18.2.14

As minhocas

Quando os campos estão alagados e o sol começa a aquecer, do torrão saltam, à má fé, as minhocas.
Sem crânio nem coluna vertebral, as minhocas avançam sorrateiramente. Relembro-as, longilíneas, onduladas e rosadas. Nunca percebi bem o que é que elas demandam. Sei, no entanto que, na sua teimosia, não se importam de ser esmagadas.
Diria, assim, que para as minhocas o problema da duração não se coloca. Satisfazem-se com a sua extensão, indiferentes aos vertebrados que ousam pensar e não se deixam conduzir por caprichos alucinatórios.

17.2.14

Salomão, vítima de um pregador anacrónico

«  Salomão prestou culto a Astarté, deusa dos sidónios, e a Melcom, idolo dos amonitas. Fez mal aos olhos do Senhor e não Lhe foi inteiramente fiel como seu pai David. Por esse tempo edificou Salomão sobre o monte, que está frente a Jerusalém, um lugar alto (templo) a Camos, deus de Moab, e a Moloc, abominação dos amonitas. E o mesmo fez para agradar a todas as suas mulheres estrangeiras, que queimavam incenso e sacrificavam aos deuses. Então o Senhor irritou-se contra Salomão...» Primeiro Livro dos Reis

Estranha citação, mas necessária! 
Há dias entrei num templo cristão, católico, acabando por ouvir o pregador a condenar o rei Salomão por ter prestado culto aos ídolos estrangeiros. Habituado a venerar o Rei Salomão como sábio, justiceiro e grande arquiteto, fiquei inquieto com a condenação.
Já me era difícil imaginar que o Padre Eterno acusasse de devassidão as 700 esposas de sangue real e as 300 concubinas do Rei  - «e as mulheres perverteram o seu coração», quanto mais vê-Lo, sem qualquer rebuço, condenar Salomão só porque este era cortês com os reinos que subjugava, com as princesas que lhe enchiam o harém...
Em pleno século XXI, não é fácil ouvir pregar uma história xenófoba, machista e sem qualquer noção do espírito comunitário salomónico.
Ainda se o Senhor tivesse acusado Salomão de esbanjador de recursos, de luxúria talvez aquela homilia fizesse sentido. Assim não, até porque o Senhor, a propósito da edificação do Templo, lhe disse:
«Santifiquei esta casa que me construíste a fim de permanecer nela o Meu nome para sempre; os Meus olhos e o Meu coração estarão aí fixados perpetuamente.» 

16.2.14

Sob a canópia

De passagem pela exposição fotográfica ( de Ana Gaiaz e Márcia Lessa) realizada no âmbito do Programa de Renovação do Grande Auditório ( 15 de fevereiro a 2 de março), houve uma série de pormenores que despertaram a minha atenção, a começar pelo nome das fotógrafas. Algo me diz que há quem não goste dos patronímicos...
Por outro lado, na memória descritiva, surge o neologismo "canópia" para designar a "cobertura" ou a "abóbada" do Grande Auditório. Provavelmente,  não estou atualizado!  Parece-me que, também, aqui, a língua materna se vê afastada sem grande motivo. A ideia de que sem a língua inglesa não somos ninguém perturba-me, pois habituado fui a pensar que a identidade se exprime melhor na língua materna...
Nada disto teria grande significado para mim se o Dicionário Terminológico do Português não sofresse dos mesmos males: a origem e a história da língua são substituídos pelo modelo anglo-saxónico por quem há cerca de 40 anos eliminou os estudos clássicos e acabou por reduzir a quase nada as línguas novilatinas ou românicas...
E acrescento que também não gostei da exposição fotográfica: falta-lhe a sequência, apesar da datação. Parece que as fotógrafas chegaram já o estaleiro estava instalado e o espaço esventrado... 

15.2.14

40 anos de liberdade


Sem grilhetas, construímos retalhos bem elucidativos do caos mental que nos desgoverna. Oferecemos cravos, mas é o tojo que se dissemina. Corrompidos pelo poder e pelo euro, semeamos a miséria nos campos e nas cidades…
Em nome de falsas autonomias, gerimos a nosso belo prazer e propagandeamos que as atuais gerações são mais cultas, mais instruídas do que as anteriores… Sem vergonha o repetimos na cara dos mais velhos, dos trabalhadores, dos que têm menores habilitações académicas…, discriminando em nome de uma verdade néscia e sem pudor.

14.2.14

Manda quem pode!

Manda quem pode, obedece quem quer!

Este provérbio é expressão do saber popular. Todavia, nos dias que correm, parece que já só aplicamos a primeira parte. Logo pela manhã, passou por mim, com ar desalentado, uma senhora que exclamava: Manda quem pode!

De facto, todos os dias obedecemos não porque queremos, mas porque nos resignamos….

Até na natureza, a figueira, de judas ou não, obedece, apesar da chuva e do dia de cinza. Esta figueira, porém, salta o muro e foge do terreiro do seminário, mesmo que a espere a mão gulosa e o riso mofino.

13.2.14

O polvo prega, comunga e condena à fogueira

I – O planeamento e a agricultura de mãos dadas! Não posso deixar de admirar a comunhão das malvas com as favas…
II – Entretanto, «o polvo vestiu-se de todas aquelas cores a que está apegado» e foi comungar. Será que se confessou?

III – «O polvo, com aquele seu capelo na cabeça parece um monge; com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão. (…) O polvo é o maior traidor do mar.» Padre António Vieira, O Sermão de Santo António.
O polvo de Vieira é o dominicano que, morto D. João IV (1656), o persegue e o manda prender. O traidor dominicano, responsável pelo tribunal da Inquisição, que abraçou a Cristo e o prendeu…
Curiosamente,  tendo o Sermão de Santo António sido proferido no dia 13 de junho de 1654, os estudiosos de Vieira não identificam os pregadores que não salgavam a terra com a ordem dos dominicanos, cuja missão principal era pregar e, sobretudo, não veem no polvo o retrato do principal inimigo político de Vieira – o dominicano.
Provavelmente, no sermão pregado em 1654, no Maranhão,Vieira não terá feito qualquer referência à figura alegórica do polvo-traidor que só montou o auto-de-fé depois da morte de D. João IV. Apenas, quando estabeleceu o texto para publicação, Vieira terá introduzido «o salteador, que está de emboscada dentro do seu próprio engano…»

12.2.14

E para isso se matam todo o ano!

