentamente porque, para leigos, como eu, revela-se uma preciosa fonte de conhecimento.
Em segundo lugar, também voltei a Silves, esse lugar onde o antes do presente (AP) árabe me é mais visível.
As obras de reconstituição do legado árabe continuam no Castelo de Silves, não sei há quantos anos. Torna-se claro que ali existiu uma urbe muito bem organizada, mas, por enquanto, apenas isso…
Na parte restaurada pelo PÓLIS, surgiu, entretanto, uma fonte-jardim em homenagem a IBN Qasi, o governante muçulmano de Silves, com quem D. Afonso Henriques terá «estabelecido uma aliança, estratégica mas possivelmente também espiritual» para proteger os mouros que ficavam sob o seu domínio»…
O interessante é que li estas palavras de João Aguiar, algumas horas depois de ter (re)visitado SILVES.
Em síntese: a ideia da miscigenação está inscrita nos ossos e nas pedras da IBÉRIA! Mas também de todas as partes, ao SUL, por onde ousámos VIAJAR…

Nota de rodapé: No decurso desta viagem ao SUL, CARUMA não deixou de prestar atenção ao Presente. E pelo que tem lido e conhece dos AROUCAS deste país, recomenda ao Engenheiro Sócrates que continue obstinado e não deixe de tomar a cicuta que se impõe nestas circunstâncias. Por muito menos, outros deixaram o poder, esconderam-se num qualquer conselho de administração e o país, como é seu timbre, esqueceu-os.
O PS ainda tem no seu seio um ou outro dirigente capaz de formar um Governo, cuja única regra de governação seja a honestidade.
CARUMA espera, agora, que CAVACO se revele PRESIDENTE. Para isso foi eleito.E não precisa de fazer barulho!
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A reles vaidade mata-nos a cada dia que passa!

30.3.07

De Rafael Bordalo Pinheiro a Cesário Verde...


"Nada mudara. A mesma sentinela sonolenta rondava em torno à estátua triste de Camões. Os mesmos reposteiros vermelhos, com brasões eclesiásticos, pendiam nas portas das duas igrejas. O Hotel Alliance conserva o mesmo ar mudo e deserto. Um lindo sol dourava o lajedo; batedores de chapéu à faia, fustigavam as pilecas; três varinas, de canastra à cabeça, meneavam os quadris, fortes e ágeis na plena luz. A uma esquina, vadios em farrapos fumavam; e na esquina defronte, na Havanesa, fumavam também outros vadios, de sobrecasaca, politicando." Eça de Queirós, Os Maias

A surpresa de Bordalo, retratada no Lazareto de Lisboa (1880), é a mesma de Carlos da Maia (e de Eça) e ambas pressupõem o distanciamento da pátria. O retorno fugaz ou definitivo introduz uma idealização frustrada, apesar da sublimação do sol e das varinas de Cesário.
Hoje, sob a estátua triste de Camões desfila um sem número de automóveis à procura de um alvéolo insalubre e, à superfície, os mesmos vadios adormecem à sombra do vate, mergulhados em sal-azar. As sobrecasacas fugiram do Largo, preferem os gabinetes onde tecem as malhas que nos hão-de estrangular.
Entretanto, sob o Camões, as novíssimas raízes de aço e cimento suportam vaidosas sobrecasacas dúbias...

25.3.07

No Lazareto...

O Rafael Bordalo Pinheiro atirou-me para um impasse: os papagaios voam no ar; os comendadores voam na terra.
Tudo parece de acordo com a regra natural. No entanto, a ideia de ver os comendadores a voar deixa-me inquieto.
É um pouco como aqueles governantes que exigem ter direito à opinião. Sempre pensei que a opinião era um direito dos governados. Estes pronunciam-se, de acordo com as suas expectativas (os seus pre-conceitos), sobre a decisão dos governantes. A opinião é por definição tendenciosa, subjectiva... A opinião é inimiga do governo, gera, em si própria, a anarquia.
Os governantes, tal como os comendadores, não deveriam voar. Só lhes é permitido errar ou acertar. Jamais se deveriam escudar na opinião. Devem ouvi-la para decidir. Mas não devem decidir a favor da opinião.
Aqui, na terra da opinião, sinto-me atirado para o lazareto... se é que ele ainda existe.

