20.7.08

Nem sempre a luz chega onde é necessária...

Em Setembro de 1908, começou a funcionar, a título experimental, a primeira turbina da Central Tejo.

Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical – / Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força –“ /Álvaro de Campos, Ode triunfal, 1914

Só, hoje, visitei o Museu da Electricidade, em Lisboa. E é pena porque se o tivesse feito antes, já teria tido a ideia que me ocorreu. Há neste Museu matéria mais do que suficiente para ajudar a compreender a Lisboa do final do século XIX (Eça e, sobretudo, Cesário Verde) e, em particular, a Ode Triunfal de Álvaro de Campos.

E a ideia é simples: proporcionar uma visita guiada aos alunos do ensino secundário.

Começo a pensar que o M.E. deveria apostar num roteiro museológico devidamente articulado com os programas em vigor. Com tantos recursos humanos subaproveitados, não creio que seja difícil criar uma equipa multidisciplinar que se ocupe deste projecto.

/MCG

13.7.08

Aproveitamento de água


Há quem afiance que, aqui, em Pedreiras, já houve mar. Não tenho dados. Pedras, confirmo. Vegetação de tipo tropical, também... e, sobretudo, no passado, havia quem soubesse como aproveitar a água da chuva e, sobretudo, da serra...

Casa em ruínas

São 4 os altivos cavaleiros que cobrem a entrada da misteriosa casa em ruínas que, postada do lado esquerdo da ruela, nos deixam a sonhar com os desaparecidos viventes que, há não muito tempo ainda, se imaginavam senhores do tempo, em Pedreiras, lugar descoberto, por mim neste fim de semana, bem perto de Porto de Mós.
Em Pedreiras, existe um belo parque de campismo, da responsabilidade da Junta de Freguesia. Um parque só para mim! Nenhum outro campista ou caravanista ousou entrar naquele cuidado recinto, ladeado por um circuito de manutenção e por um mini parque desportivo.
Ao sair daqui, talvez venha a compreender que, por um tempo, vivi do outro lado da vida, e ao passar junto da casa em ruínas não deixarei de dar uma olhadela respeitosa e agradecida aos majestosos quatro cedros.
PS: Se decidir passar por este parque de campismo, não se esqueça de passar pela mercearia.

9.7.08

O riso e o choro...

« Ou talvez o riso seja uma língua anterior que fomos perdendo à medida que o mundo foi deixando de ser nosso.» Mia Couto, Venenos de Deus, Remédios do Diabo, 2008

Este romance é de rir e de chorar mais. O argumento repleto de peripécias surpreende e encanta a cada momento: o segredo escapa a cada revelação, precipitando a verdade numa  vertiginosa cascata  que nos inunda de inesperadas emoções...

II

Todo o dia de hoje e, também, o de ontem me deu vontade de chorar: a vontade de servir e de dominar é tão forte que nem a lei escapa à vontade de a torcer: a DGRHE quer fazer o milagre de tornar o "avaliador" em supervisor pedagógico... como se pudessemos gerar milhares de supervisores em 22 horas de formação, como se os avaliados estivessem dispostos a reconhecer ao avaliador não só a competência de os classificar e de o seriar, como também a competência de os guiar, com base em três observações de aula... e numa lista interminável de itens. E tudo isto, de borla, e sem redução significativa da carga lectiva...

Infelizmente, já vimos esta forma de trabalhar. Basta lembrar o modo como foi lançada a "profissionalização em exercício". Quem se lembra? O efeito é sempro o mesmo: a degradação da qualidade pedagógica e o consequente empobrecimento do país...

Venenos de Deus, Remédios do Diabo! A metáfora absoluta, já  que como afirmou (?) Fontanier: no limite, todas as figuras são metáforas.

7.7.08

Resultados...

Afinal, estou um pouco acima da média nacional (9,7). A média dos "meus" 35 alunos que se apresentaram ao exame de Português - 1ª Fase - foi de 12,383.

Estes resultados, no entanto, para mim, não são convincentes: Alunos houve que foram prejudicados porque o seu trabalho não foi devidamente testado.

Olhando para os resultados da Matemática, não posso deixar de ficar perplexo. Sempre pensei que a Matemática beneficiava de um bom desempenho na disciplina de Português!

6.7.08

9,7

Português - 12º Ano - Média nacional de 9,7 na Prova 639, 1ª fase!

O Ministério reage, referindo que «importa equacionar medidas de reforço do trabalho dos alunos nesta disciplina, designadamente estendendo ao ensino secundário as dinâmicas do Plano Nacional de Leitura.» Mais um tiro no pé!

1º Esta  prova deveria ter testado os conteúdos leccionados e as competências desenvolvidas ao longo de 3 anos. Isso não aconteceu. Todos o sabemos. Não vale a pena fingir o contrário. A prova da 1ª fase é indefensável. Aplicados todos os critérios, nenhum aluno poderá ter obtido 20 valores. Nem mesmo 19!

2º A Gramática ou é trabalhada de forma sistemática ou as perguntas sobre o funcionamento da língua mais não serão que "exercícios" vazios e previsíveis. Foi o que aconteceu. O II Grupo, objectivamente, não testa as várias "gramáticas" que circulam na praça editorial. Salve-se o negócio!

3º Se pensarmos que os 65.000 alunos que se candidatam ao exame de Português, ao longo dos últimos três anos, leram, pelo menos, três livros, na modalidade de contrato de leitura ( literatura nacional e estrangeira), teremos 195.000 obras lidas e, provavelmente, apresentadas na sala de aula, pondo em destaque a oralidade e a escrita. A essa leitura, obrigatória de acordo com o Programa em vigor, a Prova de 1ª fase nada diz.

4º O Senhor Secretário de Estado, Valter Lemos, provavelmente nunca leu o Programa de Português. E é pena! Se o fizesse, quero crer que, de imediato, mandaria a Inspecção verificar por que motivo, a Prova 139 não respeita o trabalho dos professores e dos alunos. Por que motivo, sobre a leitura das obras "contratadas", não há uma pergunta aberta e de desenvolvimento. O GAVE ignora que a leitura é uma forma de descoberta essencial para o desenvolvimento das sociedades e, sobretudo, teme que a leitura se torne numa força "crítica" que arrase o espartilho a que este Gabinete de Avaliação submete alunos e professores, menorizando-os. 

5º Senhor Professor Valter Lemos, nas escolas, começou por haver uma dinâmica de leitura.  Quem a destruiu foi quem elaborou as provas! Hoje, qualquer professor perguntará: - investir no contrato de leitura para quê? Quem a destrói é quem manda elaborar as provas! Quem a destrói é quem prefere uma dinâmica de leitura exógena a uma dinâmica endógena. Quem a destrói é quem, no passado, queimou os autores da lusofonia, subverteu os programas, eliminando a leitura extensiva, para, finalmente, aniquilar a Literatura! Há muito que a leitura, em Portugal, foi entregue aos caprichos de alguns grupelhos que nada lêem.

6º Senhor Professor Valter Lemos, se tiver oportunidade (Garrett diria que essa é a obrigação do Governante) passe pela Fábrica de Braço de Prata: entre, olhe à sua volta e contemple o estado da cultura, o estado do livro, o estado da leitura - contemple a nação que, ainda há pouco, respirava no Bairro Alto e, agora, vegeta em Marvila, à espera da ordem de despejo... começo a lembrar-me de uma estalagem, lá para os lados do Cartaxo...

9,7 não corresponde à média nacional! Corresponde, sim, à média dos que ocupam os gabinetes do Ministério da Educação e arrasam todo o trabalho feito por aqueles que, diariamente, trabalham horas intermináveis para que os jovens não desistam da leitura e da escrita, não se acomodem nas poltronas da indiferença.

Como diria Pepetela: "O nosso país é bué" ou, concluindo a estória - "afinal, o nosso país não era assim tão bué como imaginara." Ver Contos de Morte, edições Nelson de Matos

Nota1: Esta última referência não é destinada ao Senhor Secretário de Estado, pois sei que não tem tempo para este tipo de leituras. É para algum aluno que ainda não tenha sido submetido ao Plano Nacional de Leitura e que queira compreender um pouco mais do mundo em que vivemos.

Nota 2: Amanhã, como todos os professores de Português, lá terei que fazer contas para saber se os meus alunos estão acima ou abaixo do 9,7!

Sim, porque um Senhor Secretário de Estado decidiu que a minha avaliação passasse a estar indexada a este mágico número: 9,7.

Resta saber se os serviços do Ministério não fizeram mal o cálculo, tal como aconteceu há dias com o Ministério da Saúde.