Todos a trabalhar toda a vida, ou na roça ou na cana, ou no engenho ou no tabacal; e este trabalho de toda a vida, quem o leva? Não o levam os coches, nem as liteiras, nem os cavalos, nem os escudeiros, nem os pajens, nem os lacaios, nem as tapeçarias, nem as pinturas, nem as baixelas, nem as jóias. Pois em que se vai e despende toda a vida? No triste farrapo com que saem à rua. E para isso se matam todo o ano! Padre António Vieira, Sermão de Santo António aos Peixes

No dia em que tomei conhecimento de um novo decreto-lei, o nº 22/2014, de 11 de fevereiro, que visa enquadrar e regulamentar a "formação contínua de professores" tive necessidade de explicar aos meus alunos que o Padre António Vieira utilizou o sermão para defender os moradores do Maranhão do apetite voraz dos "homens do mar", um insaciável apetite branco europeu. De forma lúcida, António Vieira denunciou a ação das ordens militares, fossem elas de malta, de avis, de cristo ou de santiago. Sem qualquer tibieza, Vieira denunciou a cultura de morte que caracterizou o espírito de cruzada e de posterior conquista do novo mundo. 
A permanente preocupação com as condições de vida do homem tornam Vieira um verdadeiro precursor de todos aqueles que se empenham na defesa dos direitos humanos.
Se me refiro ao decreto-lei 22/2014 de 11 de fevereiro e a Vieira é porque no ato governativo, subscrito por Nuno Crato e Passos Coelho, nada encontro que  possa ajudar os professores a educar os seus jovens alunos. Não é com burocracia, catecismo, manual de instruções, formadores de formadores ad hoc, sessões de três e seis horas, que se aprende, que se aprofunda o que há de essencial na cultura humana...
Se os governantes tivessem aprendido a ler o Padre António Vieira não haveria tanta ignorância, tanta cegueira, tanta vaidade, tanta cobiça... tanto homem «no triste farrapo com que saem à rua».
  

11.2.14

Um retrato patético

Para mim, não há inverno sem chuva ininterrupta. Hoje, sim, choveu de forma persistente, quase sem intervalos... O vento e o frio são apenas acessórios!
A chuva traz-me esperança de renovação, a vida no estado puro. Sempre que sinto a chuva, acredito que o mundo pode ser melhor, reduzir a fome, secar a guerra.
Bem sei que esta emoção só é partilhada por quem habita os desertos áridos, abandonados pelos rios exauridos pelo sol... e, no entanto, oiço com atenção todos aqueles que se queixam da chuva e têm pressa de libertar-se  dela, como se ela fosse  fonte de morte. Oiço-os sonhar com a areia da praia sob a canícula doirada e vou pensando como podemos ser mal agradecidos. Queremos a vida e vivemos na demanda da morte!
A ideia pode ser arguta, mas o que eu queria dizer era coisa diferente! É que, apesar da chuva, fonte de vida, sinto-me empurrado para a idiotia ou, em alternativa, para o silêncio absurdo. Suspeito de mim mesmo, vigio os meus gestos, peso as palavras e ainda peço desculpa pelo incómodo da minha presença. E já não preciso que me deem um empurrãozinho... Em dia de chuva, eis um retrato patético!

 (A nau da Governação leva a bordo Cila e Caríbdis, empurrada por uma multidão de patetas! O que será feito de Zeus?)     

10.2.14

A nau Governação

«Quantos, na nau Sensualidade, se iriam perder cegamente em Cila ou em Caríbdis, se a rémora da língua de Santo António os não contivesse (...)?» Padre António Vieira

Não é que a nau Sensualidade tenha deixado de ser um problema, mas o que hoje mais preocupa é a nau Governação.
À abordagem cognitiva, há quem prefira a abordagem alegórica, por isso convém esclarecer a interessante figura criada em torno de Caríbdis e de Cila.
Caríbdis e Cila revelaram-se inicialmente como ninfas, porém acabaram transformadas em vorazes monstros marinhos, zelosos defensores das fronteiras marítimas, deixando uma figueira negra ao homem como única escapatória.
Vale a pena relembrar que o monstro Cila, anteriormente ninfa, continua a apresentar o torso de uma bela mulher, cuja cintura é cingida por seis cabeças de serpente com três fileiras de dentes e por um círculo de doze mastins ...
Como a compreensão da alegoria exige a colaboração do interlocutor, abstenho-me de explicar quem vai na Nau da Governação, apesar de adiantar que Cila e Caríbdis, desta vez, se encontram a bordo... 

9.2.14

Tempestade mental

Acordei um pouco mais tarde, talvez porque tenha adormecido a pensar que Camilo Castelo Branco fora um homem pouco escrupuloso no que às mulheres respeita, apesar da glória literária de que ainda se alimenta. A glória pode, assim, alimentar-se da borracha que vai apagando a biografia, substituindo-a pela cristalização. O mito.
Hoje, a falta de escrúpulos generalizou-se e não há dique que a trave.
Entretanto, fui acometido por uma reflexão, até ao momento, inconsequente: a relação entre a sensação e o sentimento. Seguro de que a sensação não pede autorização para se instalar, sei, contudo, que ela é efémera, vaidosa, excessiva quando se proclama doce ou amarga, gélida ou em fogo. A sensação mais não é que paixão... e esta dura o tempo da sensação ou não sobrevive sem repetição.
Quanto ao sentimento, um pouco além da emoção, pode durar para além da sensação, pode viver da repetição e sobretudo da prisão voluntária ou não. E na verdade, o pensamento matinal embrenhou-se na duração do sentimento, no apagamento do sentimento, nas condições em que o sentimento desfalece...
E aí a morte do objeto e a cegueira progressiva do sujeito acabam por diluir o sentimento até à sensação de vazio que solicita que o lugar seja preenchido...

8.2.14

Mesmo se ao lado do risco…



Não penso (…) existo mesmo se ao lado do risco … Há um risco humano e outro vegetal, talvez apenas reflexo, não sei ao certo….
A incerteza escolhe a dúvida e eu não resisto a seguir-lhe o traço. Poderia inventar-lhe um passado, dar-lhe um sorriso, deixá-lo morrer, mas para quê? Nomes, praças, estátuas, pombas, gaivotas, esteiros – tanta história já narrada e esquecida!
E no meio relembro aquele impiedoso aluno que me questiona: – Para que diabo escolheu ser professor (executante de manuais) se poderia ter sido tanta outra coisa mais útil na vida?
O que o jovem ainda não sabe é que ao ter razão não irá gostar da minha resposta. E eu também não!

7.2.14

O risco



Eu não penso (…) existo enquanto não for riscado. Até lá, alimenta-me o risco lento da pena, só leve na página.

Por isso caminho, sem traçar um ponto de chegada – o objetivo. Evito chegar e perco-me ao não pensar no que poderei encontrar.

Basta-me a pena que ando a cumprir!

6.2.14

A lápis sempre com borracha ao lado

A lápis sempre com a borracha ao lado, em movimentos de avanço e de recuo, de sobe e desce, à procura da sequência, sob a forma de período ou de parágrafo, sem saber se a ideia se solta ou é feita refém... Sem plano, as palavras contíguas alinham esquecidas do paradigma que as vai libertando e limitando até ao momento em que eclodem ou, sem rumo, fenecem...
No entanto, não faltam as palavras tornadas sintagma. Repetem pessoas, objetos, fúrias estimadas; soltam-se em ondas encantadas, narcísicas; deslumbradas martelam embustes e libertam falsários...e eu vejo-as, em árvore, da raiz para o tronco que suporta a ramagem, mas, insatisfeito, desço abruptamente da ramagem à raiz...
e apago-as. Pego no lápis e regresso à sequência, deixando que o paradigma abra o leque e inunde a linha apesar do vento que sopra em bebedeira desnecessária...  

5.2.14

Lugar sem poesia

Enerva-me o refrão
da antevisão
da visão
ão...ão!
Sobe-me a tensão
da explicação
sem solução
ão...ão!
Mata-me a pretensão
da razão
sem razão
ão ...ão!

... Só me falta ficar
sem colchão
ão... ão!