17.3.07

O charme descarado dos oligarcas...

Ao passar, hoje, em frente do Hotel Tivoli (Lisboa) tive uma estranha sensação: os mortos das guerras de libertação serviram, apenas, para nutrir os mandarins e os querubins que, despudoradamente, vão vivendo faustosos dias.
Quando minutos mais tarde, revi O Charme Discreto da Burguesia (1972), de Luis Buñuel, lembrei-me novamente dos figurões da Avenida da Liberdade, ao ver a mala diplomática do embaixador de Miranda que transportava 15 kilos de cocaína.
Miranda, república democrática da América Latina, inventada por Buñuel, obrigou-me a pensar noutras repúblicas democráticas, onde o petróleo, os diamantes, as drogas... engordam uma casta predadora que vem fazendo tábua rasa dos princípios que nortearam as guerras de libertação.
Dessas guerras sobra, hoje, o charme descarado dos oligarcas.

15.3.07

Em Sintra, podemos aprender a ler...

Ler pode ser aliciante. E para alguns de nós, é-o certamente. Mas para outros, a resistência é cada vez maior. Procurar uma explicação para esta dificuldade não é original, muitas causas de natureza socio-cultural e, mesmo, psicológica têm sido apontadas. No entanto, o conhecimento deste tipo de causas não resolve o problema, porque este se encontra num plano bem distinto.
Há alguns dias, confrontado com a resistência à leitura de OS Maias, de Eça de Queirós, levei cerca de 80 alunos a Sintra, para que pudessem, in loco, refazer o itinerário de Carlos da Maia e de Cruges. Ora, se o itinerário, na versão de João Rodil, não é muito difícil de percorrer, a leitura do espaço e da memória de Sintra, apesar de palpáveis, é um verdadeiro bico-de-obra. E porquê?
Porque não aprendêmos a ler o espaço físico e o espaço simbólico.
Sintra é uma construção do homem e não uma criatura divina, como é habitual afirmar. Os seus jardins e os seus monumentos são expressão da vontade humana. Ora genuinamente construídos ao gosto medievo, manuelino, neoclássico ou ao gosto romântico. Se o Paço Real foi construído e alargado ao longo de vários séculos e nele podemos aprender a ler a História das perdidas (e não assinaladas) Casas dos Templários, situadas no casco do século XII à intervenção joanina ou manuelina, já o Palácio da Pena, as Quintas do Relógio e da Regaleira são obra revivalista do século XIX e mesmo do início do século XX.
Foram reis, diplomatas (por vezes, estrangeiros) artistas e capitalistas (pouco escrupulosos), seduzidos pelo microclima, pela natureza e pela situação geográfica que desenharam a parte vegetal e monumental mais opulenta de Sintra. E fizeram-no em tempo de romântismo serôdio, marcado pela exarcebação competitiva do EU, do pitoresco, do ecletismo, do sincretismo, em suma de um revivalismo que admite todos os neos-(árabe, mudéjar, gótico, manuelino, barroco, oriental...)
Quando se chega a Sintra, vê-se o todo - a serra, o castelo, os monumentos, o verde, o azul -, mas dificilmente se ouvem as águas, as aves e se respiram os perfumes... É mais fácil saborear as queijadas, os travesseiros!
É como se nos limitássemos a fazer uma leitura global, apressada, definitiva. Ao não olharmos o relevo, deixamos de ver as fontes, as cascatas, as grutas, os fios de água que gota-a-gota escorrem pelas paredes vegetais. Ao não olharmos as árvores, deixamos de lhes saber o nome, a origem, como se o Criador as tivesse plantado ali definitivamente.
É esta ignorância cómoda, que nos impede de ler, de gostar de ler, de que, paradoxalmente, os românticos são os grandes responsáveis ao decidirem abandonar o Émile à sua perspicácia ...
Sintra pode e deve ser mais do que um "episódio romântico". Em Sintra, podemos aprender a ler, rumando contra a corrente.