29.6.08

Ribeira de Ilhas

Assim a ribeira invisível se perde numa língua de areia que só chega ao mar se a maré estiver cheia. Surfista cansado, deslocado da imagem, procuro o que lá devia estar, mas só encontro estilhaços de uma pedra malvada que me lembra que, por maior que seja o esforço, há sempre um pedaço de asno capaz de nos acusar de soberba e vaidade...
A semana que termina rola, farta da pequenez e da mediocridade de pequenos diabretes, para a espuma enrolada de um oceano risível de imagens e de amálgamas audaciosas de um romance pós-colonial: Venenos de Deus, Remédios do Diabo, de Mia Couto. Uma escrita que, num humor refinado, nos penetra nas entranhas, deixando a nu a miséria mental humana, como se uma pedra da calçada nos estalasse o crânio, sem sabermos se definitivamente nos destrói a vontade.
/MCH

22.6.08

O escritor-operário...

Hoje, fui ao Palácio da Ajuda... À porta, o rei D. Carlos I, que antes de ter sido imolado pela revolução, nos teria devolvido à Europa... Quem diria?

Na Galeria de Pintura do Rei D. Luís I, para lá da consistência dos sonhos, encontrei um Saramago metódico e, sobretudo, operário. O escritor-operário, tal como acontecera com os escritores realistas e naturalistas... A leitura seus dos registos de leitura é preciosa para a compreensão do ofício do autor.

Por outro lado, encontrei a memória de um país mesquinho, onde Mafra simboliza (séculos XVIII e XX) a megalomania de um rei, a manha do clero,  o conflito entre moralistas conservadores e ideólogos estrangeirados...

Pareceu-me que as mulheres de Saramago foram esmagadas pela estrangeira Pílar. E que Ilda Reis foi injustamente atirada para a sombra, como se sua pujança atrofiasse o criador.

Ficou-me, também, a sensação de que a literatura crítica é modesta para a extensão da obra do nobel (1998).

Finalmente, a timidez e altivez, típicas do ribatejano, atravessam as imagens, como se Saramago tivesse descoberto como esconder a nudez da sua presença..., uma presença convicta e impaciente por saber o que o espera. Que bom que seria que, afinal, as mentiras fossem verdade!

21.6.08

O ardis de Camões...

Nas estâncias 89 a 91 do Canto IX de Os Lusíadas, o Poeta persuade o censor. Os deuses da Grécia e da Roma antiga mais não eram do que homens de "fraca carne humana" que, pela nobreza  das suas acções, se tinham visto imortalizadados na memória dos restantes humanos. Estes deuses que pareciam rivalizar com o Deus da cristandade, afinal eram "fingidos" pela emoção (ou pela razão?) humana. O censor terá compreendido a mensagem...

E por isso, sabendo o Poeta que o homem português procurava a "fama" / a glória, convida-o à acção, a imitar os homens da antiguidade, porque se o fizer, também, terá direito à imortalidade dos deuses. Apenas lhe impõe um limite: não ceder à cobiça. Para o censor, este travão era o ouro que faltava  para que a obra fosse libertada de qualquer suspeita...

E para nós, deveria significar que o Poeta era um homem ardiloso, capaz de nos limites da heresia, mostrar a face cristã quando, de facto, o homem ( a humanidade) era a sua crença escondida.

As estâncias 92 e 93 do Canto IX ajudam-nos a compreender como Camões fez passar os Lusíadas pelas malhas da censura...

Mas nada disto interessa aos modernos censores: a leitura, ontem como hoje, continua muito superficial...

E de repente, dou comigo a pensar na blindagem  a que estão submetidos os mediadores. No seu inesperado silêncio...

18.6.08

Prova 639 / 1ª Fase

O erro dos anos anteriores acentuou-se.O esforço dos estudantes e dos professores é desrespeitado, porque um dos objectivos do Programa de Português é compreender, na MENSAGEM, a reescrita de OS LUSÍADAS, adaptada ao tempo decadente e caótico de Pessoa.

No primeiro quartel do séc. XX, o sono pátrio entontecia o Poeta, ao ponto deste ter escrito uma série de pequenos poemas cuja mensagem exortava o povo a despertar do «sono do ócio ignavo»...

A ideia da decadência do tempo português é uma constante na literatura portuguesa, alimentada de dentro e com consequências intoleráveis neste tempo global. Ora, ninguém melhor que a juventude pode expressar a vontade de ruptura necessária à sobrevivência da identidade portuguesa. No entanto, nesta prova, ninguém se lembrou desta hipótese de desenvolvimento temático.

Não vale a pena proclamar que o texto seleccionado não foi devidamente analisado, pois a grelha interrogativa não é gerada pela riqueza de conteúdo do texto literário. É uma grelha estereotipada que inviabiliza a avaliação das capacidades de compreensão, de interpretação e de expressão. Para que serve a estância 93? Para suportar a pergunta 4? No entanto, essa pergunta não permite que o estudante revele se compreendeu o pensamento de Camões!

Não vale a pena reclamar da amputação do texto de Luís Francisco Rebelo, já que José Saramago merecia comentador menos comprometido... Por outro lado, as respostas fechadas exigem itens menos manhosos, cuja solução não resulte de um raciocínio por  exclusão de partes. O acerto deveria revelar compreensão e não confusão, como aquela que se instalou na APP, impedindo-a de apresentar a resolução da prova, mesmo que o desencontro com o GAVE pudesse penalizar vis interesses...

Não vale a pena citar o Padre António Vieira quando é público que os jesuítas não reconheceram aos negros a mesma dignidade dos índios. Há certas citações de autoridades em questões de cultura e de literatura que, por vezes, dão que pensar. Esta prova trouxe-me à memória António José Saraiva, Óscar Lopes, Jorge de Sena, Carlos Reis... Há certos atropelos que são imperdoáveis!

Não vale a pena concluir que os professores que procuram cumprir os programas se sentem atraiçoados e que os estudantes mais aplicados são os mais prejudicados. Não vale a pena!

A literatura é, hoje, escrava da mediocridade. Camões, Vieira, Saramago foram convocados para um banquete que nem de trovas chega a ser.

12.6.08

Uma "raça" em dificuldade!

"Les difficultés sont des questions d’intellectuel et d’académie. Il n’y a pas que des difficultés en Afrique." Sembène Ousmane

Se até o Presidente da República, para evitar a actualidade / dificuldade, sente necessidade de se refugiar na linhagem, na estirpe, na raça... e nos convida ( eternos jogadores!)  a olhar, de soslaio, o Tejo e o Atlântico...

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Em Portugal, qualquer obstáculo se torna, de imediato, numa dificuldade. A barreira convida-nos a saltá-la, mas nós preferimos cavar trincheiras, enfiar a cabeça na areia e ficar, por ali, a estrebuchar.

Perante o bloqueio, ficamos expectantes... zancamos no governo e reiteramos que a dificuldade é insuperável. Todos sabemos que o número de camiões que circula nas estradas é insuportável; que o custo desta circulação em vidas humanas e em termos ambientais já há muito ultrapassou o tolerável... mas não, em vez de levantarmos a cabeça, exigindo ao governo que seja inflexível e que desenvolva uma política de transporte menos onerosa e poluente, apostando na ferrovia, continuamos fascinados pela arruaça e pela grosseira saloiada.

As imagens dos piquetes, que arrancam condutores indefesos do interior dos camiões, mostram um povo à beira do abismo..., um povo incapaz de se adaptar às leis do mercado global e, sobretudo, incapaz de se defender de umas centenas de arruaceiros... porque, há muito, deixou de ter iniciativa, vivendo na sombra do estado-providência... um povo que espera que o seu futuro se resolva num campo de futebol, numa jogada de sorte...

8.6.08

Questão de última hora...

 

Num destes últimos dias, vários alunos perguntaram-me: «- O que é que pode sair no exame de Português?»

Respondi-lhes que não arriscava nenhuma indicação. No entanto, hoje, lembrei-me que os autores das provas de exame costumam gostar de efemérides. E no próximo dia 13 de Junho, 4 dias antes do exame de Português, faz 120 anos que o Poeta Fernando Pessoa nasceu.

O Poeta que, um dia, escreveu: «Quem não vê bem uma palavra / não pode ver bem uma alma

O Poeta que, por outro lado, acrescentava: «A orthographia etymologica é a expressão graphica da continuidade da nossa cultura (...) para fixação dos meios materiaes do Imperio, ha que adoptar a fixação da linguagem, e, antes de mais nada, a orthographia etymologica, excluindo as estravagancias simplificadoras creadas pela influencia da politica extrangeira.»

Se eu tiver razão, lá teremos milhares de alunos a tentar decidir, em duas horas, o que os génios da língua não conseguiram decidir em dezenas de anos!

E já, agora, pergunto: - O que é que os actuais alunos entendem de etimologia? Para Pessoa, a etimologia é uma espécie de seguro: mostra-nos as raízes da nação, do império. Se deixarmos de as regar, a pátria morre e o império perde-se nas brumas... E foi por isso que releu Camões, revisitou Vieira e foi viver com D. Sebastião nessa outra dimensão a que só a almas podem aceder...