Dito de outro modo: domus, dominus, domesticus... Só os peixes, por natureza, se não deixavam domesticar. Por prudência, os restantes animais são, pelo menos em potência, domesticáveis! Em particular, os mamíferos.
....Lição não autorizada por Aristóteles, mas bem fundamentada pelas Escrituras e pelos doutores da Igreja, incluindo José Saramago ...

4.2.14

Mesmo que tivesse um lugar...

Sugere o meu amigo António Souto que, depois dos 50, nos começamos a esgueirar do tempo (O meu tio da América, Human, fevereiro 14). Pode ser que seja verdade, embora no meu caso o mecanismo não funcione. Primeiro porque nunca tive um tio da América. Na verdade, um tio meu viveu muito tempo em África, em Angola. Hoje, vive na Madeira;  não sei se ainda  é África ou apenas uma ilha com jardim à espera de se juntar à Atlântida...
Mesmo que tivesse um lugar para onde me evadir, a viagem seria sem sentido: não mora lá ninguém! Alguns objetos desenham círculos, mas apenas os necessários para isolar a distância: o avião parado sobre o guarda-fatos, o pião por rachar preso ao interdito, o crivo vazio... o joio asfixiou o trigo...
A memória é já só do presente e lembra-me que, também, eu posso ser escravo numa engrenagem que não me pertence. Escravo de uma ordem caprichosa, prenhe de omissões e de compromissos que nada me dizem.
Bom seria que a memória me desse uma mão e me levasse para uma encosta esquecida de que amanhã continua a ser dia!  

3.2.14

Pela voz…

A nora não perdoa!  Hoje, no entanto, a voz  voltou a surpreender-me.

Na visita de estudo ao Palácio nacional de Mafra com os meus alunos do 12º J, o guia, Carlos Coxo, subitamente interrompeu-me pois reconhecera na minha voz o seu antigo  professor de Português dos anos 80 da Escola Secundária de Santa Maria, Sintra. E espantosamente, o Carlos relembrou o nome que me identificava à época: cabeleira. Tudo o resto envelhecera, mas a voz continuava a mesma!

Os meus atuais alunos, felizes com o reconhecimento, tornaram-se mais atentos e disponíveis para “viver” a visita durante duas horas.

Obrigado, Carlos Coxo!

2.2.14

Hoje não fui ver o mar

O de ontem era um mar tranquilo! O de hoje consta que está revolto! Não espanta, pois há tempo que ousamos dizê-lo nosso!
Nada é nosso nem o próprio nada. Somos nados sem saber porquê e partimos quando menos desejamos… No intervalo, fingimos que somos senhores e, demasiadas vezes, utilizamos esse tempo a humilhar quem não mais nem menos é que nós.
E quando nos dizemos nós é porque nos vemos donos do mar…
Hoje não fui ver o mar! Ele veio ter comigo e estive a pô-lo por ordem à semelhança do cronista para o melhor o poder escutar quando ele não estiver comigo… e vou ficar assim…

1.2.14

Tudo tão próximo e tão distante!





Dois planos: 1º plano: construído; 2º plano: em construção.
Duas linhas: 1ª linha: estável, embora finita; 2ª linha: instável, embora sonhadora.
Duas atitudes: 1ª atitude: passiva-institucional; 2ª atitude: ativa –construtiva: individualista; coletivista.
Se saltar da linha, do plano e da atitude, sobram dois grupos: o 1º procura o sol de fevereiro; o 2º procura libertar as rochas do lixo do primeiro.
Se saltar da linha, do plano e da atitude, sobram dois grupos: o 3º procura, através de uma insólita orquestração, o dinheiro que lhe permita, um dia, ocupar a casa dos seus sonhos.
A ação decorre entre o Guincho e Cascais no dia 1 de fevereiro de 2014. Não se vê nem se ouve o vento, mas ele está sempre presente…

31.1.14

Na hora do Meco

Desde o princípio do mundo que me insultam e me caluniam. Os mesmos poetas ― por natureza meus amigos ― que me defendem, me não têm defendido bem. Um ― um inglês chamado Milton ― fez-me perder, com parceiros meus, uma batalha indefinida que nunca se travou. Outro ― um alemão chamado Goethe ― deu-me um papel de alcoviteiro numa tragédia de aldeia. Mas eu não sou o que pensam. As Igrejas abominam-me. Os crentes tremem do meu nome. Mas tenho, quer queiram quer não, um papel no mundo. Nem sou o revoltado contra Deus, nem o espírito que nega. Sou o Deus da Imaginação, perdido porque não crio. É por mim que, quando criança, sonhaste aqueles sonhos que são brinquedos; é por mim que, quando mulher já, tiveste a abraçar-te de noite os príncipes e os dominadores que dormem no fundo desses sonhos. Sou o Espírito que cria sem criar, cuja voz é um fumo, e cuja alma é um erro. Deus criou-me para que eu o imitasse de noite. Ele é o Sol, eu sou a Lua. Minha luz paira sobre tudo quanto é fútil ou findo, fogo-fátuo, margens de rio, pântanos e sombras. Fernando Pessoa, A Hora do Diabo.

No Meco, com praxes ou sem praxes,
a hora era lunar!
a hora era do sonho!
a hora era da brincadeira!
a hora era da imaginação!
De uma imaginação que não cria... e o Diabo foi Deus na onda que pôs termo à vida...
Mesmo assim preferimos o abraço da noite...

30.1.14

Distorção

I - Às 7h00, a TSF notícia que, segundo o MEC, em 2012, os episódios de violência diminuíram nas escolas.
II - Às 7h30, a TSF notícia que, segundo o MEC, 94% das escolas não registaram  na plataforma digital os episódios de violência.

III - Às 13h30, leio uma resposta do MEC a um pedido de esclarecimento e concluo que fiquei ainda mais confuso. Fiquei, no entanto, com vontade de solicitar novo esclarecimento: - Quando é que termina o ciclo avaliativo de um docente que em 1999 chegou ao décimo escalão e, hoje, se encontra no nono? Se um ciclo avaliativo durar quatro anos, quantos são necessários para o perfazer em tempo de congelamento indefinido da progressão na carreira? Quando é que o ciclo avaliativo termina para que o docente possa ser avaliado e, por exemplo, requerer recuperação de avaliação obtida em ciclo avaliativo anterior?

IV - Às 14h30, na Almirante Reis, uma negra com a mão esquerda entrapada arranca parte do trapo sujo para limpar as costas ensanguentadas da mão direita em carne viva. Parado pelo vermelho do semáforo, nem quero acreditar no que observo. Entretanto, uma branca aproxima-se, abre a mala de mão, retira uns lenços de papel  e começa a limpar-lhe as feridas... a negra sorri e eu arranco, um pouco mais calmo...

V - Às 16h00, entro no consultório da médica de família. Ela mede-me a tensão e exclama "Isto não pode continuar assim!" e parte a buscar um comprimido milagroso. 

O problema é que, no meu caso, ninguém sabe quanto dura o efeito da pílula miraculosa!  

29.1.14

Há uma história por contar...