9.3.07

Contra a corrente...

No dia sete de Março de 2007, a peça "Episódios da Vida Romântica, representada pelo Grupo dramático "Há Cultura" conseguiu fixar a atenção de 2oo alunos no Auditório "Camões". Apesar da cedência à graça, por vezes, um pouco rasteira, Eça de Queirós ficou mais perto de ser lido. E, sobretudo, ficou provado que é possível trazer "o teatro" à Escola.
Há mais de quatro anos que ansiava por este acontecimento.
Não tenho dúvida de que se a Escola se abrisse à prática teatral, utilizando os recursos de que dispõe, dentro de pouco tempo, teríamos alunos a escrever pequenas peças que poderiam levar à cena no referido Auditório.
O Auditório "Camões" merece ter um reportório próprio, capaz de se impor como espaço de cultura aberto à comunidade, à cidade.
Nesta mesma semana, surgiu um outro sinal que não deveria ser desprezado: os jovens lêem muito mais do que se pensa, sobretudo, narrativas. Há neles uma grande apetência pelas "estórias". E gostam de partilhar as suas leituras, ainda que não canónicas...
Esta paixão pelas "estórias" esconde o desejo de conhecer o sentido da História, de dar um sentido à VIDA.
No entanto, a Escola continua escrava do PROGRAMA, limitada ao básico. Sem perceber que o básico seca o espírito, torna-o estéril, gera a imbecilidade.
A imbecilidade que horrorizava o Eça..., levando-o à denuncia corrosiva dos Dâmasos e dos Gouvarinhos...

4.3.07

Olhos de Água

Ali, a 500 metros da nascente do Alviela,
sós,
os olhos jorram uma torrente circular,
um redemoinho virado do avesso.
A diferença que faz a água!
Sem ela,
os olhos não passariam
de duas bossas petrificadas.
Em tempos, passei por elas,
e quase que não deixavam qualquer sinal em mim...,
mas, hoje,
os meus olhos secos
procuram naqueles olhos líquidos
a causa da emoção
que redemoinha dentro de mim.
/MCG

2.3.07

Mas não!

Três vozes simultâneas: - Precisamos de falar consigo. Perante a insistência, procuro isolar aquelas vozes do arruído circundante. Mas não! O problema é de todos e, por isso todos querem falar.
Entramos na sala. Espero que a ansiedade verbal dê lugar ao silêncio para que o diálogo possa começar. Uma expectativa frustrada: oiço várias vozes sobrepostas que propõem uma solução precipitada para um problema mal equacionado; oiço uma sinfonia de desânimo - os interlocutores não dão a devida importância à questão; afinal, ainda não sabem ( ou preferem não saber?) que passos devem dar...
De repente, vejo-me, ali, em frente de uma horda que procura vingança para todos os fracassos passados ou anunciados. Já não me ouvem: as palavras enovelam-se e estilhaçam-se contra as vidraças e atordoam-me ao ponto de me obrigarem a mudar de tema...
E tento explicar-lhes a natureza revolucionária do romantismo, procuro que compreendam que o excesso de arruído o reduziu a uma expressão artificial de sentimentos, de afectos, de emoções... fruídos em cenários de ostentação hipócrita e reaccionária.
Esperava que entendessem o significado da revolução romântica: acabar com os súbditos, abrindo o caminho da cidania.
Mas não! os românticos estavam apenas preocupados em acabar com a tirania, em acabar com os déspotas...cegos para os tiranetes que germinavam sob a poeira lunar.
E os tiranetes não páram de se multiplicar, abafando o silêncio apolínio da dor incandescente.

26.2.07

Hollywood roeu a corda

MEJOR PELÍCULA EN LENGUA EXTRANJERA: "La vida de los otros" (Alemania).
Tal como referi há uns dias atrás, este filme mostra bem como os regimes totalitários retiram ao cidadão qualquer veleidade de os combater.
No entanto, o muro acaba sempre por abrir brechas por onde os sacerdotes mais zelosos acabam por colaborar com o inimigo - a liberdade.
Desta vez, na América de Bush, Hollywood roeu a corda.