Por isso, se os meus alunos voltarem a colocar-me a questão do que estudar, responderei: procurai o FUTURO em Camões e Pessoa, e não descureis Sttau Monteiro e Saramago..., pois, também, eles o procuravam na fogueira que iluminava os céus de Lisboa. 

Sem medo, o General

 A 8 de Junho de 1958, o General Humberto Delgado votou na "mesa" do Liceu Camões, ciente de que a sua candidatura não teria qualquer hipótese de vencer as eleições presidenciais, embora a "multidão" que o aguardava na Praça José Fontana indiciasse que o povo queria a mudança, ansiava pela liberdade.
A Escola Secundária de Camões, também, não deve esquecer o dia 18 de Maio de 1958, data do 1º comício do General Sem Medo, no Ginásio. Esse dia definiu os dois lados da barricada e acabou aos tiros nas ruas vizinhas, sem poupar a rua Gomes Freire d'Andrade... Coincidências! - deverá pensar um aluno do 12º ano, a braços com "Felizmente Há Luar!...
Estas efemérides fazem parte da "cultura" da Escola, tal como a participação desta instituição no Museu Oriente deve ser registada, apesar da fraca visibilidade da sua colaboração. Diga-se, de passagem, que o Museu Oriente está a agir mal, quando, num Domingo, o Serviço Educativo encerra, impedindo, deste modo, que muitas das famílias que, ali, se deslocam possam observar a participação dos seus filhos. É um objectivo educacional que não deve ser desprezado. A não ser que o convite feito às escolas não passe de uma estratégia de marketing!

7.6.08

Por uma escola de qualidade...

A qualidade da escola depende do grau de participação daqueles que a constituem. Não creio que este princípio possa ser facilmente contestado. No entanto, temo que uma série de pessoas pensem poder desenvolver os seus projectos pessoais à revelia da participação dos estudantes, dos professores e dos  funcionários...

Ontem, no Auditório 'Camões' decorreu a entrega de prémios do III Concurso Literário Camões. Evento da responsabilidade das professoras Lídia Teixeira e Paula Lopes, do Departamento de Românicas, e presidido pela Drª Isabel Ramos, foi com alguma emoção que assistimos aos passos trémulos, mas prometedores, de jovens criadores, apresentadores, leitores e músicos naquele palco cuja função deve, doravante, acolher iniciativas do mesmo cariz.

É, ainda, de saudar a iniciativa de editar e disponibilizar, de imediato, os textos dos concorrentes. Do índice de autores ressalta a ideia de que,  numa dúzia de turmas, houve forte adesão ao concurso.

Esperemos que as restantes turmas estejam presentes no próximo ano. Esperemos, também, que o IV Concurso Literário Camões seja um dos pilares das Comemorações dos 100 anos do edifício da Escola Secundária de Camões.

A Escola existe para os estudantes. Sem eles de pouco pode servir... E, também, eles necessitam de saber que, ali, entre aquelas paredes, houve outros como eles que sonharam mudar o mundo ou, pelo menos, torná-lo mais próximo... 

28.5.08

Esta manhã, a morte andou por perto...

Às 7 horas e 40 minutos, esta árvore caiu de podre. Ali mesmo, no meio do passeio, junto ao Mercado 31 de Janeiro, em frente do Hotel Fontana e com vista para a Escola Secundária de Camões. Por sorte, nenhum transeunte foi traído pelo destino!
Na mesma rua, há pelo menos duas árvores no mesmo estado de decrepitude.
Esperemos que os Serviços Municipais dêem mais atenção às árvores da nossa cidade, porque, da próxima vez, o destino será menos benfazejo...


27.5.08

Um humanista com memória no lugar da espada...

José Luís Falcão de Vasconcellos deu, hoje, a última aula perante uma plateia atenta, apesar de diminuta. E é pena, porque o Homem, que tanto tem contribuído para conservar as pontes que ligam o passado ao presente, certamente teria apreciado uma maior participação da Escola Secundária de Camões.

No seu projecto educativo, esta escola define como objectivo: «criar condições para que o património e a cultura de qualidade da Escola tenham continuidade na educação e formação dos alunos.» José Luís Falcão de Vasconcellos é, de todos, aquele que, nos últimos anos,  mais tem contribuído para a preservação do património cultural, criando as pontes necessárias ao diálogo com o presente e o futuro.

Se a escola se esquecer de "situar" os seus alunos , no saber, na experiência e na abnegação do professor José Luís Falcão de Vasconcellos, então, terá deixado de cumprir a missão para que foi criada.

A  escola tem, hoje,  nas suas mãos, a hipótese de reparar a falta de memória que nos tem destruído a "alma". Basta que na definição dos objectivos institucionais e individuais não hipoteque a "lição" do professor José Luís Falcão de Vasconcellos, e embainhe definitivamente a espada.

26.5.08

Tudo tem um fim...

Tenho para mim que devemos fazer sempre tudo o que está ao nosso alcance para resolver os problemas. Mas esta minha convicção pouco ou nada vale.

Se a gasolina está mais cara, as vozes do costume dizem: congelem-se os preços. E Ninguém quer saber das vantagens desta situação: diminui a poluição, cessam os engarrafamentos, o governo começa a pensar na solução ferroviária, as auto-estradas tornam-se desnecessárias. Basta lembrar os milhares de  camiões que percorrem as estradas nacionais e europeias para nos abastecer. Se à solução ferroviária aliássemos uma maior aposta na agricultura, nas energias alternativas e nas novas tecnologias, talvez ficássemos menos subsídio-dependentes e descobríssemos finalmente a Índia dentro de nós.

Se as escolas são confrontadas com um novo modelo de gestão e de avaliação, as vozes do costume gritam: congele-se a mudança. Mudar para quê? Ninguém quer saber se há alguma vantagem: uma planificação a tempo e horas, capaz de combinar  a prática lectiva com a intervenção na escola e na comunidade, capaz de suportar a formação contínua com a avaliação docente, é adiada para o calor da refrega que se anuncia para Setembro.

Afinal, estamos em Portugal! Mas com uma pequena diferença: a Índia de outrora não existe mais. As especiarias, os escravos, os judeus,  a cana, o ouro, o alcool, os diamantes, o cacau, o caminho de ferro de Benguela, Cabora Bassa, o petróleo, os emigrantes, os imigrantes, o turismo, o euro, tudo tem um fim.

24.5.08

A minhoca...

Nunca simpatizei muito com a minhoca. Nem sequer me costumo dar ao trabalho de observar o seu movimento e cor. Diga-se que, apesar de tudo, simpatizo menos com a minhoca preta e, sobretudo, com o seu cheiro. Da verde não tenho qualquer memória olfactiva, apenas o receio de que ela se insinue na folha de couve ou de alface ou faça do feijão verde a sua morada traiçoeira.
Mas, hoje, sofri uma aparição: de uma cesta de morangos   escorregou uma minhoca verde, que, ao sentir-se descoberta, logo se enroscou, numa tentativa desesperada de escapar ao iminente afogamento.
De facto, na história da minhoca, verde ou preta, há sempre uma que, quando se sente acossada, se enrosca como se o que vai acontecendo nada tivesse a ver consigo.

22.5.08

Da educação...

O legislador parece convencido que vivemos no melhor dos mundos: os pais estão todos empregados e são bem remunerados; os patrões são tão compreensivos que os libertam as horas necessárias para que possam acompanhar os filhos à escola, na hora de entrada e de saída, para que possam responder às solicitações do director de turma e, também, para que possam participar na gestão da própria escola, elaborando o regulamento interno e o projecto educativo e, até, decidir a escolha do director executivo.

O legislador parece acreditar que se existe algum problema com os pais trabalhadores, ele é pouco significativo, pois a maioria dos pais é patrão (oa) de si próprio (a), podendo dispor do tempo como bem lhe aprouver.

O legislador supõe ainda que o desemprego dos pais pouco afecta os filhos, pois o Estado encarregar-se-á de fazer com que nenhuma família passe fome ou esconda a miséria em que vive... Se houver sinais de que algumas crianças chegam à escola a dormir, atrasadas, sem nada ter comido desde o dia anterior, o legislador entenderá que isso será residual e só afectará os filhos dos imigrantes que rapidamente abandonarão o país à procura de melhores horizontes...

Por outro lado, a Escola parece convencida que a sua é função é, apenas, ensinar, pondo de parte qualquer princípio educativo. Na melhor das hipóteses, aceita cooperar com as autoridades de modo a assegurar um mínimo de disciplina. E o legislador determina que do currículo do director se elimine qualquer referência à educação: o director deve gerir recursos, deve disciplinar alunos, professores e funcionários. E o legislador cria o conselho geral (provisório ou definitivo) cuja constituição não passa de uma correia de transmissão da baixa política local. E, finalmente, o legislador amarra o conselho pedagógico à vontade disciplinadora do director...

Só não compreendo por que motivo o conselho pedagógico não perde, de vez, a referência à pedagogia... à educação.