Há uma história por contar em Portugal: a da génese e da expansão do ensino superior privado em Portugal. Quem acompanhou alguns dos empreendedores sabe que a maioria, cedo, viu na educação superior uma oportunidade de negócio. 
Por "cedo" entenda-se início dos anos 70 e, sobretudo,  pós-25 de abril, pois muitos dos regressados, professores universitários ou  funcionários do aparelho colonial, perceberam, ao chegar à metrópole, que o ensino superior público era incapaz de satisfazer a procura...
Muitos dos criadores das sucessivas cooperativas de ensino superior, sempre resultantes de cisões, não tinham o adequado perfil académico para instruir uma nova geração proveniente das franjas sociais, até à data, impedidas de entrar na universidade. 
No entanto, isso não os coibiu de procurar na academia ou, em particular, entre os saneados pelo PREC quem lhes assegurasse o número mínimo de doutores exigido para que o desejado alvará fosse concedido.
Os doutores contratados eram apresentados como coordenadores dos múltiplos departamentos e o Ministério da Educação, ocupado por compadres, também eles, provenientes das ex-colónias ou de gabinetes de estudo, entretanto, extintos, legalizava universidades, extensões universitárias, escolas pré-universitárias, institutos...
A contratação de docentes obedecia a critérios supostamente democráticos: em primeiro lugar, cooperantes e familiares; em segundo lugar, doutores politicamente ostracizados; em terceiro lugar, conselheiros  e outros jubilados de renome; em quarto lugar, políticos de todos os quadrantes, da extrema direita à extrema esquerda... neste caso, uma simples licenciatura era suficiente para entrar na categoria de professor auxiliar; em quinto lugar, alguns docentes do ensino secundário para "alfabetizar" alunos que "dificilmente" obtinham a nota mínima que lhes franqueava a entrada no mundo das praxes civilizadoras...
Com a passagem do tempo, os licenciados subiam a mestres (os mais afoitos a doutores por Salamanca!)... e a porta ia-se escancarando para que alcançassem o almejado patamar de doutores, com equivalência ou sem ela... 
Quanta investigação, quanta ciência, quanta obra!

Por tudo isto, não surpreende que haja licenciados que raramente puseram os pés numa sala de aula. 
Por tudo isto, não surpreende que haja doutores que sempre tiveram os pés à porta da sala de aula, mas que confundem as praxes com brincadeiras de crianças.

PS. De tudo isto não decorre que nestas instituições não haja, ou não tenha havido, alunos, funcionários e professores que cumprem zelosamente a respetiva missão, apesar da rede de cumplicidades e de promiscuidades que paulatinamente geram uma cultura de corrupção e de idiotia.  

28.1.14

Desabafo

Todos os dias alguém me recomenda que vá ao médico. Outros dizem-me que isso não é nada, pois estamos todos doentes...
Só que nem uns nem outros se preocupam em reduzir as causas do stress que me deixa à beira da implosão! Há mesmo aqueles que me estendem o tapete... Fazem-no como se eu fosse portador de um crime antigo!
Que eu saiba nunca roubei nada a ninguém... 
Por estes dias, o mais que posso fazer é ouvir... se não falarem todos ao mesmo tempo. 
Os meus argumentos esgotaram-se!

27.1.14

Meu Portugal, Minha Terra

Há pouco tempo, reencontrei a Selecta de Língua e História Pátria - Meu Portugal, Minha Terra, de Beatriz Mendes Paula e Maria Nobre Gouveia.
O meu exemplar traz o nº 26427, autenticado pelo Ministério da Educação Nacional, com a classificação LIVRO ÚNICO. «Aprovado oficialmente como livro único - Diário do Governo nº 46 - 2ª série, de 24 de Fevereiro de 1965.
Por esta Selecta estudei (?) no 2º Ano do 1º ciclo dos liceus. Interrogo-me se estudei pois a selecta está de perfeita saúde, com parcas anotações, cuidadosamente redigidas. Nela também se encontra o meu número de ordem: 252. Este número perseguia-me para todo lado...
A simples observação do Índice dá-nos conta da criteriosa escolha de autores e respetivos textos, e sobretudo, da adequação à época vivida: António Botto (3), Maurício de Queirós (2), Mário Domingues (4), Tomás Vieira da Cruz, Maria Archer (2), M. Angelina (2), Raul Brandão (4), J. de Vilhena Barbosa, Mário Mota, Gastão de Sousa Dias, Eça de Queirós (3), Maurício de Queirós, A. Fontes Machado, A. Campos Júnior, Sophia de Mello Breyner Andresen (2), Fernando Pessoa (2), Aquilino Ribeiro (6), Fernando Pamplona (2), Ramiro Guedes de Campos, A. Simões Muller (5), A. Correia de Oliveira (3), Luís Reis Santos, Luís de Oliveira Guimarães (2), Conde de Monsaraz, Conde de Sabugosa (3), Sebastião da Gama (2),  P.e Moreira das Neves (2), Martins Fontes, João de Deus (2), Orlando de Albuquerque, Vitorino Nemésio, Nuno de Montemor, António Giraldes, Cecília Meireles (2), Trindade Coelho (2), Júlio César Machado, Gomes Leal, Cardeal Saraiva, Maria Madalena Martel Patrício, Ramalho Ortigão (3), O Menino-Deus, Virgínia de Castro e Almeida (3), Miguel Torga (4), Luís Filipe, Manuel Bandeira (3), Guerra Junqueiro, Azinhal Abelho (3), Pedro Homem de Mello, Manuel da Fonseca, António Cruz, Francisco Cunha Leão, Conde de Ficalho, José Régio (2), João Teixeira de Vasconcelos, Pedro José da Cunha, Alves Redol (3), Almeida Garrett, A. Fontes Machado, Julião Quintinha, Rui Knopfli, Matilde Rosa Araújo, Ferreira de Castro, A Sombrinha, Alexandre O'Neill,  Manuel Bernardes, Afonso Duarte (2), Manuel da Costa Lobo Cardoso, Teófilo de Braga, A. Pinto Correia, Francisco Manuel de Melo, Afonso de Castro, Luís Reis Santos, Carlos Queirós (2), Mário Beirão, Gustavo de Matos Sequeira, Diogo Couto, Vasco de Lucena, António Patrício, Rebelo da Silva, Fernando Amaral, Armando de Lucena, A. Fontes Machado, Nicolau Tolentino, Carlos de Seixas, Mário de Sampayo Ribeiro, João de Freitas Branco, Fernando Pamplona, Tomás Ribeiro, António Quadros, Francisco Bugalho (2), Caetano Beirão, José Gomes Ferreira (2), Agostinho de Campos, Ester de Lemos, Antero de Figueiredo, Rómulo de Carvalho (2), Castro Soromenho (2), Marcelino Mesquita, Augusto Gil, Leitão de Barros, Guilherme de Melo, Luís Teixeira, António Mora Ramos, Castro Pires de Lima, M. Sarmento Rodrigues ...
... em 243 páginas, Aquilino Ribeiro leva de vencida gente ilustre e outra mais esquecida, nos anos 60, em plena guerra colonial... e , n' O País dos Outros, Rui Knopfli escrevia ILHA DOURADA

A fortaleza mergulha no mar
os cansados flancos
e sonha com impossíveis 
naves moiras.
Tudo mais são ruas prisioneiras
e casas velhas a mirar o tédio.
As gentes calam na
voz
uma vontade antiga de lágrimas
e um riquexó de sono
desce a Travessa da Amizade.
Em pleno dia claro,
vejo-te adormecer na distância,
ilha de Moçambique,
e faço-te estes versos
de sal e esquecimento.