22.2.07

Corpoema

"Hoje é dia de cinzas - dizem os escravos do senhor..." (A. S., Arcanas Carícias - ajustamento) Injecta a rimagem branca saudades arcanas Arrefece o olhar carícias crepusculares /... / Corpoema o fogo a florir!

20.2.07

Mergulhar na nossa vida...

1984, RDA. A missão da STASI é saber tudo sobre a vida das pessoas, através de uma vasta cadeia de informadores/denunciadores. O filme "AS VIDAS DOS OUTROS" de Florian Henckel von Donnersmarck mostra a gradual desilusão do capitão Wiesler, um oficial altamente credenciado da polícia política, cuja missão é espiar o famoso escritor, George Dreyman, e a sua esposa, a actriz Christa-Maria Sieland.
A intriga tem todos os condimentos para seduzir o espectador. No entanto, o que mais impressiona é o modo como o poder totalitário controla o cidadão, deixando-o incapaz de qualquer defesa, tornando-o num bufo. E deixa ainda perceber que em ditadura, a oposição organizada cai facilmente nas malhas estéreis da soberba e da vaidade.
Este filme ajuda-nos a compreender que a queda do Muro de Berlim, em 1989, era inevitável: o capitão Wiesler representa todos aqueles que de dentro descobriam a arbitrariedade do poder e que fascinados pela pureza da ideologia traída acabaram por passar para o lado de lá... apesar de a História os ignorar, reduzindo-os ao papel de carteiro, como acontece no romance de George Dreyman.
Em Portugal, não há registo do capitão Wiesler. Mas ele existiu nos últimos anos do marcelismo... A PIDE não era diferente da STASI e por isso ver o filme AS VIDAS DOS OUTROS é ainda mergulhar na nossa vida. Uma vida escondida que nos comprazemos em ignorar, talvez porque como refere Anthony Giddens (Sociologia, pág.597) "uma sociedade, onde um movimento que tenha tomado o poder se revela posteriormente incapaz de governar com eficácia, não pode ser considerada como tendo passado por uma revolução e é mais provável que seja uma sociedade caótica ou em risco de se desintegrar."

16.2.07

Sem os olhos secos...

Com os olhos secos - estrelas de brilho inevitável através do corpo através do espírito sobre os corpos inânimes dos mortos sobre a solidão das vontades inertes nós voltamos (...) Agostinho Neto
O poeta, futuro-presidente, acreditava que, apesar do sofrimento estancar as lágrimas, instaurando o desespero e a desistência, o regresso à fonte da vida era possível. Mesmo que ele não voltasse, o tu substitui-lo-ia na concretização da esperança.
No entanto, a substituição é impossível... o outro jamais realizará a utopia do eu. Só no tempo dos espelhos, alguém pode crer que o flho é o reflexo do pai, do avô... ou mesmo do bisavô, sobretudo se o bisavô tiver sido presidente!
Júlio Machado Vaz, confrontado com a inevitabilidade do envelhecimento e com a degradação da pessoa, sai do divâ para Cantelães, à espera que o tempo não pare na Cabreira...
O narcisismo é demolidor... deixa o chão juncado de vítimas incapazes de nos substituir.

9.2.07

Cada palavra...

Li algures que o escritor Rui Nunes encetou um combate contra o despotismo da palavra. Não sei se será bem assim, mas não me admira muito que isso se tenha tornado na sua derradeira tarefa neste mundo. Lembro-me dele, há uns anos atrás, numa sala de professores, em Sintra, um pouco distante de todos, embrenhado numa leitura profunda, como seria de esperar de um filósofo. Procurava no código genético uma explicação para a degradação da raça humana. Nesse tempo, talvez ele se preocupasse mais com o seu próprio envelhecimento do que com a baixeza humana. Lembro-me que substituira, de vez, a carne pelo peixe. De preferência da lote de Sesimbra.
As palavras que com ele troquei foram sempre afáveis, embora tímidas, respeitadoras daquela ilha de silêncio que a sua presença parecia impor.
Cada vez admiro mais essas ilhas de silêncio que procuram ignorar os circos verborreicos, onde a vaidade, a bazófia e as acusações grosseiras alastram descaradamente: jovens que procuram tirar desforço dos mais velhos, acusando-os de torpes vilanias; mais velhos, intrépidos defensores da lei, que deixaram de saber ouvir e que acreditam que, por falarem mais alto, conseguem silenciar os mais novos.
Nos últimos dias, a palavra tornou-se grito... não de denúncia ponderada, mas do poder mais vil de que o homem é capaz, independentemente da idade ou do lugar...
Cada palavra, uma acusação... uma espada de destruição!
Dá vontade de perder a voz e ficar a ler um livro, desses que trazem uma explicação para a nossa ignomínia...