Provavelmente, este texto é um bom exemplo do espírito reaccionário que me atormenta. O problema é que «reaccionário» é aquele que reage contra a «situação». E sobre a «situação», há muito mais a dizer. Afinal, quem é que receia a mudança? Quem é que pôs termo à «revolução»?

21.5.08

Tudo num movimento de recuo...

Parede branca

No canto superior esquerdo, uma argola

Da argola solta-se uma corda

À direita, uma mão prende a corda

À esquerda, outra mão puxa a corda

Ao centro, várias mãos esticam a corda

Tudo num movimento de recuo...

Parede branca

Ao centro uma foice

Da foice solta-se uma mão

A mão segura a corda

Outra mão puxa a corda

De costas, várias mãos atam a corda

Da corda solta-se um pescoço...

Parede branca

No canto superior direito, um crucifixo

Do crucifixo escorre a noite

Em fundo, o martelo fere a bigorna...

15.5.08

Da urbanidade...

Hoje, vá lá saber-se porquê, apetece-me elogiar todos aqueles que estão sempre disponíveis e que, diariamente, iniciam um novo dia de trabalho, como se, na véspera,  não tivessem sido ofendidos por palavras, actos ou omissões.

Sabemos onde encontrá-los, sabemos que nunca nos dizem que não, sabemos que só têm um objectivo: aprender para melhor ensinar. Olham o futuro com a esperança de quem já compreendeu que só o domínio das novas tecnologias e da partilha permite construir um mundo novo.

Sabemos que só travam ou recuam para procurar uma solução mais eficaz, sabemos que a dúvida faz parte do seu caminho...

Como eu admiro todos aqueles que suportam em silêncio a humilhação dos déspotas e dos seus títeres! Como eu admiro o seu desassossego interior!

(Como, diante deles, me sinto obrigado a ser polido, eu que nunca fui à Índia nem ao Japão, nem poli esquinas nem lambi botas, nem servi senhor divino ou terreno...)

Confesso que não sou capaz de voltar para trás e que estou com eles, sempre que dão um passo... em frente...

9.5.08

Em tempo de imagens...

2 máquinas, uma de roupa e outra de louça, esperam pacientemente que eu as desperte; uma cafeteira vazia anseia que eu lhe devolva a glória, pois, entre os aromas do fundo da tarde, pressente o café que dilata as artérias e reabre as avenidas da vida, mesmo se caótica. Tiro os óculos e deixo de ver a nitidez do ecrã, volto a colocá-los e passam imagens de actores foxlife de que desconheço as personagens; ao lado, a gata olha voluptuosamente o aquário, a espaços concentra-se no écrã, como se as personagens lhe fossem familiares; por detrás das teclas, sopra, apressada, a 3ª página de uma acta que prometi, revista, para hoje ou, talvez, para amanhã...

E sei, também, que amanhã irei regressar ao J.H.Saraiva, no Forte de S. Julião da Barra, a exaltar o patriotismo do general Gomes Freire de Andrade, cuja personagem não consigo descortinar no palco do L.Sttau Monteiro... e do olhar de J.H.Saraiva retiro a lacuna, que o impede de evidenciar a fortuna literária do grão-mestre que deu corpo ao "fantasma" de Felizmente Há Luar! Como se a referência cegasse e pudesse esconder um documentário sobre outro general-sem-medo!

Este último pensamento não o devo dar a conhecer aos meus jovens alunos, pois, também, eu estou no palco para lhes servir doces iguarias e, não, banquetes indigestos.

E hoje foi um dia de doces iguarias: "Uma imagem que vale mais que uma imagem". Um Auditório, cheio de telemóveis que, por entre vozes e imagens, trocavam sms..., desperta intermitentemente para a força e para o excesso da mensagem icónica, surpreso e logo cansado... Na retina, talvez tenha ficado um pé do mosto duriense ou o oportunismo da benettom que, conhecedora dos baixos instintos, vai vendendo a sua mercância sob o favor da nova ética que revela e esconde o que bem lhe convem. Entretanto, quem nada quer esconder e tudo anseia revelar (A. R.L / B.T. /M.F.) apresentou,  na Biblioteca, IN-PANDORA, e, de forma sóbria, deu uma lição da arte de bem aprender e melhor ensinar a descoberta da sexualidade, da concepção, da evolução do embrião...

E um dia assim não podia terminar sem que mais uma vez o Dr. Valente Rosa falasse do modo como Vergílio Ferreira defende, na sua obra literária e ensaística, o primado da existência. Da palestra ficou-me, no entanto, alguma preocupação: o medo da tecnologia capaz de nos desviar do fundamental; a preocupação obsessiva com o olhar alheio e a necessidade de o corrigir ou, mesmo, de o destruir; a arte como atributo do superhomem - omissão (in)justificada -; deus como interlocutor desprezível; a sobranceria da 3ª via (ali mesmo, entre o Estado Novo e o PC); a colagem do neo-realismo ao PC. Apesar deste meu sobressalto, não posso deixar de me congratular com o trabalho das Professoras Madalena Contente, Isabel Martinez e Teresa Almeida que, se bem compreendi, estão dispostas em IR ATÉ AO FIM.

5.5.08

Falta pouco...

 A ideia é criar um site onde os alunos possam classificar trimestralmente os respectivos professores.

Apesar de tudo, sempre é melhor que deixar a avaliação aos pais e encarregados de educação. A relação diária com os alunos deixa obrigatoriamente uma impressão. Positiva? Negativa?

Seja qual for o juízo, o aluno fundamentá-lo-á melhor que qualquer outro interveniente no processo. A argumentação, por muito elementar que seja, revelará se o juízo é sincero ou forjado.

O convívio diário professor-aluno desencadeia um tipo de interacção que deveria ser testemunhada não apenas por um observador externo, teoricamente mais experimentado, mas também pelos jovens que, de forma, por vezes, cruel, outras, benevolente, lidam anualmente com um conjunto de professores bem diferenciado.

Não há ninguém mais apetrechado para avaliar o professor que os seus alunos. E não apenas os de agora, os de ontem e os de outrora... Por isso a ideia de criar um site onde os alunos possam classificar os seus professores não me parece descabelada... quem tem medo dessa voz que nos habita os dias e as noites?

O caminho: saber ouvir, aceitar o comentário frequentemente estereotipado, questionar a boçalidade,  registar o alheamento, atravessar-se no jardim narcísico, provocando a quebra do espelho...

( Há dias assim: tantas são as perguntas que ficam por responder que prefiro a provocação, o alheamento, o sorriso escarninho de um aluno ao secretismo daqueles olhos inquisitoriais que vasculham as salas de aula à procura das vísceras de um tempo irreversível.)

1.5.08

Um dia reversível...

Por ironia, ou talvez não, entrei hoje (dia do trabalhador)  na Igreja da Santíssima Trindade, em Fátima. Nada do que vi me emocionou: a extensão da arena, a largura e a altura das portas, o crucifixo misógeno, os peregrinos-turistas, o alheamento da minha acompanhante, tudo me trouxe à memória a vastidão ensoleirada do recinto de outros fervores mais convincentes e menos decadentes... Nunca ali estive a cumprir uma promessa, nem nunca compreendi quem as cumpria, mas tempos houve que me sentia solidário daquelas vozes e gestos de submissão. Hoje, ali, esmagado pelo aproveitamente indecoroso das esmolas dos mais nobres, compreendi que a dúvida que me persegue desde que me conheço não faz qualquer sentido. E, também, entendi que o fervor que noutrem conheci em tempos idos se pode tornar em pedra fria. 

26.4.08

Não percebo o alarido...

Toda a gente parece preocupada com a nossa falta de memória. Os jovens e os menos jovens ignoram o que foi o 25 de Abril. Assim mesmo, sem a preocupação de completar a frase: 25 de Abril... de 1974. Quando não completamos as frases, pressupomos que todos sabem do que estamos a falar e, preguiçosamente, deixamos ao interlocutor o papel de confirmar o nosso raciocínio. Nem sequer aceitamos que o outro nos interrogue. Por exemplo, o que é que terá acontecido a 25 de Abril de 1140? No entanto, todos sabemos que ninguém vem ao mundo, sabedor do que aconteceu anteriormente ou no próprio dia do nascimento.

Por outro lado, lidamos com outra dificuldade: não podemos armazenar mais do que uma certa quantidade de informação. Mesmo que nos esforçássemos por reter toda a informação, as lacunas rapidamente se tornariam visíveis ou, em alternativa, a memória curtcircuitaria, passe a ousadia.

Deste modo, aqueles que agora parecem preocupar-se com tamanha ignorância dos portugueses deveriam, antes, explicar por que motivo varreram a História (tout court), a História da Cultura, das Religiões, da Literatura, da Arte, das Instituições para um canto dos curricula.