Tudo esqueci, mas imagino o tom apologético daquela aula em que a Ilha dourava ao Sol do Índico...                              

26.1.14

Praxes académicas. Que lhes sejam riscados os cursos!

Em 1727, D. João V determinou o seguinte: “Mando que todo e qualquer estudante que por obra ou palavra ofender a outro com o pretexto de novato, ainda que seja levemente, lhe sejam riscados os cursos.”

As praxes estão na ordem do dia!
Definição de 'praxe académica": conjunto de costumes que governam as relações académicas numa universidade, baseado numa relação hierárquica.
Por outro lado, a praxe é um manual de desmame e /ou de iniciação para quem aspira a integrar uma "ordem", uma "obra", uma "loja", um "falanstério", uma "seita"...
Sobreviver à praxe dá acesso à falange, imprescindível à conquista da economia, da utilidade e da magnificência...

Entretanto, o ministro Crato, acossado pelo alarme público, resolveu convocar as academias para debater o tema. Mais valia que, a exemplo de D. João V, anulasse os cursos aos caudilhos...



25.1.14

Se Virgínia fosse rica, Camilo frasearia noite e dia...

«Estou farto de frasear, amigo A. A espiritual Virgínia obriga-me a bolear, brunir e arredondar o período.» Camilo Castelo Branco, Carta VIII, Porto, 25 de Junho de 1854

No entanto, o cansaço de Camilo tinha uma outra razão de ser : Virgínia (Gertrudes da Costa Lobo) não era rica. Se o fosse, Camilo frasearia noite e dia: - A mulher nascida para mim és tu. (...) Não podes ser minha, porque não sou rico!
À fição basta, por vezes, virar do avesso a boçalidade, e no caso de Camilo isso é por demais evidente. Os sentimentos das personagens de Amor de Perdição surgem limpos do lodo que lhes dá "vida", e nós acreditamos neles...
Na verdade, as cartas de amor de Teresa e Simão têm a sua génese na correspondência entre Camilo Castelo Branco e Gertrudes da Costa Lobo. Esta desconhecida mulher revela nas suas cartas tal capacidade de auto-análise e espírito crítico que o próprio Camilo se lhe refere nos seguintes termos: «Virgínia estava ab ovo destinada a fazer suar o topete do autor do Secretário dos Amantes. Queria ver como o homem se tirava de apertos em correspondência com esta literata, que segundo me dizem, entende o Fausto, e o Kant. O Kant, amigo A.!»

- Infelizmente, o espartilho ainda continua na moda, embora sob a forma de palas!

PS. O idiota, hoje, passou o dia a vestir-se de prata. Só fala de prata e se saísse à rua, de prata seria! Quando for a enterrar, há de ser cremado em banho de prata...

24.1.14

No labirinto

Podia escrever sobre os 35 milhões de curdos a quem não é reconhecido o direito a constituir uma nação ou, em alternativa, sobre o glorioso déficit português que, ontem, era de 4,4% e, hoje, de 5,3%... e amanhã, provavelmente de 7% ...
Podia escrever sobre cata-ventos, dissimulados, hipocondríacos, avarentos, cabeçudos e idiotas, mas para quê?

Hoje, quero apenas assinalar que um automobilista que se atreva circular nas ruas laterais da Avenida da Liberdade, em Lisboa, deve estar preparado para ficar para sempre no labirinto. De facto, a CML não é amiga nem do automobilista, nem do ciclista, nem do peão, nem do ambiente...

23.1.14

Com três ou dez mais pequenas...

«É uma pedra só, por via destes e outros tolos orgulhos é que se vai disseminando o ludíbrio geral com suas formas nacionais e particulares...» José Saramago, Memorial do Convento

Nestes dias de glória governamental, relembro a lição da varanda do Convento de Mafra que não necessitava de uma pedra tão grande - « com três ou ou dez mais pequenas se faria do mesmo modo a varanda.»

De D. João V a Passos Coelho, sem esquecer Salazar, a glória do governante aumenta na exata proporção do empobrecimento do cidadão. Todos eles, homens fracos, procuram a glória através da humilhação da nação. Orgulhosamente sós ou bajuladores do estrangeiro, procuram o reconhecimento nos compêndios da História...por isso não espanta que uma das vítimas do aparelhismo que os serve seja o romance Memorial do Convento... 

22.1.14

Amanhã não pode ser pior...

A - Nos anos letivos de 2017/2018 e 2018/2019, a obra a estudar será, obrigatoriamente, O Ano da Morte de Ricardo Reis. Com esta indicação, pretende-se fomentar o conhecimento desta obra, tornando-a tão divulgada junto de professores e alunos quanto Memorial do Convento, permitindo que a opção por uma das obras, no futuro, seja mais sustentada.  Programa e Metas Curriculares de Português Ensino Secundário

B - Tão grande fora o sofrimento durante este arrastado dia, que todos diziam, Amanhã não pode ser pior, e no entanto sabiam que iria ser pior mil vezes. José Saramago, Memorial do Convento

Dá gosto ver o modo como o povo é suspenso por dois anos, sem recurso a julgamento.
Dá gosto pensar que os alunos, em 2019/2020, irão suspender a sua entrada no ensino superior para poder cotejar as duas obras de Saramago.
Dá gosto saber que os professores, em 2019/2020, vão livremente escolher um dos dois romances...

Todos sabemos que foi isso que aconteceu nos últimos 40 anos! Uma Abelha na Chuva , O Trigo e o Joio, Guerras de Alecrim e Manjerona, O Judeu, A Sibila,  Aparição continuam a ser objeto da maior atenção de professores e alunos...

21.1.14

Desfasado

Uma única palavra poderia dar conta do modo como me sinto. Desfasado.
Hoje, participei numa missa de 7º dia que, afinal, era de 8º dia! Durante a liturgia, o sacerdote explicou que o assunto era o martírio de S. Vicente, padroeiro da diocese de Lisboa, e que só deverá ser celebrado amanhã.
Uma missa instrutiva, pois o sacerdote explicou por que motivo S. Vicente já foi padroeiro da cidade de Lisboa... As relíquias tinham sido trazidas de Sagres (lugar sagrado) para Lisboa por ordem de D. Afonso Henriques para recompensar a precipitação dos seus cavaleiros que tinham degolado o bispo cristão do burgo... um bispo moçarabe. Na verdade, alguns cristãos, ao partilharem os costumes dos muçulmanos, davam origem a equívocos fatais!
Com o tempo, tudo o que tinha como seguro vai sendo questionado. O próprio grão lançado pelo semeador à terra, em vez de se enraizar e de florescer, deverá, para nosso bem, perecer... pois só assim renascerá. A ideia não me é estranha: o Pai envia o Filho à Terra para morrer às mãos dos seus, pois só deste modo pode ressuscitar e salvar-nos. 
Só o sofrimento nos traz consolo! 
Desfasado e desconsolado, começo agora a relembrar o Vicente de Torga e apetece-me imitá-lo.