2.2.07

Há por aí ( ou por aqui?) muitos falangistas...

A caruma começa a não entender por que motivo há tantas pessoas simpáticas, desinteressadas e capazes de trabalhar gratuitamente para os ministérios da saúde e da educação. E provavelmente para os restantes!?
Os estudos - tão acarinhados pelos nossos governantes - deixaram de ser feitos pelos técnicos dos ministérios; também já não são encomendados a especialistas opiparamente remunerados; são gratuitamente elaborados por nichos de falangistas que, à ribalta, preferem os bastidores. Porquê?
Lembram-me aqueles políticos e aqueles juristas, magnânimos, que durante décadas leccionaram nas Universidades portuguesas sem receber um vintém.
A caruma ainda menos entende por que motivo ninguém exige conhecer as verdadeiras motivações destes anónimos trabalhadores intelectuais e, sobretudo, se a sua abnegação não lhes porá a saúde em risco.
Apesar das ideologias colectivistas terem mergulhado numa profunda crise, ainda há falanstérios... e nunca me constou que algum discípulo de Fourier tenha morrido à FOME...ou se tenha queixado do baixo salário...

30.1.07

A caruma embotou...

Este tempo frio bem pode servir-me de desculpa para o silêncio em que caí nos últimos dias. Parece que a caruma embotou. E não é para menos: o Salazar ressuscitou, acolitado pelo Álvaro Cunhal. A nostalgia totalitária está de regresso. A Grã Bretanha escolheu o Churchill, a França De Gaulle... e nós, se a memória não vai além da 2ª guerra mundial, quem poderíamos escolher? A Esfinge que nos "salvou" da guerra e nos atirou para a guerra colonial... Mas desta guerra não há memória, não há memória de qualquer guerra travada em África, nem das suas vítimas nem dos seus "heróis"....; não há memória dos milhões de emigrantes que não suportaram o saneamento das finanças...
Continuamos por aqui, movidos pela Contra Reforma... pelo menos até 11 de Fevereiro!

23.1.07

A minha contingência...

Desde cedo que tudo me parece contingente. Esta palavra sempre me fascinou, não que ela, em si, deslumbre. A razão não é estética: uma palavra com quatro sílabas surdas é quase tão pesada como eu. E, apesar de tudo o que se diz, eu prefiro a sonoridade da insustentável leveza do ser...
A contingência agrada-me porque me obriga a olhar para dentro das ténues linhas que separam a certeza da incerteza. E eu, desde que penso nisso, não consigo encontrar nenhuma explicação para os caminhos que percorri... tudo me soa a aleatório, a decisão esquiva...
Falta-me uma explicação plausível, lógica, ancorada numa certeza...
O meu ser vem da milenar heresia, incapaz de conviver com qualquer ortodoxia, e só ouve as palavras soltas da voz.
Se a memória estivesse por perto talvez me exigisse algum exemplo... mas ele há tantos maus exemplos que prefiro abster-me de os referir. E de que serve um exemplo no reino da contingência?

18.1.07

Um dia atípico...