Na minha perspectiva, isso só aconteceu ( e já não é pouco!) porque tememos o despertar dos demónios (furtos, torturas, autos-de-fé e massacres que protagonizámos ao longo dos séculos), e, também, porque detestamos a comparação, privilegiamos a vaidade e a inveja.

Jamais esquecerei, no pós-25 de Abril de 1974, a corrida aos cursos de História e os milhares de licenciados que deseperamente descobriram o desemprego. Todos queriam conhecer a verdade que o passado lhes escondera. Mas a porta da História fechou-se-lhes, como se a caixa de pandora pudesse aniquilar os Heróis de Abril (os que vinham de longe e os novíssimos que, logo, souberam apanhar o comboio e se encarregaram de reescrever a sua própria história).

Hoje, 34 anos depois da Revolução ( também no Estado Novo se falava de revolução: 5, 10 anos depois...) querem mais, uma vez culpar a escola e, mesmo, a comunicação social, deste nosso desconhecimento, quando, de facto, foram os políticos que, desejando legitimar o poder conquistado na rua ou nas urnas, decidiram pôr uma pedra sobre o assunto. Nada do que acontece na sociedade portuguesa ou outra é fortuito: tudo traz o ferrete da decisão, da manipulação ou da omissão de quem nos tem (des)governado.

E nesta data, proponho-vos uma leitura: A ARTE DE FURTAR.

19.4.08

Um dia feliz...

A Área Projecto é uma área que procura envolver os alunos na concepção, realização e avaliação de projectos, permitindo-lhes articular saberes de diversas áreas curriculares/disciplinares ou disciplinas em torno de problemas ou temas de pesquisa ou de intervenção.

Ontem, 18 de Abril, assisti, no Auditório Camões, a uma cabal demonstração do que significa construir um projecto, envolvendo plenamente os alunos na concepção e realização .

O resultado, em termos de espectáculo intercultural, chegou a ser brilhante. E apesar de, em palco, podermos observar desempenhos qualitativamente diferenciados, ficou a sensação de que este grupo de artistas colocou acima da performance individual o espírito de grupo.

Conhecendo muitos daqueles  jovens, foi com surpresa que assisti a actuações desinibidas e seguras e, por vezes, inesperadas daqueles que, frequentemente, consideramos tímidos e /ou pouco criativos, para além de pouco cumpridores dos deveres escolares. O trabalho apresentado prova precisamente o contrário, e dessa transformação há que dar os parabéns à professora Teresa Palma.

No que me diz respeito, fico a pensar  se, num futuro próximo, não será possível articular a área projecto "dança" com alguns episódios de certas obras que estes mesmos jovens relutantemente lêem nas aulas de Português.

Esperemos, entretanto, que não surjam entraves mesquinhos e autistas à continuação desta área projecto, porque dela muito beneficiam os alunos, a Escola Secundária de Camões e a respectiva comunidade educativa. 

 

18.4.08

O mato é um mau exemplo!?

Os exemplos de desonestidade grassam que nem mato. Não há uma notícia que dê conta de um gesto desprendido.

Os argumentos são pouco convincentes, desarticulados, e, no entanto, fazem o seu caminho. Nem na vida nem na morte, escapamos à trapaça.

Já um dia disse que não vale a pena dar exemplos. E sempre que os dou, fico com a sensação de que não sou entendido, porque, de facto, para que eles sejam persuasivos é necessário que mergulhemos no mesmo rio. Um rio que deixámos de ver, cujo cais deixou de ser lugar de encontro.

Sinto, também, que esta preocupação com o entendimento alheio é um luxo narcísico inconsequente.

Que fazer?

Cerremos as persianas e fiquemos a ouvir a chuva que voltou a Abril!

(E do fundo destas antigas muralhas revejo um Tejo que se espreguiça e me leva para paisagens insuspeitas... libertas de exemplos.)

Quem quer explicar por que motivo o "mato" é um mau exemplo?

E que pensar da "notícia", do "gesto", da "morte", do "rio", do "Tejo", das "muralhas" , das "persianas", da "chuva", de "Abril", num texto de quem quer fugir dos (maus e dos bons) exemplos?

 

13.4.08

Os batoteiros

Ano de 1540.

Habitantes de Taiquilleu: « ... queira Deus por sua bondade que não seja esta nação barbada daqueles que por seu proveito e interesse espião a terra como mercadores, e depois a salteão como ladrões, acolhamonos ao mato, antes que as faíscas destes tições branqueados no rosto com a alvura da cinza que trazem por cima, queimem as casas em que vivemos, e abrasem os campos das nossas lavouras, como tem por costume nas terras alheas...» Fernão Mendes Pinto, PEREGRINAÇÃO, cap. 41. 

Ano 2008.

Sorriso de orelha a orelha, olham-nos nos olhos como se acabassem de prestar um grande serviço ao Estado e aos professores... Num apertado jogo de cintura, acabaram por deixar de pé um modelo de avaliação iníquo, adiando a sua aplicação para o próximo ano lectivo. Uns, felizes, porque salvaram o modelo; outros, eufóricos, porque salvaram o 3º Período.

Nos bastidores vão, agora, distribuir as prebendas, indiferentes à necessidade de definir um projecto educativo para o país, e que seja aplicado, indepentemente do vencedor das próximas eleições. A educação não é feudo que possa ser gerido por um partido ou por uma coligação de interesses.

Tudo não passa de uma dança de cadeiras, em que grandes e pequenos aproveitam a confusão para promover os seus interesses, para torpedear regras que pensávamos sagradas: negociamos o que não é nosso; favorecemos os amigos e os correligionários; viciamos processos; omitimos; escondemos o jogo.

6.4.08

A fórmula política...

No dia 4  deste mês de Abril, deixei os meus alunos sem aula para ir ouvir dois Secretários de Estado. Em vez de ensinar a ler Saramago, sentei-me no Auditório do Instituto de Ciências Sociais e Políticas e, pacientemente, esperei que, finalmente, me fossem apresentadas soluções para o problema da avaliação do desempenho docente. Ao meu lado, inúmeros presidentes de conselhos executivos, desprezivelmente sentados nas escadas de acesso, acotelavam-se na mesma expectativa. ( Alguns saíram frustrados por não ter visto nem ouvido a Senhora Ministra)

À medida que o Professor Doutor Jorge Pedreira discorria sobre as orientações e os procedimentos máximos e mínimos, eu pensava no estado deste triste Estado: Como era possível que tal matéria ali estivesse a ser defendida politicamente (e tacitamente rejeitada pela maioria dos ouvintes)? Na minha triste ignorância, as decisões políticas, depois de aprovadas pelo Governo ou pelo Parlamento e pelo Presidente da República, deveriam ser trabalhadas e incrementadas pelos técnicos superiores do Ministério. Mas não, naquela mesa nem sequer estava presente um representante do Conselho Científico criado para a coordenação do processo!

Quando me foi dada a oportunidade de fazer uma pergunta, desisti. As que ouvira eram suficientemente mesquinhas, marginais e autistas para perceber que nem os governantes nem os governados estavam ali para servir o Estado. O interesse do Estado deve sobrepor-se aos interesses dos partidos e não pode obedecer a qualquer calendário eleitoral. Mas ali, nada disso tinha qualquer valor.

Apesar de tudo, compreendi que aqueles governantes (apóstolos, talvez!) se sentem prisioneiros de uma estratégia tão apertada que são obrigados a dar cara, do norte ao sul do país. Perante o desperdício dos fundos europeus, a U.E. impôs-lhes a avaliação quantitativa de todos os serviços do Estado e, consequentemente, de todos os funcionários públicos. A sua avaliação depende do êxito desta estratégia. Desesperados, mostraram-se disponíveis a flexibilizar o modelo a um mínimo residual caricato, desde que os Conselhos executivos respeitem e preencham correctamente os formulários ( os normativos).

Não podendo eliminar, de imediato, a Função Pública, depois de a terem colonizado, os Partidos decidiram eugenizá-la.

No terreno, a luta política cerra fileiras..., fazendo tábua rasa de qualquer hipótese de projecto educativo nacional. E nesse aspecto, há consenso entre governantes e (des)governados: em vez de um projecto 10.000 projectos! Brevemente, teremos um projecto por autarquia.

E, ainda, agora, continuo sem saber porque me convocaram para aquela sessão de trabalho com 500 pessoas, quando bem poderia ter ficado na escola a ler Saramago com os meus alunos, se bem que estes também têm dificuldade em perceber como é que os professores de Português o deixaram passar de ano com tantas dificuldades na aplicação da pontuação, embora admitam que o léxico cerrado e diversificado que utilizava o poderá ter beneficiado, pois, na dúvida, os professores terão decidido que mais valia passá-lo de ano e, sobretudo, não o ler... 

3.4.08

«Torna-se líquido o meu corpo ...»

(Numa sala de aula. Diálogo sem rede. Atitude geral: indiferença, primeiro; surpresa, depois. Média de idade: 16 anos)

- Gostas de poesia?