20.1.14

Ainda oiço as vozes

Ainda oiço as vozes daqueles que a cada passo exclamavam: Salazar é um homem de contas certas! Salazar trouxe ordem às finanças e às famílias... Nunca compreendi os louvores ao homem exemplar e austero. Na aldeia, o povo era tão frugal na alimentação que a batata solitária era o sustento diário. Só ao domingo, o naco de toucinho saía da salgadeira dos mais abastados ou a petinga se misturava em tomatada com o já mencionado tubérculo...
Naquele tempo, os homens começaram a dar o salto. A clandestinidade popularizou-se, embora as razões políticas estivessem reservadas aos iniciados. Salazar, de tempos a tempos, deslocava-se a Santa Comba. Quando tal acontecia, a linha de caminho de ferro era antecipadamente policiada - um guarda aqui, outro mais acima - e as cortinas corridas das carruagens anunciavam que Sua Excelência estava em trânsito...
Outros aldeãos, mancebos, partiam para meses mais tarde regressarem em urna definitivamente fechada ao cemitério familiar. Na escola próxima, nós decorávamos e recitávamos "Valeu a pena? Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena / Quem quer passar além do Bojador / Tem que passar além da dor.
De alma acanhada, sem saber o que era a poesia, deixava de ouvir as vozes e começava a pensar que o mundo deve ser um lugar muito pequeno em que o relógio parou...

19.1.14

Na Turquia, ainda há quem sorria...


Durante o dia, procurei informação sobre a situação política na Turquia e o resultado não foi nada positivo.
De acordo com as agências noticiosas, parece estar a decorrer uma purga que vai afastando todos aqueles que, de algum modo, lutam pela liberdade de expressão. 
Oficialmente, o afastamento de milhares de funcionários públicos visa combater a corrupção e a fuga de capitais...
A situação torna-se preocupante, entre outros motivos, porque o governo turco está a dificultar o acesso à Internet, designadamente às redes sociais... Apesar de tudo, por mais negra que seja a situação, ainda há por lá quem sorria...

18.1.14

O idiota e a mesura

Na corte, a etiqueta era essencial e por isso se dava espaço à cortesia. Ser cortês era uma forma de se diferenciar da plebe e, também, uma forma de marcar o território no interior da aristocracia. Na corte, o amor ganhou a cor da submissão e da reverência, ganhou paciência e até se tornou platónico, divino... E a plebe, entregue a si própria, só conhecia a lição da besta demoníaca... as fronteiras eram derrubadas sem qualquer etiqueta e cumprida a função cada um seguia o seu caminho. Da selva à corte parecia cavar-se uma distância intransponível.

Em democracia, a cortesia vê-se substituída pelo espírito democrático que exige que se seja cortês. Porém, o idiota de serviço reclama que o oiçam, mas despreza a resposta à pergunta que acaba de fazer. Ungido pelo sangue ou pela plebe, o idiota de serviço sente-se mandatado para tomar as decisões que bem lhe apetece e passa adiante, não sem antes ter humilhado e frequentemente destruído quem se lhe atravesse no caminho...

Como não há efeito sem causa, quero esclarecer que a razão deste excurso tem origem na quantidade de idiotas que exigem mesura, que se consideram democratas, mas que se estão nas tintas para a resposta obtida... 

17.1.14

O ministro da Saúde e a assistência clínica

"Estamos a receber no Serviço Nacional de Saúde (SNS) muitas pessoas de lares", adiantou, indicando que, "nas urgências, o que se nota é um perfil de pessoas mais idosas". Assim, na opinião do ministro da Saúde, importa "verificar se as pessoas nos lares estão a ter toda a assistência clínica, quer ao nível de enfermagem, quer em termos médicos", prevista na lei.

Para o ministro da Saúde, o SNS é vítima da incúria dos doentes e, no caso dos idosos, da falta de assistência clínica nos Lares. Que bom seria se o Inverno não nos batesse à porta! Que bom seria se não envelhecêssemos!
Há, todavia, muitos idosos sem condições financeiras para poderem recorrer a um Lar e que estão à mercê dos humores de familiares ou, até, que vivem sozinhos e que só chegam às urgências em situação-limite.

Bom seria que o ministro da Saúde passasse, pelo menos, 24 horas nas Urgências de modo a observar o calvário a que o utente é submetido - da triagem à consulta, da consulta ao diagnóstico clínico, do diagnóstico ao SO, do SO ao internamento, do internamento ao tratamento, e do tratamento à "alta" porque a lista de espera é infinita...

O ministro da Saúde despede para mais tarde contratar. O ministro da Saúde encerra para depois reabrir ou alargar o horário. O ministro da Saúde é o "rei" da poupança para depois se queixar. O ministro da Saúde promove a precariedade e os baixos salários. O ministro da Saúde empurra médicos e enfermeiros para a emigração...

Por isso, o utente quando observa o funcionamento do SNS acaba por não encontrar nem médicos nem enfermeiros. Só administrativos e seguranças! E percebe-se porquê!

Para o ministro da Saúde, como para o Governo de que faz parte, austeridade rima com morte...

16.1.14

Subitamente, o frio

Subitamente o coração acelera, os estímulos reorientam-se, deixando de fora as rotinas. Ao mesmo tempo, os passos impossíveis travam-nos o movimento e ficamos atentos às contrariedades. Uma vez mais percebemos a raiz da encenação - a desresponsabilização.
Entramos no círculo de luz e ficamos lá até que o frio nos expulse. 
Então, o coração desacelera, as rotinas regressam e os estímulos confundem-nos até que a orquestra emudeça.

Não compreendemos a vantagem de receber a notícia, porque a ideia chega mal formulada: a notícia não traz com ela qualquer alternativa. O antes e o depois do acontecimento nada destapam da verdade...
E, entretanto, vamos criando novas verdades até que o frio nos expulse do pântano que nos reflete.

15.1.14

Fim de ciclo

Simples fragmentos podem transformar-se em narrativa, em ciclos de vida. O que hoje se encerra teve início em 1974. Para trás ficavam esferas distintas, desconhecidas. Caminhos tão antagónicos que a probabilidade se cruzarem era mínima...
No entanto, só hoje, quando o presbítero lembrou que «Deus está à nossa espera», compreendi que se tivesse correspondido à vontade divina, o ciclo que hoje se conclui não teria tido início...
De nada serve avaliar se a escolha foi a mais acertada, porque, ao passarmos o limiar, uma nova casa se abre deixando a fúria respirar,  os olhos das molduras cintilar,  as flores da varanda desabrochar... enquanto o sol por instantes aquece o que sobra da ternura...
Durante este tempo, a viagem levou sempre à casa  que nunca habitara, à areia da praia que não frequentara, a vozes que não ouvira, a uma fome que não a minha...
Podemos passar o limiar, sem nunca habitar plenamente a casa porque já chegámos tarde... Assim, o melhor é regressar ao ciclo inicial... antes que a linha quebre. 

14.1.14

Ao contrário do universo...

No que ao SER diz respeito, quanto maior é a duração, menor é a extensão... e talvez seja essa a lei que explica a vontade insaciável de tudo possuir, de tudo devorar, de ser tudo de todas as maneiras...
Apesar da Hora ser única, a consciência pessoana atravessa-se no caminho para nos trazer mal-estar, porque a eternidade tem custos que a nossa extensão nos impede de suportar.

13.1.14

Despedida

Caiu o nevoeiro e depois a chuva. O sol espreitou! E o nevoeiro e a chuva confundiram-se. Foi assim ao longo de 91 anos.
Como bem se sabe, o nevoeiro e a chuva colam-se ao corpo e, hoje, pela última vez, esconderam o sol....