Estragon - On trouve toujours quelque chose , hein, Didi, pour nous donner l'impression d'exister?
Esperei todo o dia por uma porta que não chegou. Está dois meses atrasada. Habitualmente, nestas situações, relembro o título de Samuel Beckett, En attendant Godot. De acordo com o carpinteiro, é incompreensível que a porta ainda não tenha regressado, porque, na arrumação em que se encontra, ela já incomoda, e, em casa, parece fazer falta. - Não, passa de amanhã - garantiu o carpinteiro. No entanto, não estou convencido, eu que pensava tê-la visto passar em direcção ao aeroporto da Portela, facto / ilusão que não me surpreendeu, pois, às 8 da manhã, recebera a informação inopinada e espontânea de que, depois de passar pelo aeroporto, a porta seria devolvida às dobradiças que, chorosas, a aguardam pacientemente...
Entretanto, enquanto (des)esperava pela porta, assisti e, de certo modo, participei, pondo em risco o esqueleto na substituição de uma cozinha... Mas, também, aqui, tudo está atrasado e, principalmente, desajustado. As medidas nunca correspondem. E, portanto, vai ser necessário improvisar... Apesar de tudo, neste caso, o carpinteiro, ainda novo, parece ser competente... Vamos lá ver se tem os conhecimentos necessários à resolução dos problemas criados por uma incompetente agrimensora...
Começo a resvalar num terreno escorregadio, aquele em que uns tantos - muitos - substituiram com naturalidade os conhecimentos pelas competências, mudando do paradigma da incerteza para o da estupidez...
Voltando à atipia, este meu dia foi ainda atravessado por «mastros» alarmistas que me deixam à espera de Godot para que ele me explique por que motivo é tudo tão lento, tão desafinado e negligente. Apenas o maldito romeiro vai cumprindo a promessa de voltar vivo ou morto, ainda que a horas tardias, para além de que hoje o Camões não me telefonou: « Um momento, é do Camões, vou passar a chamada...»

14.1.07

A minha torre do tombo...

The Straight Story (1999) de David Lynch, que voltei a ver, ontem, no Ciclo Como o Cinema era Belo da F. C. Gulbenkian, é um belo filme sobre a teimosia e a persistência de um velho de 73 anos, fragilizado pela osteoporose, que decide reconciliar-se com o irmão Lyle, igualmente velho e doente, a viver a mais de 500 km de distância - entre Lauren no Iowa e Mount Zion no Wisconsin.
Alvin, quase cego e a precisar de uma anca nova, amparado a duas bengalas, sem carta de condução e com pouco dinheiro, decide adaptar o seu velho e ferrugento corta-relva transformando-o numa "mobile-home", e fazer-se à estrada para espanto dos seus incrédulos vizinhos.
A viagem, a 5 Km/hora, naquela impossivel caranguejola, dá-nos momentos de ternura e bondade inesquecíveis e mosta-nos uma paisagem de searas ígneas deslumbrantes - o fogo purificador!
Apesar da inverosimilhança de algumas cenas, David Lynch inicia-nos na superação da fraqueza, do acessório e do medo. Prepara-nos para a morte apaziguante...
Para mim, esta revisitação do filme não deixa de ser perturbante, pois da primeira vez que vira o filme sei, hoje, que a força da emoção sentida me obrigara a escondê-la bem fundo, num recanto para onde atiro as emoções que me perturbam a razão.

12.1.07

Herdeiros da abulia e do ópio...

Diz-me o João Goes que um dia terei de lhe explicar o que escrevo. Tudo lhe parece "filosofia". Não sei se ele tem em grande conta a filosofia. Parece-me que não. Ou, talvez, a filosofia encerre para ele um mundo misterioso a que só os iniciados ou, melhor, os lunáticos têm acesso.
O João não é caso único. Já não é apenas a filosofia que enfastia, é a escrita - toda e qualquer escrita. Textos que ainda há pouco tempo não ofereciam dificuldade de interpretação são hoje objecto de rejeição geral, a começar pelos "programadores" do m.e., assim mesmo com letra minúscula.
Os poucos textos que sobreviveram, nas escolas, ao revisionismo dos últimos 30 anos foram expulsos da diacronia, pairam no firmamento escolar quais estrelas cadentes. E os alunos olham para eles como se de uma muralha se tratasse - opacos, intransponíveis. Lê-los cansa.
Tal como cansa contemplar, meditar, descrever, comentar. Aparentemente só a acção deslumbra. Mas por pouco tempo. Herdeiros da abulia e do ópio, preferimos fingir que compreendemos.
Num tempo em que predominam a velocidade e o ruído, ficar sentado a ouvir, a dialogar ou a escrever contraria as leis da física moderna.
PS: Ainda não será desta que o João vai ficar satisfeito com a minha explicação da inteligibilidade das palavras e das coisas.