- Uhum!...não sei. Não. Gosto mais de prosa.

- Porquê?

- A prosa é mais literal.

- Mas voltemos à poesia... Para que é que é ela foi criada?

- Pra nos obrigar a lê-la...

- Pensas que era esse o objectivo de Safo no séc. VII antes de Cristo?

- Bem. Talvez não...

- Qual seria a função da poesia nessa época?

- Agora, já não percebo nada... afinal, a poesia era hino, era lamento, era celebração, era alimento... e quando chego aqui fico sem saber se também ela era literal... E se não for literal, então, é o quê?

- A essa pergunta não te posso responder. Vais ter que descobrir a resposta na poesia e, também, na prosa. E, entretanto, vai pensando no comentário jocoso daquele teu colega para quem a poesia é filha do álcool. Para ele, o Poeta só escreveu a Obra porque, quando o Sol abria as janelas do dia, já  tinha bebido dois enérgicos copos de aguardente...

28.3.08

Pepetela procura um novo público...

Para quem já escreveu uma dissertação sobre a obra de Pepetela e, em particular, sobre o romance YAKA (1985), a leitura de "O Terrorista de Berkeley, Califórnia" (2007) deixa uma sensação de vazio, diria mesmo de nulidade.

A começar pelo título, o "terrorista...", termo maldito para o gerrilheiro revolucionário que combatia o fascismo colonialista e o capitalismo expansionista. Agora, o "terrorista" não passa de um "cérebro de formação matemática e informática" que resolveu brincar com o decrépito sistema de informações americano, simulando, através da troca de e-mails, a preparação de atentados capazes de rachar a Califórnia ao meio.

A equipa de Steve Watson, o chefe do grupo especial de combate ao terrorismo para a região de S. Francisco, enceta uma minuciosa caça à perigosa rede terrorista, revelando ao longo da novela muitos dos estereótipos que, actualmente, aterrorizam o americano médio, protestante... e branco.

Larry, o terrorista de Berkeley, "jaz sobre o computador, como a tentar protegê-lo, doze balas nas costas" ...

Por esta novela, ligeira  na abordagem do tema, perpassa alguma da ironia que caracteriza a obra de Pepetela e, sobretudo, um fino anti-americanismo. De Angola, apenas raros vestígios lexicais: muata; mujimbo; e algumas construções sintácticas com cheiro a Brasil...

De qualquer modo, o Autor parece procurar um novo público mais afastado do debate político e mais próximo das novas tecnologias. Um público, para quem a leitura é, sobretudo, um acto lúdico...

18.3.08

Ovelha dócil sem pastor...

Ovelha dócil, sento-me, aqui, em frente desta porta, à espera do veredicto. Ainda ninguém me chamou, mas o hábito condiciona-me. Do outro lado do corredor, também há luz, o que indicia presença humana. No entanto, espero não ser chamado a atravessar o corredor. A memória fustiga-me por causa de um diagnóstico adiado.

As portas são rigorosamente iguais e simétricas, mas as possibilidades são distintas.

(pausa) Afinal, a porta deste lado do corredor traiu-me. Acaba de sair uma fisionomia que não corresponde à imagem que retive da anterior visita. Mas espero estar enganado: talvez aquele rosto corresponda ao de um paciente tranquilo, ciente de que a Quaresma está chegar ao fim.

E de facto, o meu nome obriga-me a atravessar o limiar desta porta para ouvir dizer que a Quaresma é o único tempo de que disponho: água com umas gotas de limão elimina os cálculos e quanto ao resto, tenho que carregar a cruz dos dias sombrios...

Ficou, todavia, uma esperança: daqui a um ano estou obrigado a sentar-me novamente diante daquela porta, deste lado do corredor, e aposto que ninguém se surpreenderá se às 18:45 eu lá estiver sentado, ovelha dócil sem pastor...

16.3.08

Resposta subjectiva a uma defensora da objectividade

O Governo quer a avaliação para reduzir os custos e aumentar o sucesso.

Muitos professores detestam a mudança; outros vêem na escola um espaço de luta permanente, que os compense dos seus próprios fracassos; há ainda os que, atemorizados pelos comportamentos actuais, acreditam que é possível impor um novo (ou será velho?) sistema de valores.

Pessoalmente, a avaliação não me incomoda, se ela não significar, de imediato, uma penalização. Sempre me esforcei por acreditar que o homem pode aprender e ser útil, apesar dos múltiplos sinais em contrário…

Quanto aos itens de observação /avaliação, defendo que o seu número deve ser limitado. 10, no máximo, como os mandamentos. E, também, defendo que aqueles que procuram itens objectivos e mensuráveis, sãos os mesmos que põem em causa o avaliador. Ora avaliador e avaliado, antes de serem “objectos”, são “sujeitos”. E a experiência diz-me que, em matéria de avaliação do sucesso educativo, a subjectividade se deve sobrepor à analise comparativa e estatística… o que me reconduz à crítica do paradigma sociológico que tantos estragos tem feito nos últimos 10 anos, em Portugal.

Bem sei que estas minhas palavras falham na clareza e na concisão, mas são as que te posso dizer aqui e agora. Sem ser Séneca, também posso dizer que sei para onde vou, mesmo que os ventos sejam desfavoráveis e que isso nada importe a quem nos governa, precisamente porque lhes falta a subjectividade…

13.3.08

Antes que seja tarde

Fica dito:

  • Que não sou a voz de ninguém
  • Que, perante um problema, começo por pocurar-lhe a extensão
  • Que descoberta a causa, invisto tudo na solução
  • Que a melhor solução raramente é comoda
  • Que não compreendo nem a fuga nem a deserção
  • Que a delação me enoja até à exaustão
  • Que aos deuses já disse tudo
  • E que aos homens pouco mais tenho a dizer

8.3.08

A força dos professores...

Mais de 80.000 nas ruas! Impressiona pela capacidade de mobilização, mas, sobretudo, porque cada um tem uma razão de queixa.

Há muito que o Estado se vem servindo dos professores como bem lhe apraz. Não lhes proporciona nem formação científica nem pedagógica rigorosas. Não define um rumo para o país e, consequentemente, para a educação. E agora, o mesmo Estado exige competências que sempre sonegou.

Por isso, a indignação. Até porque as reformas em curso, em nome da optimização dos gastos, visam mais do mesmo: diminuição das despesas com a formação, diminuição das despesas com os equipamentos, diminuição das despesas com o parque escolar, diminuição das despesas com os salários. Não parece que o director de turma, o director de ciclo, o director do curso profissional, o director de departamento, o presidente do conselho pedagógico, o presidente da assembleia e, mesmo, o presidente do conselho executivo passem ser devidamente remunerados pelas funções que exercem. Em qualquer empresa privada, e, também, em muitas empresas públicas, todos estes cargos são remunerados de forma diferenciada.

Deste modo, a avaliação surge inquinada. Não valoriza salarialmente os docentes e, por outro lado, qual espada de Dâmacles, entrava a progressão dos mais novos e ameaça os mais velhos...

Um Ministério que não percebe que a formação científica e pedagógica é essencial, arrisca-se a ver na rua uma luta política que acabará por dinamitar o Governo e empobrecer ainda mais o País. Arrisca-se a que sindicatos e partidos se aproveitam da indignação dos professores, em benefício próprio. E humilha os seus professores perante pais e alunos, empurrando-os, depois deste pronunciamento, ou para o combate político no interior das escolas ou para a abulia...

 

6.3.08

Mais vale o Inverno do que o Inferno...

Hoje, vou continuar a acompanhar a inclinação do eixo da terra na esperança de que o céu se mantenha azul, apesar das baixas temperaturas.

Bem sei que, deste modo, a Fortuna me precipita mais de depressa para o Inverno, mas que fazer? Mais vale o Inverno do que o Inferno?

Um pouco de chuva, talvez, limpasse os Céus severos, mas isso é pedir demais.

Sobram os erros (meus) e os dedos acusadores... Que fazer? Só sei que nunca alinhei em garraiadas... donde vim, o touro pega-se de caras...

5.3.08

Falta de pudor...

O problema já não é a falta de pudor; o problema está no descaramento: os alunos ignoram o professor e, pior, afrontam-no; os professores esquecem o decoro e fazem da escola arena política;  os ministros e seus acólitos desprezam a razoabilidade que devia pautar as suas acções. A boçalidade reina um pouco por toda a parte.

Hoje, voltei à escola de 1974/75. E recordo a ligeireza saneadora que varreu as escolas, em julgamentos sumários...

E de memória em memória, lembro a fúria inquisitorial que, em efígie, queimou o Padre António Vieira...

E não vale a pena citar Antero nem António Sérgio. Quem os lê e lhes conhece as dúvidas?

29.2.08

Devia haver um limite...