12.1.14

Largo do Cruzeiro



Quase escondido, o Largo do Cruzeiro corre paralelamente à Rua Principal. Símbolo de soberania, vive do tempo em que o carvalho ainda medrava e acoitava os pombos que por ali passavam. É hoje um Largo sem notícia, esquecido por quase todos.
Em tempos, para mim, o Largo do Cruzeiro mais não era do que um atalho…hoje, sinto-o mais próximo, mais solene, a espreitar a Serra d’Aire.

11.1.14

Em balanço

Há quem faça balanços com grande facilidade! Eu não!
Para começar, desconfio da memória - fraca e seletiva. Por outro lado, dificilmente podemos estar presentes em todos os eventos que marcam o dia a dia de uma instituição ecléctica; frequentemente, não nos sentimos motivados ou nem sequer nos apercebemos da importância de certas iniciativas. 
Assim, um balanço deveria ser construído a partir do testemunho sistematizado dos vários públicos.
Infelizmente, tal não acontece! Deste modo, pondo de parte a memória e os afetos, socorro-me de balanços de atividade dos responsáveis pelas iniciativas. Só que rapidamente descubro que nem todos os dinamizadores se dão ao trabalho de redigir o respetivo relatório, ou porque o não valorizam ou porque preferem guardá-lo para outro interlocutor ou outra circunstância.
Regresso ao início, não podendo fiar-me na memória nem nos afetos, não obtendo feedback dos públicos nem tendo acesso à totalidade dos balanços intermédios, ou porque escondidos ou porque inexistentes, fico em balanço, sabendo, de antemão, que a maioria dos balanços das organizações não passa de falcatrua.

E é sobre essa falcatrua que depois se produzem avaliações externas que irão ditar os planos de melhoria das instituições! Se as avaliações externas, por exemplo, das instituições de ensino, fossem rigorosas e isentas nada do que nos tem vindo a acontecer teria razão de ser...

10.1.14

Laranja

De três laranjas fiz um sumo
longilíneo solar
comprara-as minutos antes como reforço vitamínico
não para mim que desconfio de suplementos
para ti sempre frágil
não quiseste açúcar só palhinha!

O Poeta, da laranja lembra
«peso, potência. / Que se afinca, se apoia, delicadeza, fria abundância 
(...) Laranja. Assombrosamente. Doce demência, arrancada à monstruosa / inocência da terra.»

Eu recordo três laranjeiras
ora em flor
ora curvadas de frutos
verde laranja

( O Poeta é Herberto Helder, Última Ciência)

9.1.14

Tomar uma decisão...

No dia em que estive presente num workshop que visava ajudar alunos do 12º ano a "tomar uma decisão", fiquei tão traumatizado que resolvi ensaiar uma resposta a uma pergunta de um aluno do 11º ano: - E se, no âmbito do contrato de leitura, eu apresentasse uns poemas de Herberto Helder à minha turma!?
Sempre que me surge um especialista deste poeta, sinto um calafrio e indago da experiência de leitura do audacioso, adiando a minha resposta o mais possível, pois do lado de lá está um público pouco familiarizado com qualquer tipo de poesia. 

Ainda combalido da experiência matinal, em que uma informalíssima psicóloga me quis convencer da bondade de enunciados do tipo É normal tomar uma má decisão! ou Só faço aquilo de que gosto!, atirei-me ao volume OU O POEMA CONTÍNUO para ver se lavava a alma e o corpo...

Abro o TRÍPTICO de Herberto Helder  e surge-me o amador de Camões: Transforma-se o amador na coisa amada com seu / feroz sorriso, os dentes, / as mãos que relampejam no escuro.  Traz ruído / e silêncio. Traz o barulho das ondas frias / e das ardentes pedras que tem dentro si./ E cobre esse ruído rudimentar com o assombrado / silêncio da sua última vida./ O amador transforma-se de instante para instante, / e sente-se o espírito imortal do amor / criando a carne em extremas atmosferas, acima de todas as coisas mortas.

E fico a pensar no olhar perdido e petrificado do amador camoniano que, à força de misturar imagens, reprime o desejo e apazigua o corpo, passando a viver do fulgor de um momento para sempre perdido, enquanto que o amador de Herberto Helder, no lugar da imaginação, coloca o peso e o vigor do corpo até que a amada  lhe corresponda o grito anterior de amor...

Quanto ao meu aluno do 11º ano, ele que tome a decisão que quiser, desde que seja capaz de mostrar que aprecia a poesia de Herberto Helder, e se nos enganar a todos também não há problema, pois tudo é normal neste país ocupado.    

8.1.14

Não espere!

É melhor estar cansado e não o dizer! Se estiver desiludido, não o diga, porque se o fizer, de imediato, surge uma multidão cansada...
Solidários com a desgraça alheia, os nossos amigos não revelam qualquer pudor ao descreverem-se como ainda mais cansados, ainda mais desiludidos...
Se pressentir que vai desfalecer, afaste-se e deixe-se cair onde ninguém o veja, pois, caso contrário, ver-se-á rodeado por uma multidão ofegante que o irá asfixiar...

Evite o facebook ou qualquer outra rede social! Impeça que lhe passem a mão pelo pêlo! Se detesta o plágio, deixe de ler! Oiça as palavras, procure-lhes o timbre e leve-as consigo para longe da turba...

       mas não espere que lhe oiçam as palavras cansadas, a respiração ofegante! Não espere...

7.1.14

Desilusão

Ainda não percebi se a desilusão é absoluta. Os sinais avolumam-se. Cada vez mais desfocado, começo a fugir do envolvimento. Não porque espere qualquer gratificação, mas porque a penalização vai alastrando.

Por enquanto, vou rumando contra a enxurrada, mas esta acaba por me enlamear.

6.1.14

A alma constrange-me...

Sempre que numa sala de aula me refiro à "alma", sinto-me constrangido. O rosto fechado dos meus interlocutores interroga-me sobre aquele conceito, como se ele nada lhes dissesse. De imediato, lastimo os poetas que, durante séculos, investiram na alma, chegando ao ponto da dissociar do corpo.

Nos últimos duzentos anos, o corpo ganhou tal relevo que a "alma" se ideologizou. As nações ganharam vida e a "alma" justificava as batalhas, os triunfos e a morte ao serviço da entidade coletiva. A alma lusa alimentava-se da necessidade de um povo triste e miserável recuperar a esfumada grandeza passada.
Os políticos habituaram-se a evocar essa alma coletiva para justificar as suas ambições pessoais, para legitimar visões do mundo desfasadas da realidade, e até fingiram que homens de raiz africana, como Eusébio, homens que no íntimo e no círculo dos amigos desprezavam, eram a expressão genuína da multirracialidade que suportava o império...
Passos Coelho não resistiu à tentação de apresentar Eusébio como "a alma portuguesa". O político, que não serve e ignora o povo, mostrou-se como genuíno herdeiro da austeridade e da cegueira do estado novo. Por seu turno, a presidente da Assembleia da República, ao questionar o custo da eventual trasladação dos restos mortais de Eusébio para o Panteão, mostrou não ser uma digna  representante do povo português.
Estes políticos de rosto fechado nunca compreenderam que há homens que são a luz da humanidade.