8.1.07

Continuo sem subir ao cimo do monte Sinai...

O Último Papa (2004), de David Osborn Um romance que mostra de forma clara a intriga que corrói o Vaticano. Com a morte de Gregório XVIII, um papa humilde e amado pelos fiéis, os cardeais reunem nas caves secretas da Basílica para eleger o sucessor. A luta que se gera entre os candidatos coloca face a face o cardeal Mancini, italiano, manipulador da intriga cardinalícia, bem acolitado por figuras dúbias e menores, e o cardeal americano Ignatius Heriot, atormentado pelo desejo, pelo ciúme e pela raiva e, sobretudo, por sonhos e pesadelos que o tornam “culpado” de um crime que ignora, apesar de tudo fazer para descobrir a sua origem. Em pleno conclave, Ignatius, combate a calúnia recorrendo ao argumento de que a maioria dos presentes, a começar por ele próprio, são verdadeiros Judas e, que, consciente da sua traição, se propõe, caso sejo eleito, reformar a igreja católica de acordo com os “heréticos” ensinamentos do Padre John Zacharias, cuja palavra reformista começou a atrair centenas de milhares de disciplos nos Estados Unidos. Um romance de intriga, a que não faltam os temas tradicionais: homossexualidade; pedofilia; prostituição; corrupção. E lá se encontram também a Madalena (Francesca) e a Virgem ( a Irmã Jessica), sem descurar a secular questão do celibato, para além da cada vez menos consistente infalibilidade papal. Um romance que retrata uma Igreja Católica ensimesmada, longe da miséria em que lançara as suas raízes. Para David Osborn, a salvação dessa Igreja está nas mãos de Ignatius Heriot, Gregório XIX. Sintomaticamente, hoje, na Polónia, o novo arcebispo de Varsóvia, pressionado pelo Vaticano, pediu a demissão por, alegadamente, ter colaborado com a antiga polícia secreta comunista. Mas quem sou eu para julgar a Igreja? A mesma igreja que em tempos me aconselhou a clarificar as minhas dúvidas sobre a consistência dos argumentos que ela diariamente me apresentava. Ainda, hoje, continuo sem subir ao cimo do monte Sinai …

6.1.07

E mesmo assim...

Assim até mim chegam vozes que pertenceram a corpos tantas vezes nomeados (...) Gastão Cruz De mim partem vozes de corpos tantas vezes ignorados Já só partem vozes E mesmo assim ecoam por mim vozes distantes

3.1.07

A crise da personagem...

Construir uma personagem poderia ser uma tarefa nobilitante, pois pressupõe que se olhe em redor e que se seleccione um conjunto de traços verosímeis, tanto físicos como de carácter. Com esses traços, poderíamos construir uma figura mais ou menos emblemática.
No entanto, para que a construção da personagem resulte não basta olhar, é preciso saber escutar. E, aqui, coloca-se o maior problema: o que fazer com o que escutamos? Se optarmos pela "reprodução das vozes", a personagem torna-se medíocre, reles, pois as "palavras" para além de pobres são cada vez mais ignóbeis, retratando uma sociedade decadente, alheada das grandes questões colectivas...
Desde o realismo que a tendência para que a personagem decalque o carácter se vem acentuando, gerando mimeticamente um homem cada vez mais desumanizado e, concomitantemente, pondo em causa a força educativa da personagem.
A personagem deveria ajudar o homem a melhorar a sua linguagem, o seu comportamento; a personagem deveria ajudá-lo a superar as suas fraquezas... a construir a cidade dos «homens bons».
Mas não, hoje preferimos a caricatura, preferimos o coro das harpias... e onde há coro dificilmente há democracia!