Devia haver um limite para a obstinação, para a desatenção, para a irresponsabilidade, para a desagregação, para a indiferença, para o ruído, para a cegueira, para a depravação, para a incompreensão, para a preguiça, para a intolerância, para a burrice da pontuação...

(a dificuldade, aqui, é o tom!)

Mas não há!

Há quem só pense em ir para o céu. Em suspender a respiração. Não importa o caminho!

Aqui, não! Enjoam e repugnam, o pragmatismo, a eficácia da letra morta...

O próprio dia (ente)dia... parece a mais no calendário.

Cresce a náusea sob o riso descontrolado e infantil dos estupefacientes... A prazo, surge a esquizofrenia, a esquizomania...

Basta um pé de liamba!

28.2.08

Ao acordar...

Acordo a pensar que me apetece passar o dia a ler A Sala Magenta de Mário de Carvalho. Ao mesmo tempo, penso obsessivamente em jogos de  guerra, de caça e tauromáticos. Nos primeiros, as primeiras linhas são abatidas, nos segundos, só pode haver  primeiras linhas colocadas por detrás de portas, e nos terceiros, a linha que separa os contendores anula-se até ao combate decisivo. Certamente que também poderia pensar na luta livre, no futebol e nos jogos de ficção, mas não, estes últimos não me atormentam as manhãs.

Daqui a três minutos, interrompo estas linhas, preocupado, sem saber se sou primeira linha e, por isso, pouco falta para ser abatido, porque a vitória é sempre negociada nos bastidores; se estou por detrás da porta e num lance de pura fantasia abato a presa; ou se a linha que me separa do inimigo diminui cada vez mais até que o corpo-a-corpo defina se é possível haver um vencedor.

Estes são os dias, não sei se tristes se alegres, que estou a viver. São duros, mas vou ter de encontrar uma forma de os vencer...

Como é possível alguém ter destes pensamentos ao acordar!? 

24.2.08

A nossa Conferência de Berlim / Lisboa

As fronteiras nacionais africanas nasceram da imposição da Conferência de Berlim: um estado orgânico colonial imposto pelas potências colonizadoras partilhando a África sem muitas preocupações quanto ao que já existia. Várias nações, no sentido da formações sociais antigas africanas, passaram a estar reunidas dentro de novas fronteiras. Tribos amigas e inimigas passaram a pertencer ao mesmo espaço colonial.

Esta estratégia, adoptada pelas nações europeias no séc. XIX, continua a alimentar o pensamento dos assessores do Governo actual: como é preciso adoptar medidas (receitas) para a resolução do atraso económico e cultural do país, consulta-se o catálogo das organizações internacionais que sobre estas matérias vão reflectindo, criam-se múltiplos grupos de trabalho (constituídos por indivíduos sem qualquer conhecimento do território físico e humano) que, obrigados a cumprir a agenda política (eleitoral), deixam cair sobre a mesa dos decisores um mapa de ocupação-cor-de rosa, ignorando por inteiro o passado e desprezando os efeitos imediatos e a longo prazo do receituário legislativo.

Tal como em África, em nome de interesses de partilha, estamos a destruir tudo o que, ainda, pode ser aproveitado, a gerar um clima de guerra transfronteiriça, e a hipotecar, por longos, anos o futuro.

Quanto aos governantes, incapazes de desenhar uma estratégia própria, continuam orgulhosos das medidas adoptadas, crendo que elas os imortalizarão, quando, de facto, deles deixam uma memória de extraordinário autismo.

(Hoje, sobre "medidas", vale a pena ler Vasco Pulido Valente. E sobre "autismos", recomenda-se Daniel Sampaio.

21.2.08

AVALiar

Nos dias que correm, o avaliador faz análise estatística de comportamentos e práticas, observáveis de forma binária, no pressuposto de que na linha de montagem todas as peças encaixam.

Se o caminho da avaliação é este, mais vale apostar nos robots, pois são mais fiáveis: não fazem nem mais nem menos do que lhes é solicitado; nunca faltam e raramente adoecem. E quando isso acontece, são, de imediato, substituídos e reciclados. Tudo a custo ZERO.

Um exército de controleiros, admiradores do rumo traçado pelo Grande Vaidoso, prepara-se para eliminar todos os que têm uma noção clara dos objectivos e dos caminhos que podem ser trilhados.

Ao avaliador devia exigir-se estudo, experiência pedagógica e humanidade porque, em causa, estão outros seres e não maquinismos. Sem carácter não é possível corrigir qualquer erro... e a mudança exige tempo e gradualidade...   

17.2.08

Ontem, enquanto circulava na A1

Ontem, enquanto circulava na A1, tive uma série de ideias que me pareciam sensatas e bem capazes de me anteciparem o futuro.

No entanto, hoje (futuro-de-ontem), parecia-me que já tudo esquecera: o presente era mais do que a soma dos factos, incluía possíveis narrativos infinitos, capazes de deslocalizar o paralítico mais indefeso e, sobretudo, esse presente era feito de uma ausência absoluto daquilo a que costumamos chamar realidade. Apetecia pensar que se tratava de uma fantasia bem real, de coerência total:

- Acabei de chegar. Não te posso dizer nada sobre estes meus vizinhos. Deles, sei tanto como tu. Afinal, creio que insistes em perguntar o que andas aqui a fazer!? Já, agora, diz-me o que é que estás aqui a fazer? Olhando para ti, vestido de negro, será que perdeste alguém? Não teria sido melhor teres-te concentrado no Largo do Rato, em frente da sede do PS? Se queres saber, nunca percebi por que motivo nunca foste bispo, ministro, general, qualquer-coisa-assim? De verdade, estas tuas visitas já me começam a irritar. Perdes deliberadamente tempo, o teu tempo, porque o meu já chegou ao fim! Se ainda aqui continuo, é apenas na expectativa de te ver na TV, a arrasar este povo faminto de ideias. Agora, a minha cabeça reduz-se a um movimento vertical, do tecto para a TV e da TV para o tecto, à espera de te ver cumprir, como diria aquele teu amigo, o Pessoa, outro falhado... ao lado, espreita, o António que insiste em ser o Lobo que abocanha o Antunes e para quem o povo deixou de ter redenção por causa dos malandros que há séculos nos governam...

- Bem sei que estas minhas palavras te desagradam, que esperavas que te falasse do passado daquelas tias solteironas que conheceste a ler o Retrato de Ricardina, eternas frustradas porque pai-e-mãe as proibiram de namoriscar o encanto-dos-olhos-delas... onde elas viam encanto, eles viam miséria, promisquidade, e por isso o anátema tornou-se prisão húmida e bolorenta, donde se elevava uma tosse assassina que desfez pulmões e rebentou o coração. Mas, afinal, o que é que isso te pode interessar? Pareces doente, só falas de doentes-a-caminho-da-morte... Bem sei que é difícil encontrar assunto para falar comigo e esperas que eu te possa preencher esta hora com o meu baú das memórias. Mas eu já não tenho baú, leváste-o quando tinhas 10-11 anos e, ainda agora, lembro o que te disse: Nesse baú vai o teu derradeiro enxoval...

- Ao olhar o tecto, surpreende-me a cor das ideias; ao baixar à TV, fugazes imagens soltam-se de não te ver... estas minhas ideias são tão brancas como as tuas. Do tecto à TV, é lá que espero ver-te, ouvir-te... e não aqui.

- Sabes bem que eu já deixei de ser de aqui! Livra-te desses teus amigos maçadores, sobretudo, do Pessoa e do Lobo, e não insistas em convencer os teus alunos... há muito que deixaram de te ouvir. O que eles esperam de ti é que morras, breve... está claro que se souberem destas palavras se irritarão contigo, se esforçarão por te dizer como és magnífico! Mas não acredites! Daqui, donde estou, entre o tecto e a TV, vejo aquele olhar perturbado de quem teme que lhe revelem a inveja, a ambição, a histeria febril, a volúpia e a preguiça assassina...

- Gostei que nos encontrassemos aqui, mas vou parar de dizer o que penso de ti, o quanto me traíste, ao dar-te aquele enxoval e, por favor, desperta, essa carrinha aí, ao lado, parece-me ser do Pepetela, outro dos teus projectos adiados...

12.2.08

O que é que eu faço aqui?

Entre distanciar-me e envolver-me, hesito.

Se me distancio, o corpo respira melhor, a memória recupera, a palavra flui. Basta recostar-me na cadeira, para que o horizonte se alargue, o rosto se abra à ironia. E nesse momento, os pássaros escondem a voz...

Se me envolvo, o corpo enrodilha-se, a memória soluça, a palavra torna-se ameaçadora. A cadeira diminui, as margens tornam-se tensas, o rosto fecha-se sobre o écrã... os parágrafos, desnorteados, gritam de desdém...

Por detrás da letra, antevejo um sonhador que ainda acredita que é possível mudar o homem: o paradigma escancara-se de gozo para nada. A letra quer eliminar a punição, mas a tradição acredita na força da exclusão...