5.1.14

Eusébio, mediador cultural

Há algumas pessoas que me emocionam! Poucas, é verdade!
Eusébio sempre me comoveu: quando arrancava para a bola, quando driblava o adversário, quando fuzilava a rede, quando falava de si e dos outros. Nunca se punha em bicos dos pés! 
Homem simples, sem preconceitos, teve que suportar interesses públicos e privados, conseguindo ser um verdadeiro mediador cultural, no sentido que alguns historiadores (Michel Vovelle, Roger Chartier, Robert Muchembled) lhe atribuíram: 
                         
           «Mediador cultural é aquele que assegura passagens entre esferas culturais diferenciadas

E nesse sentido, Eusébio é um mito, e como tal deixa de haver registo do ciclo da vida... Eusébio é emoção pura!

4.1.14

De Negro Vestida, um livro "feliz" com um título triste

Em LER A TRISTEZA escrevi que "os livros do meu país são tristes, todos!» Para contrariar o meu pessimismo, João Paulo Videira escreveu um livro "feliz" com um título triste "DE NEGRO VESTIDA"... 
Agora que concluí a leitura, verifico que o autor revela uma fé inabalável no «poder resiliente do amor», isto é, na capacidade de recuperar de relações de conveniência, de submissão, de corrosão de sentimentos, atribuindo essa competência à mulher que, quando imbuída da vontade de mudança, consegue contaminar todos os que lhe são mais afins, como acontece com Maria de Lurdes e filhos... 
Esta vontade de combater a submissão da mulher resulta  aparentemente de uma consciência traumatizada pela secundarização da mulher-mãe, a doméstica", confinada à função procriadora e, em tudo o resto, desprezada. Até na hora da morte! 
Este romance, ao dar voz à mulher, ajusta contas com o homem. Incapaz de distinguir o sexo do amor, incapaz de respeitar a mãe dos seus filhos. O homem cobridor!
A este homem cobridor é lhe atribuído um instinto predador que só algumas mulheres possuiriam, sem, todavia, o poderem consumar...
Em síntese, este longo romance, 356 páginas, mais 10 do que o Memorial do Convento, por um lado, ajusta contas com o homem machista do estado novo, mas também da revolução dos cravos; por outro lado, surge como uma forma de esperança num tempo de acentuada degradação das relações interpessoais e familiares.
Finalmente, a leitura do intertexto deixa ver o fascínio do autor, do narrador, do contador de histórias, do «maestro das palavras que orquestrou sua sinfonia» pela narrador saramaguiano. Fascínio pela luz e pela sombra, em particular por uma «visão» que, se não vê por dentro, "fala" ao coração...:
«E veem a vida passando por si enquanto passam por ela. E tudo o que veem, sentem nas mãos que levam dadas e recebidas...» 
E para concluir, relembro, de memória provavelmente truncada, Alexandre O'Neill: "Sempre que escrevo um verso, viro-me de costas para o Fernando Pessoa".

A calibrar o conceito de idiota

Osório morreu de desgosto porque, segundo se diz, os filhos morreram cedo. Eu, todavia, não acredito na voz do povo porque, se fosse verdade, eu não teria necessidade de calibrar o conceito de idiota.
Há mesmo idiotas que falam, que se pavoneiam, que fogem às responsabilidades, que fingem ouvir o contrário do que lhes é dito, que, apenas, pensam em figurar na galeria dos notáveis... Lá, no fundo, estes sujeitos só se sentem bem na "família" dos idiotas...
E este idiota, que deseja a morte dos outros e não quer morrer, anseia, muito mais tarde, jazer no jazigo de Osório. 

3.1.14

O idiota de famíla

«O idiota define-se como sendo um sujeito que nunca ultrapassará dois ou três anos de idade mental. Incapaz de prover às suas necessidades, não fala. Os seus sentimentos são rudimentares. A aprendizagem da marcha e da limpeza é, muitas vezes, incompleta.» Michel e Françoise Gauquelin, Dicionário de Psicologia, Verbo 

Hoje surgiu-me por diante um idiota que exigia que a mãe ficasse internada no hospital ou, em alternativa, que o hospital a atirasse para o lixo que ele lá estaria para fotografar a cena.

Como acontece com muitos outros conceitos, esta definição de idiota necessita de ser calibrada, pois há certos idiotas que são asseados, desportistas, eloquentes, vaidosos, imaginativos, insensíveis e egoístas. No entanto, por detrás de tantas qualidades, estes sujeitos não ultrapassam dois ou três anos de idade mental.

Começo a temer que um destes dias não resistirei a esbofetear o primeiro idiota que me saia ao caminho, mas nesse momento perderei a razão.


2.1.14

Osório

Durante duas horas, a narrativa estendeu-se da roda dos enjeitados, apesar da caxemira, às vivendas do tempo em que o Marquês ainda não contemplava o Parque: os quartos eram catorze e desaguavam numa cozinha que dava para um quintal. Desses quartos, havia dois habitados pelo casal que, dormindo em separado, «lá se entendia, só Deus sabe como!»
Ele, Osório, enriqueceu com o negócio dos bordados da Madeira, reservava outro quarto para as fazendas e para os já mencionados que, para meu esclarecimento, faziam parte de todo o enxoval de menina prendada, rica..., o que significa que a arte de comerciante estava no saber lisonjear a mãe da menina. Antes de comerciante, importava ser cavalheiro. Distinto. Daqueles cavalheiros que as mães de família não se importam de convidar para tomar chá! No caso, a gentileza do comerciante era tanta que, por vezes, a bela neta também era convidada...
O resultado do negócio era guardado num enorme cofre em aço que, curiosamente, estava acomodado no quarto da esposa, Mariana. Ao fim do dia, de regresso a casa, Osório dirigia-se ao cofre, começando por observar se o segredo se mantinha intacto. Inevitavelmente, a voz de Osório acordava a esposa de qualquer tarefa que a cozinha lhe impusesse: - Mariana, tu mexeste no cofre!
Osório morreu de desgosto, pois os filhos morreram cedo!
MCG

1.1.14

2014 trouxe um Presidente alinhado



I - Não há uma única imagem, não há um único argumento que evidencie que 2014 possa ser melhor do que 2013? Infelizmente, ainda continua a haver quem acredite que a mudança resulta de um golpe de ilusionismo ou de retórica. 
Isso não apaga, no entanto, a ineficiência dos serviços! Ainda há uma hora, nos Olivais Norte, um infeliz transeunte caído na estrada esperou pelo menos trinta minutos pelo INEM…
Não são só os governantes que não servem! Somos nós todos que não cumprimos e que celebramos a esperança de que o problema se resolva por si próprio… E por isso apostamos na greve dos transportes, na acumulação de lixo, em encerrar a repartição o mais cedo possível, nas drogas, nas manobras perigosas, em tudo o que nos anestesie e, consequentemente, nos destrua…

II - Às 21 horas, o P.R. pôs em causa tudo o que escrevi duas horas antes! Qual porta-voz do Governo, o P.R., em nome de "uma democracia consolidada e estável", veio defender "o compromisso político nacional", chantajeando a oposição e ofendendo todos os que perdem o emprego, todos os que são obrigados a emigrar e todos os que veem os seus direitos aniquilados. De facto, o P.R. de 2014 surge bastante maquilhado, a começar pelas sobrancelhas...