Os argumentos deixaram de ser convincentes, extasiados na suspensão... ficaram, por hoje, nas prateleiras grávidas de solidão.

(Por um instante, pensei ficar, ali, sobre o armário do fundo, à espera que a letra desabrochasse..., mas uma súbita rosa negra rasgou-me o olhar e perguntou-me: - O que fazes aqui?)

10.2.08

Não falemos mais deles...

Fama di loro il mondo esser non lassa;

misericordia e giustizia li sdegna:

non ragioniam di lor, ma guarda e passa.

Dante Alighieri, Divina Comédia, Livro III

Tanto lamento, tanta dor!

São filhos de Abril.

Acreditam na imortalidade e invejam a própria sombra.

Deles nada sobrará e tanto a misericórdia como a justiça os desprezam.

Aprendamos a ignorá-los!

Olhemo-los de soslaio, e passemos adiante!

31.1.08

Entranha-se...

Entranha-se a indisciplina, apesar de bem-educada... - Oh, desculpe, não sei o que se passa comigo; não consigo estar atento, dormi pouco. De facto, perco-me em viagens sem destino: parto, mas inesperadamente capitulo. Estou e não estou. A História não me interessa - é passado e eu sou o presente sem futuro... tempo de brejeirice, embora eu não saiba bem do que se trata, talvez piadas sem espinhas ou nus lânguidos, em posições convidativas... isso, o telemóvel do meu amigo é fantástico! Que pena não ter um igual! Ah, como eu seria feliz! Por enquanto, contenta-me um olhar furtivo...

Entranha-se a irresponsabilidade, apesar de democrática... - Vamos dar-lhes a palavra derradeira, uma palavra nocturna, embora só eu saiba do que eles precisam. Por isso, dou-lhes a palavra, mas guardo as passwords só para mim... Sempre que quiserem entrar no templo, hão-de passar por mim, mas, primeiro, ficam à espera - a ansiedade torna-os mansos! - até perderem a vontade de perguntar. Malditas perguntas, lembram crianças esquecidas de crescer...

- Há 100 anos, o rei preparava-se para morrer. Ele nunca o disse, mas lá no fundo ele queria ser republicano. Estava cansado das telas do mar, do suicídio dos amigos e das noites góticas... Via-se cair às mãos dos anarquistas, amortalhado por coristas e fadistas sob o olhar guloso da rainha...

27.1.08

Hoje...

  1. Hoje, tive o prazer de participar na festa de aniversário dos 90 anos do Sr. Rogério Correia. E este, não querendo gastar o último sopro, recusou-se a apagar as velas. E fez bem: quem tem uma família tão multicultural, bem merece ficar por cá mais uns anos a tutelar a miscigenação que se apoderou da sua família. Viva a harmonia e a tolerância! E viva o Sr. Rogério!
  2. O serviço público exige rectidão de carácter, mas não obriga a subserviência. Esta é a conclusão a que, hoje, também, cheguei depois de longamente reflectir sobre o modo como uns tantos tentam destruir aqueles que dedicam toda a sua vida a um magistério.
  3. Hoje, ainda, vi-me a subir, qual eléctrico da Bica, íngremes escadarias, numa pobre e triste cidade. Não faz sentido que as ruas se escondam entre blocos obsoletos e devolutos ou ocupados pela vergonha dos desempregados ou dos miseravelmente mal pagos...
  4. Finalmente, recuperado da íngreme subida, caminho mais 50 minutos, por traçados pedestres desertos, e vou pensando em tudo o que não pude fazer e que amanhã me fará falta. Mesmo destas palavras ecoa a acusação de desperdício. Que sentido têm? Não seria preferível pensar um pouco mais naquelas grelhas publicitadas, na 6ª feira, no site do M.E. e que nos próximos tempos irão condicionar o trabalho de milhares de professores, em nome do serviço público?
  5. Fico, no entanto, com a sensação que se não tivesse respondido ao convite do Sr. Rogério Correia ou se não tivesse tomado nota dos abusos do poder de que somos vítimas, estaria a ser subserviente.

22.1.08

Amanhã, comece a dizer não...

Se eu quiser iniciar a actividade de paraquedista, sei que preciso de frequentar, durante algum tempo, uma escola de paraquedismo. Não me passa pela cabeça, comprar uma mochila, atirá-la para as costas, entrar num avião e, na primeira oportunidade, lançar-me no espaço.

No entanto, temo que, amanhã, não consiga escapar à ideia de que, um pouco por todo lado, se perfilam candidatos a gerir a "res publica" sem qualquer preparação para tal...

É por isso que há muito se fala dos paraquedistas que, em vez de se precipitarem no abismo, nos levam ao desencanto e à desistência. 

Apesar do desespero, amanhã, lá estarei, atento, à espera que a mochila se abra e dela se liberte um rotundo NÃO.

20.1.08

Os alunos podem esperar...

Há prazos a cumprir, grelhas a elaborar, objectivos a definir, reuniões a concertar, observações a marcar, formações a receber e a dar... e os alunos podem esperar!

Não vão ficar sem aulas que, sem elas, os professores não progridem!

Há quem pense que estamos a assistir a uma gigantesca fraude e a uma onda de indiferença da mesma dimensão. Mas não, para além dos carreiristas e oportunistas que sempre enriquecem nestes momentos, a maioria dos professores sente-se acossada porque pressente que, em ditadura ou em maioria absoluta, o seu peso é nulo.

Por isso, para que o aluno volte a ocupar a atenção do professor, só há um caminho: impedir a formação de uma nova maioria absoluta.

Se a memória não nos faltar... 

 

11.1.08

A penitenciária

Ando há dias a pensar na situação insuportável de quem não se sente motivado para o exercício de uma função para que não foi preparado.

Neste país, podemos ser designados para uma missão sem sermos ouvidos, ou, na melhor das hipóteses, somos chantageados: deixamos de progredir numa carreira que, de facto, para muitos está fechada... ou, então, podemos ser descartados...

Neste  contexto, a resignação instala-se, sobretudo, se a aposentação estiver distante. Acabamos actores de uma farsa interminável. Mas, de que nos serve a resignação?

E a questão da motivação é essencial! Todavia, o acesso à formação é cada vez mais dificultado: para além de ser paga e obedecer a um programa de lavagem mental, a formação é proporcionada por agências cujos objectivos são absorver os fundos europeus e controlar os mecanismos do poder.

Tudo se joga a duas dimensões: por cima, os iluminados que estabelecem objectivos irrealistas, prazos cegos e sanções disciplinares; por baixo, uma tribo de executantes que zelozamente deve controlar e hierarquizar os seus pares em nome do global superior interesse.

Não interessa se concordam ou discordam, se dispõem dos meios necessários, se, pela sua resignação, objectivamente, prejudicam a comunidade ou, no limite, põem em perigo a sua própria saúde física e mental.

Neste cenário, creio que será da maior utilidade criarmos em cada local de trabalho uma penitenciária - lembrando que, na origem, se tratava de um lugar onde o crente dispunha de instrumentos que lhe permitiam exibir o modo como se penitenciava dos erros (pecados) cometidos aos olhos de Deus. Para o efeito, os iluminados ofereciam múltiplos e dolorosos instrumentos de tortura...

Por mais incoerente que este discurso possa parecer, ele não deixa de revelar que, ao  definirmos objectivos individuais, começamos por confessar os nossos erros para, depois, negociarmos as penas que nos libertarão da nossa mísera condição...

Ou talvez não!

5.1.08

Imperdoável

«Morreu uma professora de Mangualde que, sofrendo de cancro de pulmão, trabalhou até ao fim. Maria Cândida não chegou a beneficiar da redução da componente lectiva.»

A frieza da notícia está de acordo com a desumanidade do legislador. A lei, que, por regra, os governantes desdenham, é, nestes casos, cega. Deixa morrer no local de trabalho alguém cuja morte há muito estava anunciada...

De facto, não morreu nesse lugar, mas, apenas, por força do calendário escolar. Quanto aos decisores, esses escondem-se  por detrás de leis que eles próprios aprovaram.

No limite, caso não houvesse este pausa na actividade lectiva, a professora poderia ter morrido na sala de aula, perante os seus jovens alunos. Se isso tivesse acontecido, qual teria sido a reacção dos pais e encarregados de educação?

E o que pensam desta "experiência" os pedagogos e psicólogos deste país? Será que o juízo médico não deve sobrepor-se ao rigor dos maiorais que nos vigiam?

Quem se encontra no terreno sabe que, independentemente da idade, há cada vez mais homens e mulheres que se sentem incapacitados de exercer a sua profissão, mas que são obrigados a fazê-lo, apesar dos prejuízo que isso significa para a comunidade.

No entanto, a lei continua a ser aplicada com tanto rigor, precisamente, em nome da redução do déficit.

Irónico e imperdoável. Nem a caridade nos sobra...